Política, religião & futebol
Por Nelson Menda
Asseguram nossos sábios que certos assuntos não devem ser tratados em público. Todavia, tenho acompanhado, desde que comecei a me alfabetizar e ler o Correio do Povo, a escutar rádio e confraternizar com meus amigos da Demétrio Ribeiro, tantas idas e vindas na política e no próprio futebol que não me resta outra alternativa a não ser adentrar, corajosamente, no delicado terreno da fé.
O que vem me intrigando, no caso das religiões, são alguns assuntos que, volta e meia, ficam martelando na minha cabeça. Não resta a menor dúvida de que, em nome da religião, foram cometidas as maiores atrocidades de todos os tempos, especialmente contra os filhos de Israel, sob a falsa alegação de que “teriam matado Jesus”. Que o digam as Cruzadas, a Inquisição e o Holocausto.
Felizmente essa fase de intolerância religiosa parece ter sido superada e atualmente chega a ser de bom tom, mesmo entre os não judeus, utilizar um kipá (solidéu), envergar um talit (manto ritual), exibir uma menorá (candelabro de sete velas), decorar templos com estrelas de seis pontas e batizar crianças com nomes inspirados no antigo testamento. Já cheguei a encomendar de Israel, para um pastor amigo, um shofar (chifre de carneiro ou antílope) que participava de um conjunto musical litúrgico constituído por artistas evangélicos que utilizavam, em suas performances, esse ancestral instrumento de sopro.
O Estado de Israel, prova inequívoca do milagre da sobrevivência de um povo perseguido que esteve à beira da extinção por mais de uma vez, hoje em dia serve de exemplo para o mundo por suas conquistas em diferentes campos do conhecimento.
Mas o que me motivou a abordar o tema religião neste Blog é um fenômeno que venho presenciando no decorrer da minha própria existência. Estou me referindo à impressionante e maciça migração, em poucas décadas, de uma imensa maioria de católicos, no Brasil, para a religião protestante ou evangélica. O que teria provocado essa gigantesca diáspora?
Como judeu, talvez seja mais fácil analisá-la, especialmente pelo fato de ter acompanhado de perto uma dessas migrações. É importante ressaltar que no meu restrito círculo familiar o convívio com pessoas de outras fés sempre foi bastante harmônico e, desde criança, pude visitar e ser visitado por amigos judeus, católicos, espíritas ou protestantes.
Vou relatar um caso de conversão em que não só presenciei como cheguei, por vias indiretas, a participar. Um determinado dia, o filho de um amigo, adolescente, pediu-me para ser seu padrinho, pois ele não tinha sido batizado e queria passar a frequentar a igreja católica. Como iria necessitar, também, de uma madrinha, solicitei a uma amiga comum para nos acompanhar. Imaginando que seria uma cerimônia simples reservamos um domingo para ir à igreja matriz da cidade onde o rapaz residia, na Baixada Fluminense. Padrinho que se preze deve oferecer ao afilhado a indumentária do batismo e tivemos o cuidado de passar, previamente, em uma tradicional loja de roupas masculinas, onde ele pode escolher um traje completo, para se vestir, como se dizia à época, “da cabeça aos pés”.
Chegamos à catedral, instalada em um imponente prédio, em um horário em que a missa de domingo já deveria ter terminado e pedimos para falar com o padre. Ele não estava, já tinha ido embora. Expliquei à pessoa que nos recebeu a razão da nossa presença e recebi uma resposta em tom pouco amigável: “mas a que paróquia ele pertence”? Não era a central, mas sim uma periférica, de uma zona mais simples, habitada por trabalhadores.
Como era um domingo, tínhamos o dia todo pela frente e nos dirigimos, em grupo, ao local da casa paroquial indicada. Portão fechado com cadeado, batemos palmas e apareceu uma senhora com cara de poucos amigos que parecia ser freira ou irmã de caridade, nunca entendi bem a diferença. Não se dignou, sequer, a abrir o portão e perguntou, meio contrariada, o que desejávamos, em plena tarde de domingo. Expliquei a história e ela nem deixou que eu concluísse, indagando, à queima roupa: “mas os padrinhos são católicos”? Após minha acompanhante ter respondido que sim, a interlocutora, voltou-se para mim e perguntou? “E o senhor, qual a sua religião”? Se respondesse que era judeu, teria estragado, na mesma hora, o sonho do rapaz, que queria, a todo custo, ser batizado e passar a frequentar uma igreja católica. “A mesma de Jesus Cristo”, respondi, para não ter de faltar com a verdade nem prejudicar os planos do jovem.
A criatura, sem entender a sutileza da resposta, voltou à carga: “Ele frequentou o curso de um ano preparatório para o batismo”? Dito isso, virou as costas e se retirou para o interior da casa. Sem curso, assunto encerrado, não haveria batismo. Encerrei, naquele exato momento, minha participação na frustrada tentativa de auxiliar alguém a passar a frequentar a Igreja Católica.
Mas a história não ficou por aí, pois o jovem queria fazer parte, a qualquer custo, de alguma religião. Alguns dias depois compareceu, com a namorada, a um Templo Evangélico, onde foi recebido de braços abertos, “aceitou Jesus” e resolveu seu problema espiritual. Lá, ele casou, se separou e batizou o filho único, atualmente um dedicado estudante que acaba de concluir o segundo grau.
