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Por que brincar é tão importante?

Por Marion Minerbo

Marion – Olá, AnaLisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?

AnaLisa – Estava na casa de uns amigos em Kfar Saba que têm um filhinho de um ano. Lá pelas tantas, quando ele ficou com sono, se deitou de bruços sobre uma mesa de centro revestida de azulejos e ficou se contorcendo de barriga para baixo, como uma minhoca, até adormecer. Os pais disseram que faz uns meses que ele criou este ritual, e não dorme sem ele. Achei estranho, pois em geral as crianças escolhem lugares macios e quentinhos para adormecer. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso?

Marion – Ele criou um ritual, mas também podemos dizer que criou uma brincadeira. Me lembrei daquela tão famosa que foi inventada pelo neto de Freud. Com dois anos, ele atirava um carretel para debaixo da cama exclamando “miu”! E depois puxava a linha e o recolhia exclamando “tou”! Freud entendeu que ele estava brincando de sumiu-voltou.

AnaLisa – É verdade. Freud percebeu que ele fazia isso quando a mãe saía de casa. Começou atirando o carretel, meio que para se livrar do pavor de ficar sozinho, mas depois acabou virando uma brincadeira.

Marion – É simplesmente genial. Em vez de sofrer passivamente o sumiço inesperado da mãe, produz seu desaparecimento ativamente. A graça da brincadeira é que, ao atirar o carretel, ele já sabe que ele vai voltar. A criança faz isso muitas vezes até o pavor ir se transformando em prazer – prazer de brincar.

AnaLisa – Agora eu entendo por que brincar é tão importante! Ela vai se dando conta que tem uma diferença entre o horror do abandono definitivo e uma simples ausência!

Marion – Por isso as crianças gostam de repetir sempre a mesma brincadeira, ou pedem sempre a mesma história: a repetição acaba “domesticando” o trauma.

AnaLisa – Ah, então a criança brinca para se tratar!

Marion – Tem crianças que não conseguem brincar. É sinal que tem alguma coisa errada. Você disse que o filho dos seus amigos brinca de minhocar numa mesa gelada até dormir. De que “trauma” será que ele está se tratando?

AnaLisa – Tenho um palpite. Mas antes, eu queria entender melhor como uma criança cria uma brincadeira para poder se tratar.

Marion – Ótima pergunta. Ao ser atirado para baixo da cama, o carretel some, do mesmo jeito que a mãe sumiu. Quando puxa o carretel e ele reaparece, o garotinho se tranquiliza porque assim como ele voltou, a mãe vai voltar.

AnaLisa – Nossa, não tinha pensado nisso!

Marion – Graças à sua criatividade psíquica, a criança faz de conta que o carretel é a mãe.

AnaLisa – Eu te disse que tinha um palpite sobre qual poderia ser o “trauma” do qual o filhinho dos meus amigos estava se tratando. Ele nasceu com um pequeno cisto na base da coluna. Com horas de vida faz uma ressonância magnética. E depois outras, até que os médicos decidiram operar. Depois da cirurgia fez novos exames para acompanhar a evolução.

Marion – Sempre com a barriga para baixo! Claro, seu palpite tem tudo a ver! Os bebês saem do útero esperando encontrar alguma continuidade do ambiente que conhecem. Mas este encontrou algo duro, liso e frio. Essa experiência, impossível de ser “digerida” emocionalmente, certamente ficou gravada em sua memória corporal.

AnaLisa – Pelo que entendi da sua explicação sobre o jogo do carretel, as sensações desconhecidas devem ter sido traumáticas para o recém-nascido. Quando ele se deita sobre a mesa de azulejos gelados, ele está sendo ativo lá onde antes teve que ser passivo. Brinca com o que antes produziu muito medo.

Marion – Para o garotinho, a mesa de azulejos é parecida com a de ressonância magnética: as duas são frias e duras. E assim, dia após dia, vai “digerindo” emocionalmente aquela experiência.

AnaLisa – Fiquei com uma dúvida. Você disse que nem todas as crianças conseguem usar este recurso para se tratar.

Marion – Um ambiente emocional tóxico prejudica a instalação do “chip” da capacidade de brincar. E isso desde as primeiras horas de vida.

AnaLisa – O que seria tóxico no ambiente emocional?

Marion – Ah, isso merece muitas conversas! Quando o inconsciente dos pais dá trabalho demais para uma criança, ela tem que gastar muita energia para “digerir” emocionalmente esse “material radioativo”. E aí sobra pouca energia para brincar.

Muito louco tudo isso!

Foto: Dana Friedlander, para o Ministério do Turismo de Israel (Flickr)

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