Uma historinha de Chanuká para meus netos
Por Marcos L Susskind
O Sr. Lupinho, um viúvo sem filhos, tinha quatro cachorrinhos, cada um deles com sua própria característica.
O Vulcão era cinza, muito grande, latia muito e corria. Conseguia subir em árvores, não mordia, mas seu tamanho e seu latido causavam medo.
A Terra era uma cadelinha marrom, sem medo de nada, que sempre ajudava as pessoas e era herói da cidade porque salvou um bebê de atropelamento.
O Chico era um cãozinho preto, peludo que sabia falar a língua das pessoas e assim explicava o que os cachorros da casa estavam falando.
A Neve era uma cachorrinha bem pequenininha, branquinha e doce, que adorava “andar a cavalo” nas costas do Vulcão.
O fim do ano estava se aproximando e o Sr. Lupinho queria muito viajar. Um amigo dele lembrou que as passagens ficam muito caras quando começam as férias, mas antes disto o preço é bem mais barato e o Sr. Lupinho resolveu viajar antes das férias. Afinal, ele não tinha filhos em escola e podia sair antes das pessoas que têm de esperar as férias.
Ele então resolveu viajar, com todos os seus quatro cachorrinhos, para … Israel. Assim que ele começou a planejar, o Chico já percebeu que eles iam para algum lugar frio. É que o Sr. Lupinho tirou as medidas de cada um dos seus cachorros para fazer uma roupinha bem quentinha. O Vulcão ganhou um agasalho azul marinho que combinava muito bem com seu corpo cinza. O Chico ganhou uma roupa bege, a roupa que a Terra ganhou era amarela e a Neve ganhou um agasalho de lã bem colorido, onde a cor que mais aparecia era o vermelho e a deixava muito linda.
A viagem para o aeroporto foi tranquila. Ninguém latia, mas todos estavam encolhidinhos, com medo de voar. Quando chegaram ao aeroporto, o Sr. Lupinho pegou todos seus cachorrinhos e foi até a sala do veterinário para mostrar que todas as vacinas estavam em dia – era preciso fazer isso, senão não deixariam seus cachorros embarcar. Lá mesmo, na sala do veterinário, vestiu todo mundo e foram juntos para o embarque. Cada um dos cachorrinhos foi colocado numa caixinha protegida por tela enquanto o Sr. Lupinho foi para a cabine.
A viagem foi muito tranquila. O Sr. Lupinho leu um jornal e depois dormiu a viagem toda. Os cachorrinhos também dormiram (só o Chico ficou acordado por mais tempo, olhando o avião por dentro, antes de adormecer).
Chegaram a Israel à noite e foram para um hotel em Jerusalém. Mesmo tendo dormido na viagem, estavam cansados e foram … dormir de novo.
Na manhã seguinte acordaram tarde e foram passear pela cidade. Em todo lugar tinha muitas crianças e a maioria vinha brincar com os cachorrinhos. Alguns ficavam com medo, mas quando viam outras crianças brincando, acabavam perdendo o medo e se aproximavam. As meninas queriam sempre brincar com a Neve, mas os meninos preferiam os outros três. As crianças maiores gostavam do Vulcão porque ele era bem grande e corria bastante com eles. Foi um dia legal, estiveram no parque, andaram pela cidade onde tem poucos cachorros e eles chamavam bastante a atenção.
O frio não era muito grande – era um frio que dava para aguentar bem. Só que escureceu cedo – afinal era inverno. Assim que escureceu o Sr. Lupinho percebeu que em muitas casas as crianças e os adultos se reuniam perto da janela e cantavam. Ele não entendia o que estava acontecendo. Quando escureceu um pouco mais, ele percebeu que em todas as janelas tinha um candelabro onde cabiam nove velas. Ele achou estranho que os candelabros eram diferentes em cada casa, mas todos tinham oito velas na mesma altura e uma que era sempre mais alta ou estava fora da linha. E apesar de ter lugar para nove velas, só três velas estavam acesas, em todos os lugares. O Sr. Lupinho achou lindo o que ele via, mas ficou “encafifado” – porque motivo todos os candelabros tinham nove velas, e qual a razão de acender só três e ainda, porque uma sempre estava fora da altura? O Sr. Lupinho resolveu que alguém tinha de explicar para ele.
