Pessach 1943. Ma nishtana halaila haze?
Por Marcos L. Susskind
Esta pergunta é feita há cerca de 2000 anos na noite do Seder de Pessach, em 14 de Nissan.
O calendário universal é solar enquanto que o calendário judaico é um misto de solar e lunar e portanto as datas não são coincidentes. Pessach se inicia neste ano, na noite de 27/03. Já em 1943, foi em 19/04.
Foi exatamente neste dia que irrompeu a mais conhecida revolta de judeus contra o regime nazista: o Levante do Gueto de Varsóvia. Apesar de ser a mais conhecida revolta, é importante assinalar que houve cerca de 100 levantes heroicos em comunidades e guetos europeus, dos quais lembrarei aqui alguns: Gueto de Slonim (Junho 1942), de Łachwa (Setembro 1942), de Mizocz ( Outubro 1942), Gueto de Mińsk Mazowiecki (Janeiro 1943), Częstochowa (Junho 1943), Będzin (Agosto 1943) e Białystok (August 1943).
Ocorreram também levantes menos documentados nos guetos de Cracóvia, Lodz, Lewow, Luck, Marcinkonys, Minsk, Pińsk, Riga e Vilna.
O Gueto de Varsóvia chegou a abrigar 500.000 judeus. Nos 60 dias entre Julho e Setembro de 1942, 300.000 judeus foram enviados para a morte. Estes transportes, chamados aktions foram suspensos em Yom Kipur de 1942. A juventude judaica entendeu o que ocorria e começou a se organizar. Em Janeiro de 1943, ao reiniciar as aktions, forças nazistas entraram no Gueto para transportar judeus para a morte. Em poucas horas mataram 600 judeus e aprisionaram 5.000 para transporte. Os jovens judeus vinham se armando há quatro meses, confeccionando coquetéis Molotov e conseguiram expulsar os alemães e assumir o controle do Gueto. O General Von Sammern-Frankenegg foi instruído a retomar o Gueto mas suas forças foram rechaçadas e Himmler exigiu uma corte marcial, realizada em 17/04/1943. Dois dias após a corte marcial, os alemães voltaram ao Gueto encontrando uma feroz resistência.
Começava em 19/04/1943 o Levante do Gueto de Varsóvia que se tornou a revolta mais famosa por diversos motivos. O primeiro e talvez mais marcante é sua longa duração: os judeus resistiram com armas semiartesanais de 19/04 a 16/05, praticamente por todo um mês. A Polônia, com um exército de 1 milhão de soldados e 800 tanques, resistiu por 35 dias!
A segunda razão foi a mortalidade. 13.000 judeus não combatentes foram queimados vivos ou morreram pela inalação de fumaça. Outros 56.065 foram executados ao fim destes dias de luta. Os judeus armados inicialmente eram apenas cerca de 1.000, sendo 600 comandados por Mordechai Anielewicz, Ytzchak Zuckerman e Marek Edelman e 400 por Pawel Frankiel e Dawid Apfelbaum.
A terceira razão para ter se tornar tão conhecido é que houve alguns sobreviventes para relatar o ocorrido, entre eles Marek Edelman.
A quarta razão é que após a derrota, o Gueto foi totalmente arrasado e destruído. Sobre seus escombros os nazistas construíram o Campo de Concentração de Varsóvia.
O relatório final do comandante local da SS, Jürgen Stroop escrito em 16 de maio de 1943, afirmava:
Hoje 180 judeus, bandidos e sub-humanos, foram destruídos. O antigo bairro judeu de Varsóvia não existe mais. A ação em grande escala foi encerrada às 20:15 horas com a explosão da Sinagoga de Varsóvia. … O número total de judeus foi de 56.065, incluindo judeus capturados e judeus cujo extermínio pode ser provado. … Eliminamos oito edifícios (quartel da polícia, hospital e alojamentos para grupos de trabalho), e assim o antigo Gueto está completamente destruído. Apenas as paredes divisórias permanecem de pé, onde não realizamos nenhuma explosão.
Stroop manteve um diário onde assinalou dia a dia o número de judeus mortos e capturados (a quem designava sub-humanos). Em seu diário ele chegava a relatar quantos foram fuzilados e quantos queimados por lança chamas.
O movimento de resistência foi formado por jovens membros do Hashomer Hatzair, Dror, Gordonia, Bnei Akiva, aos quais se juntaram mais tarde o Bund e os comunistas. O Beitar junto com os Revisionistas formaram um segundo movimento armado para enfrentar os alemães.
O movimento de defesa de janeiro gerou drásticas mudanças. Os alemães que até então eram senhores do gueto passaram a ter medo de circular. Por seu lado os judeus, até então presa fácil, passaram a reagir. Na área externa ao Gueto os judeus passaram a ser respeitados e vistos como exemplo. Os judeus restantes no gueto (pouco mais de 55.000) passaram a dar mais valor aos jovens e a deixar de colaborar com o Judenrat. Assim, a revolta de janeiro foi o embrião do Levante de abril.
Em 18/04, judeus no gueto viram a fantástica formação de soldados alemães e ucranianos do lado externo, como seus canhões, motos e tanques. Ficou claro que seria seu fim. Eles decidiram morrer lutando. Se puseram nas janelas dos prédios, nas ruas por onde provavelmente o inimigo passaria. E de repente, armados com dois rifles, diversos revólveres e granadas, atacaram a formação inimiga. Diversos mortos, muita surpresa e pânico e fuga dos soldados, deixando seus mortos e suas armas. Estas foram imediatamente recolhidas. No dia seguinte, novo ataque. Os judeus conseguiram incendiar um tanque e nova retirada dos atacantes. Até que o General SS Stroop assumiu o comando. Ele entendeu que o moral da tropa estava abalado e a luta corpo a corpo assustava seus homens. Ele então decide usar armas de longo alcance e lança-chamas. O Gueto ardeu, as mortes aumentaram e a revolta foi contida. Mas naquelas condições terríveis de fome, destruição e morte, nasceu um novo judeu, capaz de lutar até a morte e não se entregar a seus algozes. Tal como em Massada, 1870 anos mais tarde, eles também morreram como heróis.
Agora, na noite do Seder, não os esqueçamos.
Chag Kasher VeSameach a você.
Foto: Arquivos Yad Vashem FA33 / 1861. Um homem recitando uma bênção sobre uma taça de vinho em um Seder de Pessach realizado na rua Leszno 6, em um abrigo para refugiados organizado pelo comitê de ajuda Osternhilfswerk no Gueto de Varsóvia, Polônia