O diálogo da Diáspora sobre Israel
Por Deborah Srour Politis
A bagunça e a violência continuam na América. A esquerda está jogando gasolina nos ânimos longe da memória de George Floyd. O que os arruaceiros querem é destruir os Estados Unidos por dentro. Ironicamente como os grandes impérios da história que foram destruídos pela decadência e corrupção antes de serem dominados por outros.
Ninguém acreditaria que teríamos dois meses seguidos de protestos e de mortes em meio à uma pandemia. A violência se concentra nos estados e cidades democratas mais liberais como Portland e Chicago. Seus governadores e prefeitos não reconhecem sua própria incompetência, mas culpam Trump. E a turbulência não se atém a Black Lives Matter ou à retórica anti-Trump.
Na semana passada, o “papa do sionismo liberal”, o jornalista judeu americano Peter Beinart, declarou em um artigo publicado no The New York Times que “está na hora dos sionistas liberais abandonarem a ideia de separar os judeus dos árabes e abraçarem a ideia de igualdade entre judeus e árabes em um estado binacional”. Finalmente Beinart tirou a máscara! Para ele, vivendo confortavelmente na América, o estado judeu é um “câncer”, que “desumaniza palestinos”. Ele culpa o “trauma judeu” do Holocausto pela “infeliz obsessão sionista” por um estado judeu e decreta que “apenas a liberdade palestina pode tornar os judeus inteiros”.
Ele conclui que “o preço de um Estado judeu que favorece os judeus sobre os palestinos é muito alto” e não deveria existir.
Para qualquer um que tenha seguido a jornada de Beinart de proponente do “sionismo profético” – um conceito inventado pela esquerda progressista – para cúmplice dos inimigos de Israel, isso não é surpresa. É triste e revoltante. E nos mostra a assustadora jornada intelectual em direção ao antissionismo e à auto-imolação que está em andamento na esquerda judaica americana.
A degeneração de Beinart é um reflexo da degeneração das comunidades judaicas americanas. 80% dos seis milhões de judeus deste país não têm qualquer contato nem com o judaísmo, nem com a comunidade judaica local ou com Israel. São os judeus que só lembram de sua identidade em protestos contra Trump, na defesa indefensável do partido Democrata e no seu apoio à quebradeira do Black Lives Matter, como se ELES fossem a voz dos judeus daqui e pior, de Israel.
Levando a conversa das ideias a ataques pessoais, o “moralmente superior” Beinart voltou a insultar qualquer pessoa à sua direita – incluindo toda a sociedade israelense, que ele diz ter se tornado “cada vez mais racista”, e a porção da comunidade judaica americana, que “habita um casulo” que não empatiza com os palestinos.
Em seu artigo, Beinart tem a ousadia de encerrar seu apelo pela dissolução do Estado judeu e sua substituição por uma entidade binacional – como um momento “Yavne”. E então ele fala sobre “tikkun”, “shalom” e “shlemut” de um estado árabe-judeu igualitário e neutro. Beinart imagina um país onde imãs choram a “Shoah” e rabinos choram o “Nakba”. Juntos, os clérigos cantarão o du’a islâmico pelos mortos judeus e farão a oração El Malei Rachamim pelos mortos muçulmanos.
Infelizmente é isso que inspira e move os judeus americanos, como Beinart: serviços memoriais delicados e transculturais para os mortos, onde todos aprendem a “ver” e a “entender” um ao outro e a “simpatizar” um com o outro. Uma geração atrás, Beinart provavelmente recomendaria que os judeus tentassem “ver” e “conhecer” os SS, para melhor “entender” os stormtroopers nazistas.
Beinart não compreende que os israelenses “viram” o suficiente do Hamas, da Fatah, da Irmandade Muçulmana e de outros movimentos jihadistas árabes para julgar por si próprios, quanta “compreensão e fraternidade” traria um estado binacional árabe-judeu. Beinart não “entende” que, após 2.000 anos de diáspora e dispersão e um recente e grande retorno à sua pátria ancestral, o povo judeu não será tão rápido em lançar sua primogenitura ao mar, mesmo que isso signifique lutar com os palestinos e um longo caminho para a paz.
A angústia de Beinart pelos palestinos é tão esmagadora que ele prefere destruir o estado dos judeus e abandonar seus cidadãos. Ele espera jogar o magnífico renascimento cultural e social da vida nacional judaica em Israel no vaso sanitário. Infelizmente, Beinart parece estar se decompondo dentro de um “casulo” próprio; dentro de um cérebro reacionário e derrotista que secreta veneno.
