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O pianista

Por Nelson Menda

Um dos eventos mais dramáticos do período 1939/1945, durante a segunda guerra, foi a ocupação nazista da Polônia. O intenso bombardeio de Varsóvia, que assinalou o início daquele conflito, em 1º de setembro de 1939, danificou grande parte dos prédios da cidade, provocando vítimas fatais ou gravemente feridas entre seus habitantes. A ocupação militar da cidade pelas forças alemãs encontrou uma Varsóvia semidestroçada, com edifícios em ruínas ou abandonados por seus moradores. Parte da população judaica que conseguiu sobreviver aos intensos bombardeios começou a ser embarcada em vagões de gado com destino ao tristemente famoso campo de concentração e extermínio de Treblinka. Outra parte foi obrigada a se instalar, em condições precárias, em uma área delimitada da cidade, vindo a se constituir no Gueto de Varsóvia, uma espécie de prisão onde os judeus eram confinados, à espera do envio para a morte.

Wladyslaw Szpilman, renomado compositor e pianista polonês, pertencente a uma tradicional família judaica de Varsóvia, era um personagem muito popular em seu país porque costumava se apresentar, ao vivo, na principal emissora de rádio da capital polonesa. Foi reconhecido e retirado, à última hora, da porta de um dos vagões, no exato momento em que seus pais e irmãs eram forçados a embarcar na composição, sem sequer imaginar o trágico destino que os aguardava. Um policial reconheceu Szpilman, recomendando que não embarcasse naquele trem, que fugisse e se escondesse, pois conhecia o destino reservado aos prisioneiros judeus.

Wladyslaw, dessa maneira, passou a viver escondido nas ruínas do que restou dos prédios semidestruídos de Varsóvia. Para não ser localizado e preso, só saía de seu esconderijo à noite, à cata de restos de comida enlatada que conseguisse achar nas despensas abandonadas, às pressas, por seus moradores. Localizou, em um dos apartamentos vazios, um piano, onde procurava executar, em plena madrugada, os acordes das melodias que estava acostumado a interpretar.

Essas performances, no meio da noite, acabaram por chamar a atenção do comando nazista, que designou o Capitão Wilhem Hosenfeld para tentar localizar e prender o, até então, desconhecido, pianista. Hosenfeld, que tinha sido professor antes de ser convocado para o exército nazista, era um homem refinado que também apreciava música e sabia reconhecer o valor de um virtuose. Seria inevitável, portanto, que o oficial alemão e o pianista judeu acabassem se encontrando, especialmente depois que o silêncio sepulcral de uma cidade fantasma fosse quebrado pelos acordes de um piano no meio da noite.

Esse encontro acabou acontecendo e Wilhem se deparou, surpreso, com um jovem esquálido e faminto coberto por farrapos. Quase não acreditou que fosse ele o intérprete das maravilhosas composições musicais que quebravam o silêncio de uma Varsóvia parcialmente destruída pela guerra. Duvidou do talento do maltrapilho e só passou a acreditar no que seus ouvidos escutavam depois que as mãos mágicas do jovem judeu passaram a dedilhar, nas teclas do piano, uma conhecida Balada do também polonês Frederic Chopin.

No meio dos horrores da guerra, estabeleceu-se entre os dois uma comunhão instantânea. Wilhem passou a visitar o esconderijo de Szpilman com regularidade, procurando oferecer ao pianista uma parte da ração alimentar a que tinha direito. Seus ouvidos recebiam, em troca, a melhor música que tinha escutado em toda sua vida. Ofereceu-lhe seu dolmã, para proteger o amigo do rigoroso e gelado inverno europeu. Esse ato de generosidade quase custou a vida de Szpilman, quando saiu à rua, ao final da ocupação alemã, envergando o abrigo, tendo sido confundido pelos partisans, julgando-o tratar-se de um soldado inimigo.

Milagrosamente – e graças à proteção dispensada pelo oficial alemão – o pianista conseguiu sobreviver à guerra, retornando à atividade artística assim que as transmissões radiofônicas foram retomadas após a vitória dos aliados.

Por paradoxal que possa parecer, Wilhem Hosenfeld não teve a mesma sorte de Szpilman, pois foi preso pelo exército soviético e enviado para um campo de trabalhos forçados, onde faleceu em 1952. O pianista tentou, inutilmente, contatar as autoridades russas para relatar que devia sua vida ao oficial nazista, mas foi em vão.

Como prova de reconhecimento, Wilhem foi honrado pelo Yad Vashem, em Israel, com o título de Justo Entre as Nações. Uma árvore com seu nome foi plantada no bosque destinado aos não judeus que arriscaram a própria vida para salvar a dos judeus durante o Holocausto.

A história do pianista polonês e de seu protetor alemão acabaram extravasando as fronteiras do país após o término da guerra. O premiado diretor de cinema Roman Polanski, também polonês e judeu, se apaixonou pela narrativa e decidiu levá-la às telas. Produziu uma película, “O Pianista”, que se consagrou no mundo todo, recebendo prêmios nos festivais cinematográficos dos Estados Unidos, Inglaterra e Itália. A trilha sonora do filme, no Brasil, virou tema de uma novela de sucesso, Riacho Doce. A canção título, Iluminada, baseada na Balada em Sol Menor de Chopin, foi interpretada pela consagrada cantora Ithamara Koorax. Ithamara, por uma feliz coincidência, filha de pai e mãe judeus poloneses e também, não por acaso, minha querida prima. Ela soube interpretar, com sua maravilhosa voz, os pungentes acordes de uma das mais belas composições de Frederic Chopin.

Quanto a Wladyslaw Szpilman, após o término do conflito continuou realizando o que mais gostava e sabia fazer, tocar piano. Faleceu em 2000, aos 88 anos, em Varsóvia, capital da sua querida Polônia.

Fontes: Wikimedia Commons (Władysław Szpilman) e Divulgação (Adrien Brody, personagem do filme)

2 comentários sobre “O pianista

  • Nelson nos brinda com outra excelente crônica!
    Obrigado!!!

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  • Mais uma crônica maravilhosa do querido amigo Nelson Menda. Abraço carinhoso da Cecilia.

    Resposta

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