Os que ficam para trás
Por Nelson Menda
Sou filho e neto de imigrantes, tanto por parte de pai quanto de mãe. Meus ancestrais vieram de longe, muito longe, em uma época em que a maior parte dos imigrantes viajava na terceira classe dos navios.
Não que meus avós fossem pobres, mas precisavam economizar ao máximo para poder aplicar suas economias assim que chegassem ao país dos seus sonhos, que só conheciam por referência de terceiros.
Se deram bem, pois chegaram ao Brasil em uma época boa para empreendedores. As viagens de navio entre o velho e o novo mundo duravam semanas e os passageiros das classes mais populares não desfrutavam do luxo e mordomias dos mais abastados.
Tiro o chapéu para meus ancestrais, assim como os das demais categorias de imigrantes, pois tiveram a coragem de enfrentar um mundo até então desconhecido para eles. Os do ramo paterno tiveram a facilidade linguística, pela semelhança entre o ladino, falado pelos sefaradis provenientes da Turquia e o português. Já o pessoal do ramo materno, proveniente da Moldávia, que tinha no iídishe a língua falada e escrita, ficou mais limitado em uma primeira fase. Tiveram que estabelecer relações, inicialmente, com seus próprios conterrâneos, com quem, geralmente, faziam negócios, para se fazer entender.
O idioma falado no Brasil é bastante complexo porque além do português possui palavras de origem indígena entremeadas com outras provenientes dos afro-descendentes, das diferentes correntes migratórias, além de regionalismos e gírias. As crianças filhas de imigrantes costumam aprender rapidamente, nos contatos com seus amigos.
No meu caso, que frequentei boas escolas em Porto Alegre e mantinha amizades com vizinhos de diferentes origens, o português foi o idioma dominante. Estudei inglês e francês em cursos particulares e tive aulas de hebraico durante a preparação para o Bar-Mitzva, mas continuei umbilicalmente ligado ao português. Minhas filhas são trilíngues, pois utilizam o inglês e o espanhol corriqueiramente, mas continuo fiel ao português.
Está comprovado que a melhor maneira de se aprender um idioma é residir, durante algum tempo, em um país onde se fala outra língua. Antigamente, as famílias de posses costumavam contratar babás estrangeiras, para que seus filhos pudessem se familiarizar com diferentes idiomas, mas no meu caso só pude conviver com empregadas nativas do sul do Brasil, de quem costumava escutar, com atenção, relatos assustadores de assombrações e almas penadas.
Ao lado dessa cultura popular tive a oportunidade de conviver com pessoas extremamente cultas. Nas reuniões de família e rodas de chimarrão, no sul do Brasil, era comum escutar histórias interessantíssimas. Especialmente a respeito dos próprios parentes e das revoluções e entreveros cíclicos entre chimangos e maragatos, algo que nunca consegui entender muito bem.
Recentemente, fui me dando conta de que o Brasil, que já foi considerado o “país do futuro”, ingressou em um ciclo descendente em que não se consegue vislumbrar um palmo à frente do nariz nem tentar prever o que virá pela frente. O que gostaria de abordar é a razão pela qual algumas pessoas conseguem progredir, apesar da situação adversa vivida por grande parte da sociedade, ao passo que outras ficam marcando passo, sem sair do mesmo lugar ou até mesmo andando para trás. Vão se deixando conduzir passivamente, ao sabor dos acontecimentos.
Minhas duas famílias, tanto a paterna quanto a materna, eram numerosas, com tios, tias, primos e primas, o que era uma dádiva. Tiveram sorte em migrar para o Brasil, considerado, à época, um país de oportunidades. Foi nele que meus pais fincaram raízes, sem sequer imaginar que alguns anos depois seus descendentes teriam de refazer suas vidas e malas, embarcando em uma outra epopeia. Posso me considerar um privilegiado, pois consegui estudar, me graduar em um curso superior e propiciar a minhas filhas uma condição semelhante às que usufruí. Todavia, ao analisar com lente de aumento o que sucedeu com alguns amigos e conhecidos, acabei chegando à conclusão de que cada trajetória seguiu um rumo distinto.
Caberá às novas gerações, tanto dos que decidiram ficar quanto dos que migraram, avaliar qual das opções foi a mais acertada. Não me cabe julgar, apenas ir juntando as pedras desse quebra-cabeças e deixar o tempo, “senhor da razão” nas palavras de um ex-presidente de triste memória, mostrar quem ganhou e quem perdeu. Veremos com quem estava a razão, como diria Honório Lemes, personagem folclórico da tradicional política rio-grandense. Saber quem está se dando bem ou mal nessa diversidade de opções imposta a todos, sem distinção de classe, cor ou situação econômica.
Estou na antevéspera de uma outra possível mudança, dessa vez do Oregon para a Flórida. Apesar da trabalheira que isso representa, tudo indica que será, como se diz em inglês, um upgrade. É o que irei saber em breve e pretendo relatar aos leitores do Blog.
Foto: Domínio Público (Wikimedia Commons)
Aguardando esse upgrade! 🌞
Meu amigo Nelson,
Muitos linguistas historiadores entendem que a nossa língua é uma mistura de tudo da região sefardi, inclusive dos nativos com vários dialetos.
Mas o que posso te afirmar é que o nosso português no Brasil basicamente vem da região da Galícia na Espanha, diferente do português castiço falado hoje em Portugal, quase incompressível precisando algumas vezes de legenda em vídeos, apesar das semelhantes.
A língua que hoje nas escolas ensinam para crianças na região da Galícia como referência tradicional histórica do passado, é exatamente a língua que falamos aqui no Brasil, surpreendentemente com pouco sotaque.
Quando os portuguese vieram para o nosso país vieram de regiões diferentes, inclusive da Galícia e eram chamados de galegos aqui em nossas terras. Haviam uma rixa entre portuguese e galegos que se sentiam ofendidos por serem chamados de galegos e vice e versa.
Quando era criança minha mãe pedia sempre para ir à quitanda do Galego comprar frutas, pois era assim que eram chamados e ele era uma figura tipica com costeletas grandes, bigode pequeno e tamanco de madeira, falando um português com leve sotaque bem compreensível, ao contrário do que é falado atualmente em Portugal.
Como a história é escrita pelos vencedores, quis o destino mais uma vez que a nossa língua fosse da região antiga da Galícia, adotada espontaneamente por algum grupo, exatamente como hoje é falado o espanhol numa das regiões que tentaram se separar da Espanha.
O resto, são discussões acadêmicas intermináveis tentando nos convencer do óbvio.
Sergio Sobreira
Como sempre, bom os teus textos e admirável tua capacidade de estando ai no país dos furacões e terremotos, consegues, apesar das agitações políticas, separar um tempo para lembrares com gratidão das raizes que nos fizeram assimilar as caras heranças judaicas. Grande abraço, caro Brother!
Bernardo Falk
Excelente Nelson, estamos aguardando teu retorno à Flórida!
Excelente texto, muito enriquecedor!
Abs.
Olá Nelson, satisfação em te encontrar e saber que estás bem. Lá pela década de 60 teu nome era de alguma forma presente na nossa casa, dado que o escritório de meu pai, Paulo Brossard, era contíguo ao nosso apartamento na rua Duque de Caxias, e o telefone era o mesmo. Então anotávamos recados, por exemplo. Meu pai faleceu em 2015 e logo após minha mãe também. Há alguns dias localizei a pasta com o teu assunto, inclusive com cartas e bilhetes teus que foram guardados. Abraços.