Não poderia afirmar, em sã consciência, que no judaísmo teria sido diferente, pois sei o perrengue que a mãe das minhas filhas passou para se converter à fé mosaica e casar em uma sinagoga, como era seu desejo.
Frequentei templos judaicos do rito sefaradi em Porto Alegre, Rio e Miami Beach, mais por razões ligadas à tradição do que pela crença propriamente dita. Todavia, devo confessar que sempre me emocionei, ao final da reza do Iom Kipur, o Dia do Perdão, ao toque do shofar, ocasião em que as pessoas se abraçam sob a proteção de um talit aberto sobre suas cabeças.
Meus três netos se consideram judeus e ai de quem duvidar disso. Quanto a mim, dependendo do momento, oscilo entre o agnosticismo e a crença em um ser superior. Sobrevivi a tantas situações de risco que chega a ser difícil desacreditar de uma possível intervenção divina que salvou minha vida em mais de uma ocasião. Melhor deixar para esclarecer quando chegar o momento oportuno que, espero, demore bastante para acontecer.
Ainda tenho muitos projetos por realizar e tenciono continuar acompanhando o progresso da família que fui formando durante a vida e que me chamam tanto de pai, vô, vovô, tio, padrinho, dindo e daddy quanto Nelson ou Dr. Nelson. O mais novo deles é um sapeca que ainda não fala direito mas já está aprontando e cujas gracinhas acompanho pela internet. São relatos, fotos e vídeos que sua avó coruja envia de São Paulo pelo Whats App todo santo dia.
Por falar nesse aplicativo, que considero um verdadeiro milagre da criatividade humana, gostaria de encerrar com uma outra dúvida que me atormenta e para a qual ainda não encontrei uma explicação satisfatória: quem banca os custos do funcionamento dessa maravilha chamada WhatsApp, gente?
Foto:
Oi, Nelsinho,
Não me surpreendo com a tua abertura religiosa.
Admirar e gostar da família Menda sempre foi muito fácil:
abertos social e espiritualmente, tinham e têm prazer no
convívio com gente de todas as crenças, classes ou cultura.
Uma lição humanista que perdura nos descendentes e
afilhados, como eu (um ateu bem aceito entre os Menda).
Sobre o blog, parabenza: um canal perfeito para
a expressão de um memorialista nato como tu.
Recém passei a acompanhar teus textos: já li A Roda
da Fortuna, o Vim, vi e venci, e vou mergulhar nos anteriores.
Te seguir por aqui toda semana será uma boa forma de
diminuir a quilometragem Porto Alegre/Portland
e estraçalhar algumas saudades.
Quanto ao WhatsApp, a explicação é óbvia: ele pertence
ao Facebook. Quer dizer, o Whats não custa nada ao FB:
um dia eles vão transformar a ferramenta em veículo
publicitário e faturar com a gigantesca audiência cativa.
Só aparentemente o serviço é gratuito. E pode até ser que
nunca cheguem a cobrar dos usuários. Mas mesmo assim
irão lucrar bilhões vendendo nossos dados. O capitalismo
nunca será altruísta hehe.
Inté a próxima meu querido, abração do teu irmão.
Oi, Guara. Não sabia que tu te consideravas ateu, guri. Só que a sociedade, pelo que tenho observado, está rumando para uma fase de intensa religiosidade e isso me deixa preocupado, pois as pessoas podem ser manipuladas pelos Antônio Conselheiros e Jim Jones da vida. Prefiro uma sociedade pulverizada em N religiões, onde nenhuma seja majoritária. Mas que o WhatsApp é a oitava maravilha do universo não há a menor dúvida. Em um piscar de olhos quebrou todas as empresas telefônicas e telegráficas do mundo, além de realizar o sonho impossível das pessoas poderem falar e se ver sem limite de tempo. Nem Julio Verne poderia ter imaginado algo do gênero. O próximo passo, agora, é a desmaterialização e rematerialização de objetos, para vc. poder comer um galeto com polenta frita quentinhos, made in Porto Alegre, aqui em Portland. Estamos vivendo o admirável mundo novo ao lado de algumas figurinhas prá lá de esquisitas. Abs. Nelson
Meu querido irmão,
Tenho estado ocupado para compartilhar os artigos tresloucados do meu blog. Rss
Mas ler os seus aqui no Brasil é uma viagem e bate saudades dos nossos encontros para discutir os progressos de nossa causa.
Finalmente, quem paga para manter o zap, Facebook, Instagram, Google entre outros sãos os anunciantes que recebem os nossos dados compartilhados para saber sobre os nossos comportamentos sociais e de consumo, de modo a oferecer anúncios com produtos em tudo que fazemos na internet.
É uma máquina de fazer dinheiro e não é novidade que os donos destas empresas de tecnologia de marketing estejam bilionários.
Um abraço,
Sérgio Sobreira
Oi, Sergio. Nesse caso, viva as empresas bilionárias, que devolvem em serviços úteis e gratuitos os dados que obtém a respeito de nossos hábitos de consumo. Quem se ferra são as empresas de telefonia, que nos exploraram durante décadas. Shabat Shalom. Nelson