A complexidade da sociedade israelense
Por Hayim Makabee
Já faz muitos anos que eu acompanho olim em seu processo de adaptação em Israel. Verifiquei que muitos olim subestimam a complexidade da sociedade israelense, tem a tendência a fazer generalizações apesar de sua pouca experiência e gostam de julgar o comportamento dos israelenses de acordo com padrões culturais estrangeiros.
Neste artigo eu pretendo abordar diversos aspectos relacionados à complexidade da sociedade israelense, explicando porque, na minha opinião, não devemos subestimar essa complexidade, nem fazer generalizações e nem julgar os israelenses. Esse não é um artigo científico, eu não sou sociólogo nem antropólogo, mas acho que posso ajudar os olim, evitando frustrações desnecessárias.
A sociedade israelense é extremamente heterogênea
O primeiro fato que devemos entender é que a sociedade israelense é extremamente heterogênea. Ela pode ser dividida entre olim e sabras, judeus e árabes, ashkenazim e sefaradim, religiosos, tradicionais e não-religiosos, além de obviamente as divisões entre as diferentes classes sociais.
Hoje Israel tem cerca de 9 milhões de habitantes, dos quais 74% são judeus e 21% são árabes. Entre os judeus, temos 70% de sabras e 30% de olim, sendo cerca de 1,5 milhão de israelenses originários da antiga União Soviética e aproximadamente 1 milhão de israelenses originários de países do Norte da África.
Do ponto de vista da religião, cerca de metade dos judeus em Israel se definem como não-religiosos (hiloni), 28% são tradicionais (masorti) e 22% são religiosos (dati ou haredi). Entre os não-judeus, 73% são muçulmanos, 10% são cristãos e 10% são Drusos.
O resultado de todas essas múltiplas divisões é que não existe em Israel nenhum segmento que represente mais de 50% da população. A sociedade israelense é formada por diversas minorias que coexistem, algumas mais integradas e outras mais isoladas. Na prática, Israel tem várias tribos, exatamente como quando o Povo de Israel saiu do Egito.
Múltiplas culturas, costumes e tradições
Como resultado dessa extrema heterogeneidade, em Israel coexistem múltiplas culturas, costumes e tradições. Isso é muito diferente de um país como o Brasil onde, em cada cidade, as principais diferenças são de nível social.
Assim, por exemplo, em uma cidade como o Rio de Janeiro temos pessoas de classe alta, que tiveram acesso a mais educação e tem um padrão de vida mais elevado, e outras de nível social inferior, que são dependentes de serviços de saúde, transporte e educação públicos.
Mas em geral a grande maioria dos cariocas, independente de nível social, tem hábitos alimentares parecidos: gostam de feijão com arroz e de pizza com guaraná. Também gostam de carnaval e de futebol, adoram ir à praia e assistem aos mesmos programas na televisão.
Aqui em Israel, em um mesmo prédio, vamos encontrar vizinhos que têm nível social parecido, mas cultura, costumes e tradições muito diferentes. Por exemplo, um vizinho fala russo com seus filhos, assiste na televisão apenas aos canais russos e faz suas compras em um supermercado não-Casher, enquanto a outra família de vizinhos são judeus religiosos de origem marroquina que prepara couscous para o Shabat.
Essas diferenças também se refletem no comportamento das pessoas. O que os olim gostam de classificar como pessoas mais simpáticas ou menos simpáticas, ou mais sorridentes ou menos sorridentes, pode ser apenas consequência da educação que receberam e dos seus países de origem. Mesmo entre crianças que nasceram em Israel observamos essas diferenças dependendo da origem da sua família.
Mobilidade social
Um outro aspecto da sociedade israelense que surpreende e confunde os olim é a mobilidade social. Felizmente hoje Israel é um país bem-sucedido onde a maioria da população tem um padrão de vida relativamente alto. Também somos um país bem educado: mais da metade dos israelenses adultos têm formação acadêmica.
Mas nossa origem é muito mais humilde. A grande maioria dos judeus que chegaram a Israel vieram refugiados de seus países de origem. Nós gostamos de chamar todos de olim, mas na verdade os sobreviventes do Holocausto eram refugiados, os judeus que foram expulsos de países árabes eram refugiados e mesmos os judeus que vieram da antiga União Soviética podem ser considerados refugiados.
