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O livre-arbítrio realmente existe?

Por Mary Kirschbaum

O conceito de livre-arbítrio está diretamente relacionado ao direito de escolha.

Saber se os homens são capazes de fazer escolhas e eleger o seu caminho, ou se não passam de joguetes de alguma força misteriosa, tem sido há séculos um dos grandes temas da filosofia e da religião.

Para o Judaísmo, D’us criou o mundo, descansou ao sétimo dia, mas deu à humanidade o livre-arbítrio para completar a criação.

Para nós judeus o livre-arbítrio implica em estar-se consciente das diferenças entre os desejos do corpo e as aspirações da alma. Sendo que a alma é o verdadeiro ser humano.

Segundo o Talmud, D’us criou o mundo para dá-lo aos seres humanos. Ele deseja dar-nos tudo o que há de bom no mundo. Mas para isso, quer que sejamos independentes e independência implica escolha.

Por isso, D’us criou o homem, concedendo-lhe o livre-arbítrio.

E o exercício deste livre-arbítrio é algo que só pode ser feito por nós e nas leis da Teshuvá (arrependimento).

O significado do livre-arbítrio seria simplesmente que uma pessoa é livre para agir, falar e pensar, e sempre tem a opção de fazer ou não o bem.

Segundo uma visão metafisica, a pessoa que está convencida que tem liberdade de escolha ou livre-arbítrio tem um maior sentido de responsabilidade do que a pessoa que pensa que o determinismo absoluto governa o universo e a vida humana.

O determinismo no sentido clássico significa que todo o fluir da história, incluindo todas as escolhas humanas e ações estão completamente determinadas desde o início dos tempos.

Segundo alguns neurocientistas, existem pesquisas que sugerem que o que cremos serem escolhas conscientes, são decisões automáticas tomadas pelo cérebro, e enfaticamente afirmam, assim como a corrente filosófica do determinismo, que o livre-arbítrio não é mais que uma ilusão. Há experimentos, segundo eles, que conseguiram mapear a existência de atividade cerebral antes que a pessoa tivesse consciência do que iria fazer. Ou seja, o cérebro já sabia o que seria feito, mas a pessoa ainda não. E sendo assim a atividade cerebral precederia e determinaria uma escolha consciente.

Quando falamos sobre “hábitos”, que são mecanismos usados pelo nosso cérebro no intuito de economizar energia, onde se repetem ações “involuntariamente”, também assistimos uma ação onde não há escolhas conscientes.

Todos conhecemos padrões de comportamento que nos orientam todos os dias.

São hábitos, como nos vestimos pela manhã, como falamos com nossos filhos e adormecemos à noite. Eles afetam o que comemos no almoço, como realizamos negócios e se vamos fazer exercícios ou tomar uma cerveja depois do trabalho.

De uma forma natural, ao longo de nossa jornada, optamos pelo mais fácil em nossas vidas. Ou aquilo que vai acontecendo instintivamente, baseado, segundo Freud, no inconsciente ou na força do “hábito”.

Ficamos confusos ao fazer escolhas, indecisos. O que de fato queremos? O que desejamos?

Então percebemos que de qualquer forma, com “determinismo” ou não, vivemos a vida tendo de escolher.

Bem, se temos que escolher, e se é tão difícil fazer escolhas e arcar com a responsabilidade destas, deve haver o livre-arbítrio.

Voltando ao “determinismo”, admitimos que exista uma grande quantidade dele no mundo. Na forma de leis causais do tipo, relativismo (coisas que acontecem na dependência de outras), governando o funcionamento de grande parte do universo.

Os sistemas respiratório, digestivo, circulatório e dos batimentos cardíacos, funcionam deterministicamente, pelo menos até avariarem.

O determinismo parece então algo relativo, não apenas porque os seres humanos têm liberdade de escolha, mas também porque a contingência e o acaso são um traço fundamental do cosmos. Por exemplo, em relação ao acidente do navio Titanic, que colidiu com um iceberg em 14 de abril de 1912, causando a morte de 1500 pessoas, a deriva do iceberg desde o norte e o percurso do Titanic de oeste a partir da Inglaterra representam claramente duas sequências causais de eventos independentes.

