Racismo, antissemitismo: entendendo o fenômeno (parte 4)
Por Marcos L Susskind
O antissemitismo não morre. Há apenas dois anos, em março de 2018, Mireille Knoll for morta e seu corpo queimado em Paris. O assassino, seu vizinho de porta, declarou em sua defesa que a matou porque ela era judia! Havia outra motivação? Não, ela era judia e pronto! Mireille, aos 9 anos, fugiu de um campo de concentração! Durante meses cozinhou para ele, gratuitamente, para ajudar um refugiado sem família.
O antissemitismo é o vírus mais resistente criado na humanidade e para o qual, até hoje, não se encontrou um antídoto. Como qualquer vírus, este também sofre mutações. Já vimos o antissemitismo sociocultural, o antissemitismo religioso e o antissemitismo racial até chegarmos ao tema deste artigo, o antissemitismo político. Porém o surgimento de uma nova forma de antissemitismo não extingue as formas anteriores, que convivem e se mútuo-alimentam.
O antissemitismo político é a mais nova forma de discriminação, onde o indivíduo judeu é substituído pela nação judaica – o Estado de Israel. Para entender isto, é necessário entender primeiro o que é o Sionismo.
A diáspora judaica se inicia no ano 70 EC, quando as tropas romanas de Tito conquistam e destroem Jerusalém, arrasam o Templo e levam a maioria dos judeus como cativos para Roma e depois os dispersam por todo o mundo. Em 135 EC, após da derrota de Bar Kochba frente aos exércitos romanos de Adriano, os judeus remanescentes são escravizados, levados para Roma e a vida judaica em Israel praticamente desaparece. Durante 2000 anos os judeus seguiram rezando para Jerusalém, tendo-a como sua capital espiritual eterna, ansiando por sua volta. Em todas as gerações, grupos de judeus voltaram a habitar e reconstruir a terra de Israel. As perseguições constantes através da história foram um reforço ímpar na manutenção do sonho da volta.
Em 1884 ocorre em Paris o julgamento do Capitão Alfred Dreyfus, acusado de traição à França. Dreyfus era inocente e foi julgado e condenado apenas por ser judeu. A condenação gerou uma onda de vandalismo às propriedades judaicas bem como massacres a judeus. O jornal austríaco Neue Freie Presse mandou um correspondente cobrir o importante julgamento. Este jornalista era Theodor Herzl, que ficou abismado com os atos antissemitas gerados pelo julgamento. Herzl voltou transtornado a seu hotel e constatou: o país mais desenvolvido da Europa, com a civilização mais invejada do mundo à época, também incorporava o antissemitismo. Para ele era a indicação que a questão judaica só se resolveria com um país judaico independente. Nasce ali o livro “O Estado Judeu” que se torna best seller e dá origem ao sonho de um Estado judaico. O movimento em busca desta emancipação política recebe o nome de Sionismo.
Theodor Herzl passa o resto de sua vida lutando por seu sonho. O Sionismo é o único movimento de libertação nacional que não foi violento, não tinha exércitos e usou apenas a escrita e o convencimento para criar um país. Somente em 1910 os primeiros sionistas se armaram para defender aldeias judaicas dos constantes ataques de saqueadores e de incitadores.
O Sionismo advoga o direito a um Estado Nacional Judeu, centro espiritual e religioso judaico onde os valores éticos, nacionais, legais e religiosos dos judeus seja objeto nacional, sem negar os mesmos direitos a qualquer outra raça, cor, fé, religião, sexo ou ideia política. Estes valores estão todos incorporados na Declaração de Independência, assinada em 1948.
Movimentos políticos em ambas as extremidades – esquerda e direita – bem como grupos organizados politicamente como BDS, Hezbollah, AAAS, NUI Galway e outros agem de forma constante contra Israel, seus acadêmicos, seus produtos e até seus cidadãos. O novo antissemitismo transformou o Estado de Israel no que foi o judeu no passado: o eterno culpado por qualquer problema, qualquer desgraça e vítima de todo e qualquer ódio.
Vamos exemplificar. Ruanda passou pelo chamado “Conflito dos 100 dias”. Entre 06/04 e 16/07 os hutus de Ruanda mataram entre 800.000 e 1.000.000 de tutsis. 2.500.000 de tutsis fugiram do país. Você ouve alguém falar em genocídio, racismo ou perseguição em Ruanda? Média: 8 a 10.000 mortos por dia.