Já os cachorrinhos ficaram encantados de passar por tantas janelas iluminadas. Eles paravam embaixo de muitas delas, principalmente daquelas onde era mais fácil ver as velas acesas. A Neve ficava em pé, tentando ficar nas patinhas de trás para ver as velas. O Vulcão e o Chico se sentavam, de olhos fixos nas velas e a Terra tentava chegar perto, às vezes latia de alegria. O Sr. Lupinho arrastava os cachorrinhos, que não queriam ir embora mas a cada casa que eles passavam, todo mundo parava outra vez. Era lindo ver aquilo, mas o Sr. Lupinho ainda estava doido de vontade de entender porque, em todo lugar, só tinha três velinhas acesas. Será que todo mundo tinha combinado? Ou será que faltaram velas e cada um só podia comprar três velinhas? Mas mesmo assim, porque todo mundo acendia duas na mesma reta e a outra separada? A cabeça dele não parava de pensar nisto.
Demorou mas eles chegaram ao hotel. Que surpresa, na portaria do hotel tinha … um candelabro de nove braços e … só três velinhas acesas. O Sr. Lupinho levou os cachorrinhos para suas caminhas, deu leite, água e ração e foi para a portaria perguntar o que estava acontecendo.
– “É Chanuká”, explicou a moça da portaria. “Hoje é a segunda vela”.
O Sr. Lupinho falou que não entendia o que ela estava falando, mas que era a terceira vela porque todo mundo acendeu três. A moça começou a rir e disse: o Sr. Se engana. São só duas velas. A terceira é o Shamash e não se conta. O Shamash serve só para duas coisas. E ela explicou que é proibido usar a luz das velas de Chanuká para qualquer coisa – nem para enxergar no escuro. Então existe o Shamash, que é usado para acender as outras velas e também para iluminar. Assim, se a gente entrar na sala escura e usar a luz, a gente tem de lembrar que estamos usando a luz do Shamash e não das outras velas. A moça disse que na manhã seguinte ia ter um professor no hotel e o Sr. Lupinho poderia perguntar e aprender muito mais sobre Chanuká.
Naquela noite ele quase não dormiu, esperando pelo professor. Ele queria fazer muitas perguntas, aprender sobre qual o motivo das velas, porque se acendia só três (e o candelabro tinha nove) e se isto era só um costume de Jerusalém ou em outros lugares também se acendiam velas.
De manhã cedo chegou o Rabino Hersch. Era um homem muito bondoso, com uma barba branca bem bonita. Ele era o professor! E olha que coisa – o nome dele era o mesmo nome do bisavô de todas as crianças que estavam escutando esta história! Vocês sabiam que vocês têm um bisavô Hersch que mora no céu e cuida de vocês todos os dias?
O Sr. Lupinho foi até o Rav Hersch e pediu para ele ensinar tudo sobre Chanuká. E perguntou se os cachorrinhos também poderiam ficar sentadinhos, quietinhos, aprendendo e o Rav Hersch concordou. A Neve e a Terra deitaram no tapete, o Chico ficou sentadinho e o Vulcão deitou encostado no sofá onde o Sr. Lupinho se sentou. O Rav Hersch começou a contar a história de Chanuká.
Há muitos anos atrás, mais ou menos 2200 anos, os gregos dominavam o mundo. Eles tinham conquistado muitas terras e colocado sua cultura em todos os lugares por onde iam conquistando. Na Síria existia um povo, chamados selêucidas, que aceitaram a cultura grega. Os gregos gostavam muito de praticar esportes e também adoravam muitos deuses. Os selêucidas também passaram a fazer isto. Eles se preocupavam muito mais com o corpo do que com o espírito – exatamente o contrário dos judeus, para quem só existe UM D-us e que se preocupam mais com o espírito do que com o corpo. Mesmo assim as coisas iam bem. Só que…
Só que um dia apareceu um rei selêucida, chamado Antiocho. Ele se considerava muito inteligente, muito bonito e muito forte e queria que todo mundo o chamasse de Antiocho Epifanes, que significa Antiocho o Magnífico. Este rei resolveu que os judeus tinham de rezar para os deuses gregos e se ajoelharem. Infelizmente muitos judeus aceitaram. Mas Antiocho Epifanes mandou colocar uma estatua de porco na cidade de Modiin e isto irritou muito o Cohen Matitiahu. Quando ele viu um judeu se ajoelhando para o porco, ele pegou um chicote e bateu nele. Os soldados de Antiocho Epifanes logo mencionaram isto para o rei e todo mundo sabia que ia dar problemas.
