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O tempo não para

Por Nelson Menda

Estou residindo fora do Brasil há um bom par de anos, tendo aprendido a conviver e suportar o banzo, palavra de origem africana que significa saudades do torrão natal. No meu caso, esse torrão natal tanto poderia ser a “Leal e Valerosa” Porto Alegre, onde nasci e vivi durante o primeiro quarto da minha vida quanto a cidade que já foi chamada de maravilhosa.

No Rio, tive o privilégio de viver e conhecer o melhor que uma localidade poderia oferecer aos seus afortunados moradores e visitantes. Por uma feliz coincidência cheguei à cidade no momento mágico em que Tom Jobim e Vinicius de Morais tinham finalizado a composição da lendária “Garota de Ipanema”. Também por mais uma feliz coincidência fui residir a poucos metros da Rua Montenegro, posteriormente rebatizada de Vinicius de Morais.

Não posso afirmar que cheguei a frequentar o Bar do Veloso, que posteriormente mudou sua denominação para Garota de Ipanema. Precisava acordar cedo e me dirigir, de carro, até Vila Isabel, onde fazia residência no Serviço de Ortopedia do Hospital Pedro Ernesto, localizado na Av. 28 de Setembro, também conhecida como Boulevard. As pedras portuguesas que ornamentavam as calçadas dessa artéria exibiam as notas musicais de Feitiço da Vila, a consagrada melodia de Noel Rosa, que teria nascido no bairro.

O Túnel Rebouças, planejado para fazer a ligação entre as Zonas Norte e Sul da cidade, ainda estava em final de construção e apenas uma de suas galerias era utilizada, alternadamente, para permitir o fluxo de veículos e desafogar o trânsito.

Assim que cheguei ao Rio, com pouquíssimos contatos naquela metrópole, procurei me aproximar de pessoas que pudessem me auxiliar a encontrar emprego como médico ortopedista. Devo admitir que fui extremamente feliz nessa tentativa, pois em muito pouco tempo fui contratado para o Serviço de Ortopedia do Hospital de Ipanema. Como o nome indica, além de ser um estabelecimento modelar, à época, estava localizado próximo da minha residência e, também, da famosa praia.

Para esclarecer a situação é importante mencionar que o Brasil atravessava uma de suas cíclicas crises políticas e as contratações para o serviço público estavam suspensas. Essa situação perdurou pelos próximos dez anos, mas fui bafejado pela sorte, pois muito antes disso já estava com a vida profissional totalmente organizada. É interessante recordar esses fatos várias décadas depois de ocorridos.

Atualmente, residindo nos Estados Unidos, com duas filhas criadas e independentes, chega a ser pitoresco quando minha memória vai liberando, por conta própria e em doses fracionadas, cada uma das dificuldades encontradas – e superadas – nas distintas fases da vida. É complicado tentar prever o futuro, mas perfeitamente viável analisar os erros e acertos do passado.

Devo frisar que sempre gostei de música, tendo estudado violino durante oito longos anos, mas nunca consegui obter um som harmônico naquele instrumento. Serviu para educar o ouvido e me interessar por diferentes compositores e intérpretes, desde o cancioneiro sefaradi em ladino até às geniais composições de Bach e Vivaldi e algumas pérolas da MPB.

Quando decidi me transferir para os States, procurei trazer, inicialmente, alguns LPs, posteriormente substituídos por CDs e DVDs, até que, com o surgimento da Internet, passei a curtir minhas composições favoritas no próprio computador.

Como afirmava Cazuza, “O Tempo não Para” e é preciso entender, para poder curtir, cada momento que a vida nos reserva. Os maus momentos são inexoráveis, mas os bons precisam ser conquistados e cultivados, para que possam ocorrer e permanecer registrados, de forma indelével, na memória.

Foto: Alan Kleina Mendes (Flickr)

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