O conflito em Caxemira teve 55.538 incidentes que deixaram 80.000 mortos em 30 anos, a esmagadora maioria civis. Você ouve alguém falar em genocídio, racismo ou perseguição em Kashmir? E ouviu falar de Jammu? Média 2.700 mortos por ano.
O conflito na Chechênia, em duas etapas (1990 e 2000) ceifou 60.000 vidas de chechenos segundo a Rússia, 150.000 segundo o Parlamento checheno. Você ouve alguém falar em genocídio, racismo ou perseguição na Chechênia? E ouviu falar de Ramzan Kadyrov? Média 900 mortos por mês.
Mas com certeza você ouviu falar no conflito entre Israel e Palestina que persiste com altos e baixos desde 1949. Fala-se em genocídio palestino, verdade? Mas quantos morreram neste conflito? Qual o tamanho da “matança” que permite a muitos definirem os palestinos como sendo dizimados pelo genocídio de Israel? Por favor, pense em um número antes de continuar sua leitura.
A Guerra de Independência, em 1948, levou cerca de 730.000 árabes que viviam em Israel a abandonar o país e buscar abrigo no Líbano, na Síria, no Iraque, mas principalmente na Jordânia, onde são hoje 50% da população. O conflito também gerou a expulsão de 750.000 judeus dos países árabes, na mesma oportunidade. Passados 72 anos, os palestinos são 6.000.000. Qual o outro genocídio na história no qual a população cresceu 800% neste período?
De 1949 até 2020, Israel enfrentou a Guerra de Suez em 1956, a Guerra dos Seis Dias em 1967, os assassinatos do Setembro Negro em 1970, Guerra de Yom Kipur em 1973, a Guerra do Líbano em 1982 , as duas Intifadas de Arafat (1987/93 e 2000/05) e a Guerra Chumbo Fundido (2008). Quase todas foram guerras de agressão onde os países árabes tentavam cumprir seu juramento de “jogar os judeus ao mar”. Muita pólvora no ar da região. Mas qual foi o resultado em vidas humanas?
Estes conflitos causaram 13.860 mortes em 72 anos. No entanto 4.714 foram palestinos mortos por outros palestinos nas disputas fratricidas entre Hamas, Fatah, FPLP, Jihad e outros grupos terroristas. Portanto, em enfrentamentos contra Israel perderam a vida 9.146 pessoas ou cerca de 130 indivíduos por ano em média. É verdade que cada vida é insubstituível, mas qual o motivo de tanta grita contra Israel e o abismal silêncio frente à matança hoje na Síria onde 586.100 foram mortas em oito anos ou a Turquia que matou 40.000 civis curdos recentemente. Será que existe mesmo um genocídio palestino?
Tomemos os judeus. Eram 18.000.000 no início da II Guerra, quando 6.000.000 foram exterminados. Hoje, passados 75 anos (e não 72), os judeus são pouco mais de 15.000.000.
Mas há outro ponto muito pouco lembrado. Os 730.000 Palestinos de 1948 são hoje 4.500.000 de refugiados. Quantos dos 750.000 judeus de 1948 são refugiados? Nenhum. Zero, nada, niente. Qual o motivo? O primeiro é que aqueles que foram a Israel foram acolhidos, receberam cidadania, foram integrados na sociedade. Os palestinos, por sua parte, até hoje são impedidos de se integrarem nos países árabes aos quais se destinaram. Mesmo vivendo 72 no país, sendo já a terceira e a quarta geração nos seus países, não têm direito à cidadania na Síria, na Arábia Saudita, no Líbano, no Iraque, no Egito ou em qualquer outro país do Oriente Médio (exceto Jordânia e Israel). Discriminados por seus irmãos que os mantém como eternos refugiados ansiando por uma pátria sem direitos, sem passaporte, sem identidade. Os que ficaram em Israel têm plenos direitos, estão nos partidos políticos, no parlamento, nas universidades, na magistratura, no serviço diplomático – cidadãos integrados, com todos os direitos e com menos deveres que os judeus, pois enquanto o serviço militar é obrigatório para judeus, é apenas voluntário para árabes.
Mas o mundo não vê isso, influenciado por maciça propaganda árabe, financiada por inesgotáveis petrodólares e pelo voto de 56 países islâmicos que continuamente votam em bloco para condenar Israel nas Nações Unidas.
O antissemitismo político permite que contra Israel todo mundo ouse. Por quê?
