Um tema inesgotável
Por Nelson Menda
Posso me considerar um privilegiado, pois das janelas e da varanda do apartamento, aqui em Portland, disponho de uma vista deslumbrante. Olhando a paisagem em frente é possível contemplar uma densa floresta nativa constituída por coníferas, como os pinheiros e outras espécies vegetais de topo pontiagudo são denominados. Girando o rosto para a esquerda, enxergo o imponente Monte Hood, um vulcão felizmente extinto, com seu cume esbranquiçado pelas neves que o revestem o ano todo. Para baixo, um outro panorama me alegra bastante, pois é comum que cães da vizinhança, de todas as raças, tamanhos e feitios sejam trazidos por seus donos e donas para seu passeio habitual. Com raríssimas exceções, caminham abanando seus rabos, sinal inequívoco de que estão felizes.
Aprendi que os cachorros, à semelhança dos lobos, latem, rosnam e uivam. Não sei se os lobos também abanam seus respectivos rabos em sinal de contentamento. Espero que algum leitor ou leitora possa me esclarecer a esse respeito, pois o tema deste Blog irá abordar, em continuidade, relatos fidedignos a respeito do consagrado melhor amigo do homem, como resposta às indagações de alguns leitores e leitoras que estranharam a ausência de alguns cães que marcaram época. Dentre esses leitores, o Marcelo, que perguntou pela Tuty e o Nico. Ou a Liane, que não viu a Paçoca na lista de bichos mencionados. Eu próprio, que desconhecia o que aconteceu com a Pinga, da Mari, minha irmã. Ou o Thor, da Maria Eugénia, que eu, na melhor das intenções, costumava agradar oferecendo, escondido, deliciosas empadas que ele engolia inteiras, sem mastigar, por debaixo da mesa, mas que lhe faziam mal e o obrigavam a sujar a casa toda nos inesquecíveis Natais que passei em Lisboa.
Vou dedicar este Blog a esses cães que marcaram época e deveriam ter sido mencionados, mas que, por falta de espaço ou lapso de memória, deixaram de figurar no texto anterior. Exatamente por isso, vão merecer mais do que simples citações, pois são ou foram bichos especiais para seus respectivos donos. Para ilustrar este texto, a foto do Max, enviada da Itália pelo Gianluca, seu feliz proprietário, que exibe o bicho confortavelmente sentado na poltrona da janela do avião em que viajou de Miami para Milão.
Comecemos pela Tutty, adquirida em uma loja especializada de Ipanema, no Rio, ainda filhotinha. Era uma poodle toy de pelo alourado, fofíssima e dengosa. Minha filha mais velha se encantou – ou foi encantada – por ela, apesar de estar com viagem marcada para o exterior, onde já estava matriculada na Universidade de Connecticut para cursar Comunicação. Como incluir um cachorro na comitiva iria representar um baita complicador para todos nós, solicitei que a bichinha fosse devolvida à loja, o que redundou em uma choradeira sem fim. No dia seguinte retornamos à loja e a Tutty acabou incorporada ao grupo e à própria família.
Preparar a documentação para que um cachorro possa embarcar em um voo internacional requer um grande esforço, pois é preciso satisfazer a legislação do país de origem e de destino. A chegada ao enorme Campus de Storrs da UConn representou um outro obstáculo, pois seria preciso encontrar um condomínio que aceitasse cães. O coração do administrador amoleceu quando vislumbrou a Tutty e ele aceitou-a como hóspede, até mesmo porque, viemos a saber, já existiam outros cachorros vivendo em suas dependências. A área, rodeada por mata fechada, era habitada por esquilos, que a Tutty, nos anos em que morou em Connecticut tentou, felizmente sem sucesso, abocanhar.
Logo foi preciso encontrar um outro cachorro para fazer companhia à Tutty. O escolhido foi o Nico, um poddle de pelo negro ainda menor, pois se ela cruzasse com um cachorro de tamanho maior iria ter problemas quando engravidasse. Não adiantou muito, pois quando o Nico, já no Brasil, conseguiu cruzar, o filhote acabou morrendo por falta de dilatação materna, apesar dela ter sido internada em uma clínica para o parto. Demos azar, pois o veterinário de plantão não sabia operar. Quando o casal de poodles foi trazido de volta ao Brasil, passou a residir com os porteiros, no topo do prédio, onde recebiam todo o carinho possível. Eles tinham duas filhas da mesma idade das minhas e dedicaram toda atenção que um cão deve merecer.
