Pequenos tiranos: como e quando colocar limites?
Por Marion Minerbo
Não é simples saber como e quando colocar limites. Marion e AnaLisa conversam com sinceridade sobre este tema tão delicado.
Marion – Olá, AnaLisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?
AnaLisa – Olá, Marion. Fui visitar um casal de amigos em Natania. Eles têm um filho de 3 anos que já é um pequeno tirano. Já era violento no Brasil, mas piorou depois que fizeram aliá. Os pais tentam colocar limites, mas não conseguem. Quando a paciência acaba, acabam berrando e trancando ele no quarto, de castigo. Dá para ouvir de longe o garoto chutando a porta de tanto ódio. Todos ficam exaustos, arrasados e infelizes. A convivência deixa de ser um prazer e vira um tormento. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso?
Marion – Que bom que você abordou este tema! Essa discussão é importante porque muitas pessoas têm a impressão de que a solução é simples, “basta colocar limites”. Mas você percebeu bem: há situações em que simplesmente isso não só não adianta, como ainda piora as coisas.
AnaLisa – Sim, vejo que esta criança está cada vez mais revoltada. Isso tem a ver com a aliá?
Marion – Se você não se importa, gostaria de conversar sobre os efeitos da aliá na família e nas crianças num outro dia. Como você disse que ele já era um pequeno tirano no Brasil, queria esclarecer que, para um psicanalista, a violência infantil é a expressão de um sofrimento emocional que não foi decodificado e tratado.
AnaLisa – E que sofrimento seria este? Muitas vezes parece que a criança é mimada e quer tudo do jeito dela.
Marion – Tem dois tipos de sofrimento. Um se chama frustração. Quando a criança quer alguma coisa que não pode. Ela fica com raiva e eventualmente agressiva. Aqui dá para colocar limites. O outro sofrimento é mais sério: é quando a criança sente que seu pequeno Eu está sendo “esmagado”. Neste caso, ela fica com ódio, violenta – que é diferente de agressiva. Ela pode se transformar num tirano que tenta, por sua vez, “esmagar” os pais. Este sofrimento é mais difícil de ser reconhecido e “traduzido” pelo ambiente. Aqui, tentar colocar limites já não funciona. Só piora as coisas.
AnaLisa – Nunca tinha pensado nestes termos. Poderia falar primeiro da frustração?
Marion – Claro! É da natureza das crianças serem insaciáveis. Ainda não aprenderam a regular os seus quereres de acordo com o que faz bem ou mal para elas. Ou com o que é possível, ou não, naquele momento.
AnaLisa – Então, dar limites é, antes de mais nada, é regular esses quereres?
Marion – Exato. Frustrar a criança é importante. “Isso pode, isso não pode; isso é para seu bem, isso vai te fazer mal”. Mas também é importante poder dizer: “isso não pode, mas se é tão importante para você, hoje podemos abrir uma exceção”. E ainda: “hoje não dá, mas amanhã sim”.
AnaLisa – Moderar e modular os quereres, mas com jogo de cintura.
Marion – Só que aí o adulto tem que ter sensibilidade: se colocar na pele da criança e saber que ela vai sofrer com o “não”.
AnaLisa – Então os pais têm que tolerar algum esperneio, já que eles estão colocando limites.
Marion – É fundamental! Se, por motivos que são totalmente inconscientes para eles, os pais não conseguem aguentar o esperneio, a criança sofre duas vezes. Primeiro, pela frustração, e segundo, pelo esmagamento do seu direito de espernear.
AnaLisa – Mas esperneio também não tem que ter limites?
Marion – Sim, claro. Mas a estratégia tem que ser outra. A criança se acalma quando percebe que o adulto tem empatia pela sua frustração. Por exemplo: “Eu também sofria quando meus pais diziam que eu não podia tal coisa”. E quando isso acontece, o adulto já não está esmagando o Eu da criança! Está conversando, em vez de berrar e por de castigo.
AnaLisa – Pelo que estou entendendo, só a empatia dos pais ajuda a criança a sofrer menos com as inevitáveis – e necessárias! – frustrações da vida. Só assim é possível diminuir o ódio e a revolta. E vice-versa: quando o Eu da criança se sente esmagado, já não adianta colocar limites porque vai produzir ainda mais ódio.
Marion – Isso mesmo. E aí o meio de campo começa a embolar. Deve ser o que vem acontecendo na casa dos seus amigos.
AnaLisa – Entendo. Um “não” que devia estar a serviço de ajudar a criança a autorregular seus quereres começa a “esmagar o eu da criança”.
Marion – E aí a criança fica com ódio dos pais. Ela começa a “esmagar o eu” dos pais, que também ficam com ódio da criança! Embolou o meio de campo! Claro que depois eles também se recuperam e a relação amorosa é reestabelecida.
AnaLisa – Esse movimento de ódios e reconciliações é exatamente o que está acontecendo na casa dos meus amigos! Obrigada por me ajudar a entender tudo isso!