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Quando a filha é que cuida da mãe

Por Simone Wenkert Rothstein

Neste blog você vai acompanhar os diálogos entre a Ana(lista) e outros personagens em conversas imaginárias, baseadas em fatos reais. Nesses encontros, Ana ajuda o seu interlocutor a refletir sobre algum incomodo, alguma situação complicada que a vida lhe trouxe. E bem, se você se identificar com as questões abordadas, não é mera coincidência, trata-se de questões que fazem parte da subjetividade humana e das Loucuras Cotidianas de qualquer olê chadash.

Tali conversa com Ana sobre uma situação que deixou ela muito irritada. Ela foi na farmácia com a mãe que queria comprar um remédio, mas não conseguia explicar pro farmacêutico o que ela precisava. A conversa das duas segue tentando entender por que Tali ficou tão irritada. Começam a perceber que justamente ver a mãe com dificuldade de se expressar, “meio burra”, “meio criança”, deixava Tali…

Ana – Oi Tali, tudo bem?

Tali – Tudo, tudo bem. Aliás, tudo ótimo! Minhas notas na escola foram maravilhosas! Adoro! Sabe aquele prazer de estudar e conquistar?

Ana – Posso imaginar. É um super desafio e uma super conquista. Aliás, você tem feito muitas conquistas e ainda superando as dificuldades com o hebraico, né?!

Tali – É, mas sobre isso, sobre o hebraico, tem uma coisa bem chata.

Ana – Qual?

Tali – Ah, toda hora eu tenho que ser tradutora da minha mãe! Um saco! Ontem mesmo.

Ana – O que que aconteceu?

Tali – A gente foi na farmácia, minha mãe queria comprar uma pomada. Uma coisa que eu nem sabia bem o que era. Daí começou a comédia, ou o drama, sei lá?!

Ana – Como assim?

Tali – Bom, minha mãe queria um remédio que ela sabia o nome em português. Só que aqui não tem o mesmo nome e ela não conseguia explicar o que que ela precisava.

Ana – Que chato, ela deve ter ficado aflita, chateada.

Tali – Pode até ser, mas quem ficou muuuito irritada fui eu, porque ela é que precisava do remédio e EU que sou a filha é que tive que me virar pra tentar entender e tentar explicar pro farmacêutico, o que ela precisava.

Ana – Poxa, que situação! Mas você entendeu por que você ficou tão irritada?

Tali – Ah, eu podia tá vendo TikTok, trocando mensagens com as minhas amigas, só que não. Eu tava ali como se fosse tradutora.

Ana – Tô entendendo Tali, era como se você estivesse no lugar errado. Ao invés de estar fazendo coisas das meninas da tua idade, naquele momento, você estava tendo que ser grande, ser tradutora. Estranho, né?

Tali – Muito estranho mesmo. Sabe, volta e meia tem uma situação desse tipo.

Ana – Que tipo?

Tali – Em que eu é que tenho que cuidar da minha mãe.

Ana – Sabe Tali, imagino que volta e meia você deva se sentir irritada, com raiva de naquele momento ter perdido a tua mãe de “antigamente”, tua mãe que sabia de tudo, que lia pra você, que te explicava as coisas.

Tali – Aliás, ela sempre gostou de ler pra mim quando eu era menor. E foi ela quem me ensinou as primeiras letras, aliás os primeiros tudo!

Ana – Posso imaginar. E posso imaginar que tua irritação na farmácia não foi só porque você não tava no TikTok ou falando com tuas amigas. Mas muito especialmente, porque nesses momentos em que você tem que ajudar a tua mãe a traduzir o que ela precisa, é como se você perdesse aquela mãe tão cuidadosa e inteligente que te ensinou tanto. E tivesse que você assumir o lugar de quem cuida, de quem ensina.

Tali – Será que ela fica chateada? É muito ruim não conseguir se expressar. Lembro do começo, logo que cheguei aqui.

Ana – É Tali, não é fácil pra você e certamente não é fácil pra ela. Cada uma de vocês tem enfrentado muitos desafios e muitas perdas também. Mas claro, como você tava me contando, tem muitas conquistas também. Quem sabe você e sua mãe podem conversar mais sobre isso: o que cada uma sente como perdas e como ganhos nesse tempo de adaptação em Israel?

Tali – É… Pode ser uma boa. Não tinha pensado do ponto de vista dela. Acho que vai ser bom cada uma escutar como a outra se sente.

Foto: “Mike” Michael L. Baird, CC BY 2.0 (Wikimedia Commons)

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