Alguns anos depois foi preciso submetê-los à cirurgia de catarata, pois poodles apresentam comprometimento precoce da visão. Por sorte um dos melhores centros mundiais de referência em oftalmologia canina ficava em Teresópolis, na região serrana do Rio. Os dois cachorrinhos foram operados, com a ressecção da área comprometida e o implante de lentes adequadas para a restauração da visão. Conseguiram recuperar, em parte, e voltar a enxergar, mas a pobre da Tutty, mais velhinha, errou o caminho de volta e despencou do alto do prédio, vindo a falecer.
O Niquinho ainda viveu um bom par de anos, sendo carregado no colo, como um bebê, pelas ruas de Ipanema e dormindo em uma pequena cama, no mesmo aposento do casal de porteiros. Considero essa família como fazendo parte do meu próprio círculo familiar e sofri imensamente com o falecimento de ambos, vítimas da pandemia. Por sorte esse maldito vírus não ataca cães.
Por falar neles, ainda falta mencionar a Paçoca, uma cachorrinha fofa, da mesma raça da personagem feminina do desenho A Dama e o Vagabundo, que gosta tanto das visitas que, emocionada, não consegue controlar a urina.
A pobre da Pinga, a vira-latas com pedigree artístico da minha irmã e que foi abandonada por um irresponsável que se comprometeu a alimentá-la em troca da hospedagem em sua casa, no Rio. A Pinga quase morreu de inanição e foi salva por sorte, tendo sido adotada por terceiros quando minha irmã precisou se transferir, às pressas, do Rio para São Paulo. De volta ao Rio, quis visitá-la, mas a cachorra se escondeu embaixo de uma cama, pois tinha ficado magoada, julgando ter sido abandonada.
Os cães tem uma capacidade superior à de muitos humanos de doação aos seus donos, especialmente nos terrenos da proteção pessoal e da própria afetividade. É uma lástima que muitas pessoas não consigam entender esses sentimentos. O abandono de um cão irá provocar um trauma no bicho, pois mesmo que ele venha a ser adotado e receba bastante carinho do novo proprietário, haverá uma lacuna em sua vida. Com a crescente evolução da espécie, talvez chegue o dia em que eles possam expressar, por si próprios, esse sentimento.
Nunca tive cachooros ou gatos em minha casa porque meu pai não permitia. E naquela época, quando o pai dizia não, nada mais poderia ser feito. Então eu curtia os cachorros de vizinhos!
Já sessentão, no Rio de Janeiro, ganhei de presente da minha filha uma calopcita. A princípio não levei fé num passarinho, mas descobri que as aves também interagem com seu donos. São amigas fiés e dedicadas. Minha calopcita ia comigo a toda parte (banco, super mercado, padaria, loja), sempre no meu ombro. Adorava passear. Claro que de vez em quando fazia um cocozinho na minha camisa, mas isso não abalava a nossa amizade! Minha esposa foi visitar uma amiga em Copacabana e levou o Chiquinho (calopcita) no ombro. Uma criança tentou pegá-la, ela se assustou e fugiu. A pessoa que a encontrou recusou-se a devolve-la.
Comprei um casal e nasceram aqui em casa 26 calopcitas em várias ninhadas. Para acalmar as reclamações de minha mulher, doei 24 e fiquei só com dois machos. Agora a paz reina nessa casa e as duas aves me seguem o tempo todo aqui em casa. Quando sento no sofá, elas imediatamente se aboletam no meu colo!
Tive oportunidade de conhecer algumas das suas calopcitas, que são animais inteligentes e bastante ciumentos, pois exigem exclusividade na atenção dos donos. Por falar nelas, por quantos anos vive uma calopcita?
Acho que cabe mencionar que o Thor, da mui querida e estimada Dona Maria Eugênia, saía de casa sozinho para fazer suas necessidades pelos quarteirões do bairro! Sem acreditar, um dia pela manhã, segui o cão. Encontrei o esperto no sinal de trânsito, parado, aguardando para atravessar. Ao sinal verde, esperou os carro pararem e cruzou a rua na faixa de pedestres seguindo seu passeio pela vizinhança. De vez em quando, contou Dona Maria Eugênia, demorava um pouco mais que o habitual, pois tinha uma namorada ali por perto e gastava um tempinho extra na frente do portão entre marcação de território e troca de “olfatos”…
A calopcita dura uns 25 anos ou mais. É parente do papagaio que dura 50 anos!