A presença constante da contingência no mundo é igualmente provada pelo fato de todas as leis naturais assumirem a forma de sequências ou relações do tipo “se…, então…”. O elemento “se” é obviamente condicional e demonstra a coexistência habitual da contingência com o determinismo. No que diz respeito às escolhas humanas, a contingência assegura que as alternativas de que temos experiência são indeterminadas relativamente ao ato de escolher, o que faz depois que uma delas seja determinada.

Existe, portanto a potencialidade de que todos os acontecimentos no cosmos têm possibilidades plurais de comportamento, interação e desenvolvimento. Quando queremos, por exemplo, realizar uma viagem de férias, pensaremos em inúmeros destinos possíveis, antes de decidir. Segundo o determinismo puro, isto seria só um teatro, pois já estaria pré-estabelecido o destino que estamos lutando para decidir.

Se não houver liberdade de escolha, ou livre-arbítrio; a função do pensamento humano de resolver problemas torna-se supérflua e numa máscara de faz-de-conta.

Lembrando então dos “hábitos”, onde o cérebro comanda comportamentos no ser humano de uma forma quase instintiva, podemos diferenciar as áreas responsáveis por estas respostas “automáticas” de outras áreas do cérebro responsáveis pelos pensamentos, inteligência e tomadas de decisão (incluindo mudanças nos “hábitos”).

A busca da liberdade é inerente ao ser humano. Esta se diferencia do livre-arbítrio pelo fato de que, enquanto a primeira tem sua expressão no mundo externo (ações, expressões, experiências), o livre-arbítrio é uma faculdade que vem de uma consciência interna, a partir do autoconhecimento, discernimento e clareza vindos do ser. Está na liberdade dos pensamentos. Está nas intenções. Se trata de uma “verdadeira” liberdade, advinda da autoconsciência e da capacidade de fazer escolhas saudáveis e criativas que venham a partir do livre-arbítrio. O julgamento de valores do que é certo e errado, desde que se respeite o zelo pelo outro e pela sociedade, cabe unicamente ao indivíduo com base na transparência e verdade.

“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.

Voltando para o conceito de livre-arbítrio no judaísmo:

A Cabalá nos explica que antes de uma alma descer para este mundo já é anunciado no céu quem serão os seus pais, com quem vai casar e qual será o grau de sua inteligência, beleza, saúde e riqueza.

D’us equipa cada alma com as virtudes e componentes necessários para o cumprimento de sua missão singular.

Estas facetas da vida humana são determinadas por D’us e nós não escolhemos.

Baseado no versículo da Torá: “E agora Israel, o que D’us deseja de ti? Somente que tu permaneças em temor de D’us teu senhor…” (Deuterônomio 10:12).

“Tudo está nas mãos do céu (D’us) exceto o temor do céu (D’us)”. Isto significa que na verdade tudo está predeterminado, menos o grau de nossa devoção a D’us. D’us coloca totalmente em nossas mãos no que tange a nossa obediência a Sua vontade.

Apesar de conhecer o futuro, Ele não interfere em nossa decisão e, portanto, o mérito da recompensa ou o ônus da retribuição é justo.

Uma pessoa precisa ter um equilíbrio certo entre sua dependência de D’us e o seu próprio esforço.

Enquanto achamos que o nosso crescimento espiritual depende de D’us, na verdade nossos êxitos ou fracassos espirituais dependem somente de nós.

Bem, eu paro por aqui.

E pra você, o livre-arbítrio realmente existe?

2 comentários sobre “O livre-arbítrio realmente existe?

  • Usando do meu livre arbítrio, quero deixar aqui minha admiração por esta profissional e fantastica mulher. Mais um belo texto, que nos deixa reflexões pertinentes e complexas. Parabéns Dra. Mary.

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  • Muito bom discernimento. livre arbítrio, amor, sempre, nunca, são termos que não conseguimos alcançar.

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