San Remo 1920 – As bases legais para a divisão do Oriente Médio
Por Marcos L Susskind
A I Guerra Mundial acabou em 1918 com a derrota da Alemanha e seu aliado, o Império Otomano. Os vencedores criaram a Liga das Nações, precursora da ONU. Em abril de 1920 os aliados se reuniram na Conferência de San Remo para definir a administração dos territórios conquistados ao Império Otomano no Oriente Médio. O Reino Unido recebeu o mandato da Palestina e do Iraque e à França foi entregue o controle da Síria e do Líbano. As fronteiras entre os territórios não foram especificadas.
Em linhas gerais a conferência confirmou os termos do Acordo Sykes-Picot, estabelecido entre o Reino Unido e a França em maio de 1916, que partilhou a região, e também da Declaração Balfour, de novembro de 1917, pela qual o governo britânico assumira o compromisso de estabelecer o Lar Nacional Judeu na Palestina.
As decisões incluíram a criação da nação Síria (incluindo o atual Líbano), a Mesopotâmia e a Palestina, na qual obrigatoriamente deveria ser criado o Lar Nacional Judaico. Eis a redação da resolução:
“As Altas Partes Contratantes concordam em confiar, por aplicação do disposto no Artigo 22, a administração da Palestina, dentro dos limites que possam ser determinados pelas principais potências aliadas, a um mandatário, a ser selecionado pelas referidas potências. O mandatário será responsável por pôr em prática a declaração originalmente feita em 8 de novembro de 1917 pelo governo britânico e adotada pelas outras potências aliadas, em favor do estabelecimento na Palestina de um Lar Nacional para os judeus, sendo claramente entendido que nada deve ser feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das comunidades não-judias existentes na Palestina, ou os direitos e status político usufruídos pelos judeus em qualquer outro país”.
Assim a Liga das Nações reconfirma, em 1920, a decisão da criação de um Lar Nacional Judaico prometido por Lord Balfour em 1917 e reconfirmado pelas potências em 1917 e 1919. A atual Jordânia ficou sem definição – se seria área de influência francesa ou britânica. Mas ainda em 1920 a Transjordânia acabou incorporada ao Mandato Britânico.
Em julho de 1922, o Conselho da Liga das Nações aprovou o mandato para a Palestina, incorporando a Declaração Balfour e enfatizando a conexão histórica Judaica com a Palestina. O Artigo 2 tornou o poder mandatário responsável por colocar o país em “condições políticas, administrativas e econômicas que garantirão o estabelecimento do Lar Nacional Judaico … e o desenvolvimento de instituições autônomas”. O Artigo 4 autorizava o estabelecimento de uma agência judaica para aconselhar e cooperar com a administração da Palestina em assuntos que afetassem o Lar Nacional Judaico. O Artigo 6 exigia que a administração da Palestina, “assegurasse os direitos das outras seções da população” e que, “sob condições adequadas, facilite a imigração judaica e o estabelecimento dos judeus na terra”. A área destinada ao assentamento de judeus incluía a atual Israel e a área da Judeia e Samaria, mais tarde chamada Cisjordânia. A Transjordânia deveria receber população judaica e representava três quartos do Mandato Britânico da Palestina. No entanto os ingleses retiraram a Transjordânia da área destinada ao futuro Lar Nacional Judaico, apesar de protestos dos sionistas. A decisão britânica se apoiou no parágrafo 25 das decisões de San Remo que permitiu “o adiamento ou retenção do estabelecimento judaico na parte oriental do rio Jordão”. Em 29 de setembro de 1923, o mandato entrou em vigor oficialmente.
Faiçal, Hashemita, filho do Emir do Hejaz (atual Arábia Saudita) foi proclamado rei da Síria e não aceitou a tutela francesa. Lutou contra eles e acabou expulso da Síria. Menos de dois anos mais tarde os ingleses o fazem Rei do Iraque, por sugestão e apoio de T. E. Lawrence (conhecido como Lawrence da Arábia).
Faiçal, que tinha imensa ascendência sobre os árabes na Grande Síria e no Iraque bem como na Península Arábica, encontrou-se com o líder sionista Chaim Weizmann, com quem assinou o Tratado Faiçal-Weizmann em 1919. Logo após a assinatura, Faiçal emitiu uma declaração proclamando:
“Nós árabes … vemos o Movimento Sionista com a mais profunda simpatia. Nossa delegada em Paris está plenamente familiarizada com as propostas apresentadas ontem pela Organização Sionista à Conferência de Paz, e nós as consideramos moderadas e adequadas. Faremos o nosso melhor para ajudá-los, na medida em que estamos em concordância: vamos desejar aos judeus um regresso muito caloroso … Estou ansioso, e o meu povo olha comigo à frente, para um futuro em que vamos ajudar a vocês e vocês nos ajudarão, para que os países nos quais nos interessamos mutuamente voltem a ocupar os seus lugares na comunidade dos povos civilizados do mundo”.
As outras autoridades árabes não endossaram as palavras do Rei e as lideranças árabes na área da Palestina Britânica incitaram as massas contra os judeus. Ataques a judeus se tornaram corriqueiros em 1920, na região da Galileia. Em abril de 1920, na cidade de Jerusalém, as incitações levaram a um massacre de judeus. As autoridades britânicas demoraram muito a intervir, gerando profunda desconfiança na manutenção da ordem pelos britânicos – judeus e árabes perderam a confiança nos Ingleses. Zeev Jabotinsky decidiu então criar uma infraestrutura de defesa. Nascia naquele ano a Haganá, o primeiro grupo judaico organizado de defesa desde o ano 135 EC, quando o Imperador Adriano de Roma conquistou e destruiu Betar, dispersando os judeus pelo mundo.
Os britânicos deram ainda um “Prêmio de Consolação” ao irmão de Faiçal, Abdallah. Ele recebeu, em 1921, o Reino da Transjordânia. Assim, a família Hachemita domina a maior parte do Oriente Médio.
A incitação das lideranças religiosas árabes na Palestina começava a destruir os laços que se formavam entre judeus e árabes. Haj Amin El Husseini, o Grande Mufti de Jerusalém, pregava a criação da Grande Síria, que seria composta pela atual Síria, Líbano, Israel e Transjordânia. A atual Israel, em sua visão, seria o território da Síria do Sul. Husseini foi figura chave no nacionalismo árabe e nunca mencionou a criação de um Estado Palestino, afirmando que a população local é árabe e o termo palestino se aplicava apenas aos judeus sionistas.
A Conferência de Paris – Janeiro de 1919 – estabeleceu o rascunho para as decisões da Conferência de San Remo e deixava claro que a “Palestina não existia, deveria ser criada e ser explicitamente definida como uma pátria judaica”. Isso, claro, não agradou a Husseini, que viria a ser o Grão Mufti muçulmano. Em outubro de 1919, ele fundou um jornal em Jerusalém chamado Al-Suria Al-Janubia (Sul da Síria), com a missão de combater a criação da Palestina porque, dizia, o nome para judeus e cristãos era sinônimo da Terra Prometida da Bíblia mas nunca significou nada para os muçulmanos. O nome Palestina não aparece no Alcorão e os muçulmanos jamais governaram algum território com esse nome.
Foto: Chaim Weizmann e Emir Faiçal I
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Parabens Marcos por mais essa liçao.
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Excelente artigo!