Matitiahu tinha cinco filhos – o terceiro filho se chamava Iehudá. Os filhos se reuniram e decidiram que iam lutar contra Antiocho Epifanes e logo deram a ele o apelido de Antiocho Epimanes. Sabem por quê? É que Epifanes significa Magnífico e Epimanes quer dizer louco! Chamaram-no de Antiocho Louco!
Começou então uma revolta de poucos judeus contra o forte exército dos selêucidas. Mesmo sendo poucos contra muitos, fracos contra fortes, os judeus receberam ajuda de Hashem e venceram a guerra. Depois de guerrear bastante tempo, eles conseguiram entrar em Jerusalém e libertar a cidade dos exércitos selêucidas invasores. Só que tinha um problema. Os invasores tinham entrado no Templo (Beit Hamikdash) e destruído tudo. Não tinha sobrado óleo para acender a menorá do templo. O óleo era um óleo especial. Era feito com uma azeitona de cada árvore, a azeitona mais alta e demorava sete dias para fabricar. Eles procuraram em todo o Beit Hamikdash e acharam óleo que dava só para um dia. Decidiram acender a menorá enquanto fabricavam o novo óleo sagrado. E então aconteceu um milagre e o óleo que dava para um dia durou oito! Um milagre de Hashem! E por isso a gente acende oito velinhas para lembrar que o óleo durou oito dias.
Neste ponto o Sr. Lupinho interrompeu o Rav Hersch e disse:
– Chiii, as pessoas não sabem disso, Rabino. Ontem de noite a gente andou na rua e em todas as casas acenderam só TRÊS velinhas.
O Rav Hersch começou a rir e disse:
– Sr. Lupinho, eles estavam certos. Deixa eu continuar a explicação. E continuou. Como o milagre de Chanuká não está na Torá, os Rabinos resolveram marcar este milagre de uma forma bem clara. Decidiram que haveria oito velinhas sagradas e uma que não é sagrada, que se chama Shamash. O Rabino explicou que Shamash quer dizer Servidor, esta vela está lá para servir às outras e servir a nós. O Shamash acende as velinhas e na primeira noite de Chanuká se acende o Shamash e mais uma velinha. Na segunda noite se acende o Shamash e mais duas, depois três até que na oitava noite se acende o Shamash e mais oito velinhas.
O Rabino Hersch disse que ontem era a segunda velinha, por isso se acendeu o Shamash e mais duas velinhas. O Sr. Lupinho logo entendeu que então, naquela noite, iam acender o Shamash e mais três velinhas. E aprendeu muito bem o que o Rav Hersch ensinou. Mas ele não queria esquecer os nomes dos heróis e pediu para ao Rav Hersch repetir.
O Rav Hersch então disse que o Cohen se chamava Matitiahu e que ele tinha cinco filhos. O terceiro era Iehudá, que foi o comandante das tropas que lutaram contra Antiocho. Como ele era muito forte, todo mundo chamava este filho de Iehudá Hamakabi. Algumas pessoas acham que Makabi vem de Makav, que quer dizer martelo. Outros acham que são as iniciais de Mi Kamocha Baelim Hashem (quem é como tu, D-us). Em homenagem ao óleo que durou oito dias, a gente acende então as velas e come coisas fritas no óleo – sufganiót que a vovó prepara com muito carinho para os netinhos!
Não é só em Jerusalém que se acendem velas. Onde houver Iehudim acendemos velas, comemos sufganiót e cantamos as mesmas músicas que o Sr. Lupinho escutou: Hanerot Hahalu e também Maoz Tzur Ieshuati.
Quando o Rav Hersch terminou a história, parecia que até os cachorrinhos entenderam. Eles não fizeram nenhum barulho e prestaram muita atenção na explicação do Rav Hersch. Só a Terra é que deu um bocejo, talvez porque estava um pouco cansada.
Não preciso nem dizer que naquela noite todos foram de novo para as ruas para ver o acendimento da terceira vela…
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Muito legal e interessante. Ensina bastante sobre essa grande festa do calendário judaico. Hag Hanuka Sameach!