Verdadeiramente trágica é a falsa divisão entre liberalismo e sionismo que Beinart cria, declarando que os judeus devem escolher entre um e o outro. É um esforço maligno para despojar o povo judeu de sua identidade e de uma narrativa que harmoniza o melhor do nacionalismo, afinidade democrática liberal, afiliação religiosa e justiça histórica.
Assim, a discussão entre Israel e a Diáspora, que até agora tem sido cordial, tem tomado um caminho de intolerância nunca antes visto. Para Beinart e seus 80% de seguidores “se não tivermos dois estados como solução, então Israel tem que deixar de existir”. Isto é a pura arrogância de um judeu que não mora em Israel e que se dá o direito de decidir o que é melhor para cerca de nove milhões de israelenses e dois milhões de palestinos. E ainda, os deixa, judeus e árabes, fora da discussão.
Este é o mesmo argumento usado pelo movimento do cancelamento da cultura. Se você não tem a minha opinião, você tem que deixar de existir.
Aqui a discussão sobre Israel sempre começa com certas suposições. Sobre o que significa ser judeu ou sobre o que é o sionismo. Se Israel é apenas um lar cultural ou religioso para os judeus, um lugar de refugio, ou se os “valores” de Israel combinam com os da comunidade judaico-americana liberal e progressista.
Chegou a hora de darmos um basta nesta conversa. Não precisamos sempre procurar “soluções” para o “conflito”. E chega de darmos voltas para forçar a “solução de dois estados”, algo que os palestinos claramente não têm interesse. É como se para um casal que se detesta, que não se suporta, a solução fosse trancá-los no mesmo quarto. Sabemos quanto isso poderia dar certo…
As pessoas que vivem em Israel e na Judeia e Samaria são reais. Elas são iguais às pessoas que vivem em Nova York, Miami, Moscou, Japão ou Porto Alegre. A ideia de que qualquer jornal daria espaço para alguém, mesmo o papa do sionismo liberal, começar uma opinião decidindo a existência de um país inteiro é mais que arrogância – é esquizofrênico!
Nenhum outro país do mundo está sujeito a esse ataque intelectual sobre sua existência como Israel. Que alguns americanos não se identifiquem com o “estado judeu” é inteiramente compreensível, mas querer extingui-lo, é extrapolar tudo o que é razoável.
Ninguém se atreve a dizer que a Irlanda não deve existir se não voltar a se unir à Inglaterra, contra a vontade dos irlandeses. Ninguém escreveu nos principais jornais dos EUA dizendo que “não acredita mais na Suécia ou na Noruega por que assimilaram forçosamente e ocuparam as terras dos Samis.” Nenhum armênio-americano, jamais conseguiu espaço na mídia advogando a extinção da Turquia, ou um ucrano-americano clamar pela sumaria extinção da Rússia, por causa da anexação da Crimeia.
A discussão também parece permitir outro absurdo que é descartar Israel como país simplesmente porque alguém não gosta da sua liderança ou de suas políticas. Então, se Israel não reflete os meus valores, ela não deveria existir. Esse mesmo padrão não se aplica à América. Estranhamente, judeus americanos que nunca pensaram em se mudar para Israel, exigem que Israel reflita seus valores mais do que os próprios políticos que elegem em seu canto do mundo.
Há uma indústria inteira nos EUA que se promove decidindo o que é “melhor” para Israel. Mas ela não se atreve a discutir o que é melhor para os EUA ou outros países. Isso faz parte de um vício doentio em como discutimos Israel que gira em termos de ideais, valores e conflitos e não de um país de pessoas. Esta é uma conversa profundamente hostil e tóxica.
Por esse motivo, é essencial redefinir a discussão sobre Israel. Mas não pode haver discussão se o ponto de partida é a própria existência ou se alguém “acredita” no estado judeu. Se as pessoas querem anular Israel, anulação esta que não é feita para nenhum outro país – por pior que seja – não há o que discutir.
Enquanto estátuas caem nos EUA, vale a pena revisar a estátua das discussões sobre Israel. O edifício podre foi construído com base em suposições falsas. Israel é um estado e está aqui para ficar. Você pode discordar de suas políticas, mas não pode dispensar milhões de pessoas como se fossem parte de um experimento acadêmico. Isto é injusto e imoral.
Foto: Ted Eytan (Wikimedia Commons)