Uma guerra dentro de casa
Por Simone Wenkert Rothstein
Daniel (menino) encontra com Ana (adulta) e comenta que nos últimos tempos, qualquer “coisinha” que acontece em casa, parece que é “um problemão, uma luta”!
Ana repara que ele fala em estourar, em luta e que talvez o que esteja acontecendo dentro de casa seja um reflexo do que se passa fora.
Parece que a família está reagindo ao medo da guerra e aos tantos conflitos subjetivos por ela provocados.
A – Oi Daniel, tudo bom?
D – Sei lá, mais ou menos!
A – Ahn, como assim?
D – Por um lado, tá tudo bem. Na escola tá ok. Com meus amigos também. Sabe que o pessoal da escola é bem legal. Já te falei disso, né?
A – Sim, falou sim. E isso é muito bom.
D – Mas lá em casa, não posso dizer o mesmo.
A – O que que tá acontecendo?
D – Muito estranho Ana, do nada, por qualquer coisa, parece que tem uma luta, um drama, tipo: outro dia eu deixei o meu tênis na sala, ou sei lá, um outro dia, deixei alguma coisa fora do lugar. Cara, o meu pai deu um escândalo! Sério, ele ficou tão nervoso, saiu explodindo! Parecia que eu tinha cometido um crime, que tinha atacado ele, sei lá!
A – Crime, ataque, explosão… parece que tem uma guerra acontecendo na tua casa.
D – Exatamente! Parece até que Gaza é na minha casa!
A – Daniel, sua casa não é Gaza, mas, com certeza, todos vocês estão vivendo dias de guerra, dias de muitas tensões.
D – Mas, caraca, eu nem sou soldado, não tem ninguém da minha família no exército, ou sequestrado!
A – O que é realmente muito bom. Mas me diz você, por que acha que teus pais podem estar nervosos?
D – Eu não consigo entender, eu é que podia tá nervoso, com raiva, porque vai ser “euzinho” aqui que vou pro exército daqui um tempo!
A – Imagino que isso te preocupe. O que você pensa sobre isso?
D – A verdade é que eu não gosto de pensar muito não. Mas agora quando você me pergunta, eu fico morrendo de medo, medo de morrer. Mas, já teve outras épocas que eu achava maneiro, sabe, bacana poder defender o país, a minha família. Sei lá, é meio confuso.
A – Imagino. Uma mistura de sentimentos. Às vezes você se sente forte, poderoso e feliz por isso. E outras frágil, correndo risco de vida.
D – É muito louco, isso. Uma confusão na minha cabeça! Mas e meus pais que nem vão pro exército, por que tanto nervosismo?
A – Bom, Daniel, a novidade que eu vou te contar é a seguinte: Sim! Quando você for pro exército os teus pais estarão com você. Poderão estar orgulhosos pelo filho deles, mas também temerosos por você, pelo que possa te acontecer.
D – É, não tinha pensado nisso. Mas isso ainda tem tempo pra acontecer. Mas e agora, por que tanto nervosismo?!
A – Provavelmente, Daniel, assim como você tem as tuas ambivalências, as tuas “confusões”, eles também têm. Podem se sentir inseguros, podem se sentir responsáveis ou até mesmo irresponsáveis, quer dizer, podem estar preocupados de não serem fortes o suficiente pra proteger a casa deles, a família deles. Eu não posso ter certeza exatamente do que se passa com eles. Mas te digo que nessas horas em que tudo parece que saiu do lugar, em que a realidade tá tão diferente, os pais, que são os responsáveis pela casa, pelos filhos, podem se sentir como crianças sem teto. Dá pra imaginar o teu pai assim?
D – É difícil, mas você falando agora, acho que ele pode tá nervoso porque ele também não sabe o que vai acontecer, né? Nunca tinha imaginado que o meu pai ou que os meus pais pudessem sentir medo, medo de verdade.
A – Pois é. E se eu posso dar uma sugestão, quando der, fala com ele de como você tá se sentindo. Pergunta pra ele como ele tá se sentindo, como eles estão se sentindo. Pode ser uma experiência legal.
D – É… meu pai não é muito de conversar. Mas acho que se a gente conseguir, pode ser bom mesmo.