A resposta é que Israel está permanentemente sob a lupa da mídia e criou-se uma imagem distorcida que polui os cérebros mundo afora. E porque faz parte do que é politicamente correto, parece fazer parte da solidariedade, porque falar contra Israel é livre. E assim, as pessoas cultas quando leem sobre Israel, estão prontas para acreditar que os judeus são eminentemente maus e têm vontade de sangue. Foi assim na Idade Média, com a Peste Negra; foi assim na inquisição com acusações de uso de sangue de crianças, foi assim na II Guerra quando acusados de dominar o mundo e – por incrível que possa parecer, está sendo assim hoje.
O antissemitismo político se apoia no fato que não há debates sobre o conflito. O que existe são slogans e o antissemita não se detém em fatos – ele sofre da síndrome da discriminação, repleta de preconceitos, propaganda, mentiras e simplificações.
Pilar Rahola, política e jornalista espanhola de esquerda, ex-vice-prefeita de Barcelona e parlamentar na Espanha faz algumas perguntas para as quais não encontra respostas plausíveis:
Por que a imprensa e as pessoas se dedicam tão fortemente a demonizar Israel?
Por que, de todos os conflitos no mundo, apenas este lhes interessa?
Por que um país minúsculo que luta para sobreviver é criminalizado?
Por que as informações manipuladas triunfam tão facilmente?
Por que todo o povo de Israel é reduzido a uma simples massa de imperialistas assassinos?
Por que não há culpa palestina?
Por que Arafat é um herói e Bibi Netanyahu um monstro?
Finalmente, por que Israel é o único país do mundo ameaçado de extinção, mas também é o único que ninguém considera vítima?
Provavelmente a resposta está exatamente na transposição de preconceitos. A mentira da Idade Média que judeus matam crianças cristãs para beber seu sangue se transforma em “Israel tem sede do sangue palestino e mata a juventude para se apossar de suas terras”.
No Século XIX (Protocolos dos Sábios – apócrifo russo) se dizia que os judeus dominam o mundo através dos bancos europeus. Hoje os acusam de dominar o mundo financeiro através de Wall Street.
O antissemitismo político gerou uma absoluta assimetria no entendimento da geopolítica:
– Os líderes do Hezbollah são considerados heróis da resistência, enquanto pacifistas como a cantora israelense Noa são insultados e seus shows são boicotados;
– Libertários no mundo se apaixonam por ditadores como Arafat, Abbas, Hanie do Hamas, e condenam a democracia Israelense;
– Prezam a política do Fatah, Hezbollah, Hamas e Jihad e ignoram a destruição dos direitos fundamentais de mulheres, gays, cristãos;
– Odeiam rabinos sensatos, mas se apaixonam por imãs violentos;
– Gritam contra as forças de defesa Israelenses, mas aplaudem os terroristas do Hamas e da Jihad Islâmica;
– Choram pelas vítimas palestinas, mas desprezam as vítimas judias;
– Só choram por vítimas de terrorismo se for possível culpar os israelenses;
– Marcham contra a democracia israelense mas nunca contra ditadores islâmicos;
– Nunca se pronunciam ao ver crianças usadas como escudos humanos, mas gritam se uma delas é atingida;
Enfim, na Idade Média o judeu era o estrangeiro, segregado, mal visto, o “de fora”, que era desterrado de um lugar a outro. No Século XXI o papel foi transferido a Israel, que é “o de fora”, que não pertence a este lugar, que deve evacuá-lo para outros. Na Europa o judeu tinha roupas e aparências diferentes – o que gerava ódio. No Oriente Médio de hoje, Israel é o de “roupa diferente”, a única democracia, o único país onde todos são iguais perante a lei. De novo, isto gera ódio. Os antissemitas europeus diziam que judeus “ameaçavam” a fé, os antissionistas dizem que Israel é “um corpo estranho” que ameaça o modo de vida do Oriente Médio. A hostilidade inata aos antissemitas os tornava inimigos jurados dos judeus e agora de Israel.
Alguns antissemitas notórios através da história foram Apion, Apolônio, os cruzados, Torquemada, Bernardino de Feltre, Frei Vincent Ferrer, Khmelnytsky, Lutero, a arquiduquesa Maria Teresa, Pobedonostsev, El Husseini, Hitler, Rose. Todos eles estão mortos, mas infelizmente suas ideias e o ódio que eles propagavam seguem vivos.
Cabe a cada leitor reler e rever seus conceitos.
Foto: John Englart (Flickr). Protesto contra o ataque israelense em Gaza. Melbourne, 4/1/2009