Milhões de pessoas que chegaram a Israel depois de terem perdido todos os seus bens foram capazes aqui de refazer as suas vidas, com muito esforço e sacrifício. Hoje os seus descendentes têm boas profissões, moram em casa própria, têm carros novos e viajam com frequência para o exterior. Saíram da pobreza e em alguns casos se tornaram ricos.
Porém, esses israelenses que ascenderam socialmente nem sempre tiveram acesso aos padrões de etiqueta e de comportamento que no exterior caracterizam as pessoas de classe alta. Então muitas vezes os olim podem ficar chocados observando israelenses de nível social elevado que se comportam de forma grosseira ou demonstrando pouca educação.
Uma sociedade igualitária com bons serviços públicos
A sociedade israelense se caracteriza por ser igualitária, onde a grande maioria das pessoas utiliza os mesmos serviços públicos de saúde, transporte e educação. Famílias de nível social diferente podem ter acesso às mesmas oportunidades, frequentando as mesmas escolas, indo aos mesmos médicos e viajando juntos no mesmo trem.
Nos shopping centers em Israel podemos observar pessoas de todos os tipos fazendo compras nas mesmas lojas. Essas mesmas pessoas também se encontram juntas nas mesmas praias no fim-de-semana, comendo nos mesmos restaurantes ou viajando para o exterior nos mesmos aviões. É normal em Israel você ter contato e interagir diariamente com pessoas que são muito diferentes de você.
Para a maioria dos olim de países como o Brasil, isso é uma novidade. Esses olim estavam acostumados a usar serviços privados de saúde e de educação. Evitavam usar transporte público por motivos de segurança. Frequentavam shoppings e restaurantes de elite, faziam suas compras em lojas inacessíveis para pessoas de baixa renda. Alguns moravam em condomínios fechados, cercados por altas muralhas.
Como eu já escrevi em um artigo anterior, aqui em Israel os olim viram povo e deixam de ser elite. Muitos olim no início estão impossibilitados de trabalhar nas suas profissões, e são obrigados a aceitar emprego em lugares que não estão de acordo com sua formação acadêmica. Obviamente o olê deve compreender que os seus companheiros de trabalho israelenses na fábrica ou no supermercado não podem ser comparados aos seus antigos colegas de escritório no Rio de Janeiro ou em São Paulo.
Resumindo
Fazendo um resumo dos aspectos que abordamos acima:
– Israel é um país extremamente heterogêneo onde não existe um segmento majoritário da população. Somos um conjunto de minorias que coexistem.
– Israel tem uma diversidade enorme de culturas, costumes e tradições. Isso se reflete também no comportamento individual das pessoas.
– Israel é um país de grande mobilidade social. A maioria das pessoas que hoje fazem parte da classe média tem uma origem muito humilde.
– Israel é um país igualitário onde pessoas de diversos níveis sociais têm acesso aos mesmos serviços e frequentam os mesmos lugares.
Obviamente, a sociedade israelense é muito complexa e também muito diferente de outros países. Por isso os olim devem evitar tirar conclusões precipitadas e precisam ter muito cuidado com as generalizações. Não devemos julgar o comportamento dos israelenses de acordo com os nossos padrões culturais estrangeiros.
Na minha opinião, os olim devem ter muita paciência e tolerância. Apenas a experiência de viver alguns anos em Israel pode permitir a uma pessoa começar a entender os enormes contrastes que caracterizam a sociedade israelense. Existe uma grande diversidade de pessoas em Israel, naturalmente leva tempo para conhecê-los melhor.
Em geral os israelenses adoram os brasileiros. Eu não vejo motivo para que esse sentimento não seja recíproco. Boa sorte!
Foto: U.S. Embassy Jerusalem (Flickr)
Parabéns pelo artigo! O ideal mesmo é não julgar o próximo, afinal não sabemos e não passamos pelo que passou…mas, isso é difícil para o homem comum.
Gostei muito do artigo! Parabéns
Você Ricardo expressou muito bem a comunidade israelense e a diversidade entre os Olin e sabras. Armand Levy pai do teu amigo Alberto e avó de Nicholas Levy atualmente servindo no IDF
Vife acima
Excelente artigo Haym !! No artigo você menciona muito bem a diversidade da sociedade israelene . E é exatamente isso q faz de Israel um país fantástico, essa diversidade incrível de culturas , gostos , nacionalidades, num país tão pequeno. Sim concordo com vc q nós Olím chadashim precisamos ter muita paciência p tudo aqui , leva tempo até nos adaptarmos ao estilo de vida israelene.