Pais e filhos: os conflitos nem sempre são barulhentos
Por Simone Wenkert Rothstein
Simone e Tal conversam sob o ponto de vista dos filhos adultos, quando seus pais chegam de aliá.
Tal – Simone, outro dia conversamos sobre a mudança dos avós para Israel. Eu tinha comentado sobre um casal que veio jantar com os filhos e netos (meus vizinhos), falei sobre a alegria deles e sobre o meu espanto com a ideia de eles mudarem para Israel, “só pra serem avós”. Tá lembrada?
Simone – Claro que sim. Falamos do processo de elaboração das perdas que o envelhecimento exige, de como essa vinda pode estar sendo vivida de forma vitalizada, com o sentimento de renovação, ou ao contrário, pode estar revestida de sentimentos depressivos.
Tal – Exatamente. Eu fiquei pensando em como ficam os filhos nessa estória. Deve ser meio confuso para eles também. Por um lado, os pais podem ajudar muito, mas podem ser um peso. Me sinto até meio mal de falar isso, mas acho que isso pode acontecer.
Simone – O que você acha que te faz ficar “meio mal de falar isso”?
Tal – Acho que me coloco no lugar dos filhos e sinto um peso, que assusta. Parece até preferível que nem viessem. E esse sentimento quase de rejeição não combina com o fato de serem pessoas que eu amo, que eu sei que me amam… Sei lá, é difícil!
Simone – É difícil mesmo. Sem nomear, você falou de dois sentimentos que fazem parte dessa confusão: a ambivalência e a culpa. Coexistem em nós sentimentos opostos: querer que os pais venham por tudo de bom que a presença deles oferece, mas também não querer que venham, pelo peso que eles podem trazer. Muitas vezes a gente lida melhor com um desses lados que fica mais aparente do que o outro, pode ser consciente, facilmente verbalizado e o outro, que apenas permeia a conversa, aparece só nas entrelinhas. Este último pode ser bem desconfortável, e justamente por isso, precisa ser reconhecido.
Tal – Dá um exemplo.
Simone – Vamos dizer que você convidou teus pais para o jantar de sexta, está animada, feliz, mas esqueceu que eles não comem comida apimentada e foi justamente o que você preparou para o jantar: um prato oriental bem picante. Daí fica aquele climão. Você não fez de propósito. De forma alguma! Mas uma parte tua, que você não se dá conta, preferia que eles não estivessem ali. E o que dificulta que a gente “pense” estes pensamentos inconscientes é justamente o sentimento de culpa. A nossa censura “barra” a entrada dos pensamentos que geram conflitos: o querer e o não querer ao mesmo tempo, o amar e o odiar concomitantemente.
Tal – OK! Tô entendendo que temos esses “fiscais” na porteira da nossa consciência pra evitar que a gente sofra com os nossos conflitos, mas aí eles fazem um papelão: se “distraem” e deixam que os sentimentos que estão censurados, mandem um “presente de grego”, um sinal de existência do inconsciente, através da pimenta que coloquei no jantar de shabat. Não é isso?
Simone – Isso! Os “fiscais” às vezes dormem no ponto e nestes momentos entramos em contato com nosso inconsciente. Às vezes de forma agradável, em sonhos interessantes que produzimos à noite. Em outras, ele é capaz de criar dores físicas ou sofrimentos emocionais (os mais variados sintomas), podem promover “saias justas” como essa do jantar, que só é constrangedora, desconfortável pelo sentimento de culpa que suscitou.
Tal – E quais podem ser os conflitos dos filhos quando os pais chegam para morar aqui?
Simone – Claro que há muitas nuances que são individuais, aspectos sutis da história de cada um. Mas vamos pensar que independente da chegada dos pais, o jovem adulto está vivendo a “hora da verdade”, passando pelo desafio de ser ou não ser o que imaginou que seria quando crescesse. E essa é uma grande questão! É uma espécie de provação, cada conquista feita (ou não!) na sua vida socioafetiva, na vida profissional, na vida amorosa, na vida financeira… Acrescido a tudo isso tem o fato de que ele também teve que enfrentar um processo de múltiplas adaptações.
Muitas vezes, as suuuper exigências que se impõe e que temem não realizar, são desdobramentos do que eles imaginam que sejam as expectativas dos pais para a vida deles. Estas “cobranças” são apenas mais uma versão dos próprios ideais de si e que podem existir mesmo na ausência dos pais.
No meio disso tudo, a chegada dos pais aposentados confirma que o tempo passou e que está para acontecer uma inversão de papéis, em certa medida natural e saudável, mas nem por isso, fácil. Lidar com a fragilidade dos pais, que um dia foram tão fortes aos olhos deles, é ter que elaborar a “morte” dos pais jovens e protetores. O envelhecimento dos pais traz para os filhos um sentimento de desamparo, acorda o bebê que trazem dentro deles (trazemos, todos nós!). É preciso se reconhecer como um adulto seguro e um bebê frágil, tudo ao mesmo tempo.
Tal – Uau, e eu achei que você ia falar das brigas entre pais e filhos, noras, genros, netos…, mas os conflitos podem ser muito mais “dentro” de nós do que aquelas cenas de novelão mexicano.
Simone – Com certeza temos nossos novelões “brasisraelenses”, mas antes dessas cenas irem ao ar, muito se passou dentro de cada personagem, mais ou menos silenciosamente.