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O fim da verdade da Anistia Internacional

Por Deborah Srour Politis

Esta semana merecia uma análise sobre o conflito entre a Rússia e a Ucrânia na Europa; a eliminação do líder do Estado Islâmico na Síria e o ressurgimento do grupo no Oriente Médio; as contínuas ameaças da China contra Taiwan; os testes de mísseis da Coreia do Norte na Ásia; a deterioração do Afeganistão; e os planos nucleares do Irã. Tudo isso ligado à fraqueza demonstrada pelo governo de Joe Biden.

Mas de repente nos deparamos com os últimos planos de erradicar o Estado de Israel. E eles não vieram do Irã ou dos mísseis do Hamas ou da Hezbollah. Este plano foi engendrado por um meio diferente.

A ONG Anistia Internacional divulgou na terça-feira um relatório de mais de 270 páginas intitulado: “Apartheid de Israel contra os palestinos: sistema cruel de dominação e crime contra a humanidade”.

O ministro das Relações Exteriores, Yair Lapid, imediatamente condenou a organização e o relatório repleto de inconsistências e falsidades. Em resposta, a Anistia Internacional redobrou seu ataque, dizendo que “o Apartheid é uma privação. Apartheid é segregação. Apartheid é fragmentação. Apartheid é desapropriação. O apartheid de Israel sobre os palestinos é um crime contra a humanidade”.

Isso não só banaliza o que foi a política de Apartheid na África do Sul que realmente negou qualquer direito aos negros africanos, qualquer representação política, qualquer voz na sociedade relegando esta população à total segregação, mas hoje, usada contra Israel, não oferece nenhuma outra cura a não ser o completo desmantelamento de Israel como Estado judeu.

Isto também tem outra consequência. Ao pedir o fim de Israel estes grupos estão de fato rejeitando o que sempre defenderam: a falida, mas ainda viva, solução de dois Estados que deveria supostamente acabar com o conflito e dar a cada grupo sua autodeterminação.

A acusação de “apartheid” a Israel não é nova. No início de 2021, tanto a Human Rights Watch quanto a B’Tselem acusaram Israel de “apartheid”. A acusação é geralmente baseada no argumento de que Israel controla a Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jerusalém e áreas dentro da Linha Verde e que tudo isso é na verdade uma só entidade.

A Anistia afirma que “os sucessivos governos elaboraram leis e políticas para garantir a contínua fragmentação da população palestina. Os palestinos estão confinados a enclaves em Israel, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, e nas comunidades de refugiados, onde estão sujeitos a diferentes regimes legais e administrativos”.

Todos os relatórios destas ONGs compartilham uma lógica semelhante. Eles não discorrem sobre como Israel trata os palestinos na Cisjordânia. Eles não são sobre como Israel priva os palestinos de Jerusalém de igualdade perante a lei. Eles são na verdade sobre a Faixa de Gaza (de onde Israel se retirou em 2005) e sobre Israel própria. Assim podem acusar Israel de “apartheid” mesmo em Tel Aviv.

A Anistia Internacional, a HRW e outros grupos que defendem esse argumento, não fazem afirmações semelhantes sobre outros países que maltratam suas minorias.

Eles não definem a Turquia como um estado de apartheid, apesar de sua discriminação contra os curdos. Ou a Malásia, embora dê preferência aos malaios. Eles não definem o Paquistão como um estado de apartheid, embora discrimine os não-muçulmanos. Ou a Arábia Saudita por proibir a prática de outras religiões e colocar trabalhadores estrangeiros em guetos. E D’us me livre se alguém for pego falando mal da China e de sua política de limpeza étnica no Tibet e a perseguição dos muçulmanos Uighurs.

A palavra “apartheid” foi agora reinventada apenas para se aplicar a Israel. E não é sobre fazer com que Israel se retire da Judeia e Samaria, mas sobre desmantelar Israel completamente como estado judeu.

Neste último relatório, a Anistia se concentrou no que ela chama de “fragmentação” das áreas palestinas como evidência do “apartheid”. O engraçado é que esta “fragmentação” foi criada pelas Nações Unidas no plano de partilha de 1947. Ela está então, acusando as Nações Unidas de criar o apartheid, dividindo o que era o Mandato Britânico, em um estado judeu e outro árabe. E se a divisão do território agora é “apartheid”, isso significa que o próprio fato de Israel ter se retirado de Gaza em 2005 ela cometeu o “apartheid”, e o mesmo vai acontecer com a Autoridade Palestina, se um dia Israel decidir se retirar de lá.

Isto torna a paz impossível. Se Israel fica na Cisjordânia, ela a “controla”, se a deixa, a “fragmenta” e os dois são “apartheid”.  Em outras palavras: se ficar o bicho pega, se correr o bicho come.

E parece que isso foi projetado para evitar que o novo governo israelense, o primeiro com um partido árabe na coalisão, tentasse resolver o conflito ou encontrasse uma solução pacífica nas linhas dos dois estados.

Antigamente, grupos de direitos humanos se concentravam em políticas discriminatórias específicas na Cisjordânia ou em Jerusalém. Agora um despejo em Jerusalém é “apartheid”. A Anistia chama o deserto do Negev, que faz parte de Israel própria, pelo nome árabe “Naqab” e se refere à “expropriação” de 1948, indicando que a única ideia reparadora é voltar o relógio para 1947. Esta é uma tentativa extraordinária de reescrever a história.

É o mesmo que afirmar que o Paquistão e a Índia estão cometendo “apartheid”, a menos que concordem em ser um estado único novamente, junto com Bangladesh. É o mesmo que afirmar que todos os antigos estados da Iugoslávia, da Macedônia ao Kosovo, Bósnia, Sérvia e Croácia devem agora se reunificar ou serão todos definidos como “apartheid” porque são “fragmentados” e porque cada um discrimina em favor de seu próprio grupo nacional.

Mas esta nova definição de Apartheid usada pela Anistia e as outras ONGs contra Israel dá um tiro de culatra nos palestinos. O direito palestino a um estado próprio, um estado árabe como imaginado na ONU em 1947, está agora fora de questão porque uma tal divisão será considerada “apartheid”.

Este não é um relatório, mas uma narrativa: uma reescrita distorcida da história. Chamar Israel de estado apartheid não apenas mancha Israel, mas menospreza os árabes israelenses que hoje trabalham em todas as áreas do governo e da sociedade, são diretores de hospitais e juízes da Suprema Corte. Quando um árabe israelense membro do parlamento se levanta em protesto contra este relatório, como o fez Issawi Frej do Meretz, isto significa algo. Ele disse que Israel tem sim muitos problemas, mas não é um estado apartheid.

A secretária-geral da Anistia Internacional Agnes Callamard disse rindo na coletiva de imprensa: “Reconhecemos a existência do Estado Judeu de Israel. Nós nos opomos e denunciamos o antissemitismo e atos antissemitas em todo o mundo”. É claro que a Anistia reconhece a existência do Estado judeu. Ela passou décadas obcecada com sua existência!!! E embora pretenda promover a paz, é excelente na promoção dos tropos e estereótipos que incentivam o terrorismo e a violência.

O relatório da Anistia é um relatório vergonhoso e danoso para uma organização que diz promover a justiça internacional e os direitos humanos.

E quem mais se danou com este relatório foi a verdade.

Foto: UN Photo/Manuel Elias (Flickr). Agnes Callamard, 2017

Um comentário sobre “O fim da verdade da Anistia Internacional

  • É sempre um prazer ler seus artigos sobre política internacional, e uma aula iluminada de seu enfoque dos assuntos judaicos. Parabéns.

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