Nova pandemia: mas desta vez, nos ouriços-do-mar do Mar Vermelho
Por Mabel Augustowski
Uma pandemia observada pela primeira vez no Golfo de Aqaba (Golfo de Eilat), no Mar Vermelho, levou à mortalidade em massa de milhares de ouriços-do-mar da espécie Diadema setosum, provavelmente já tendo levado à sua extinção na costa de Eilat, Jordania e o Sinai, e agora atinge também Oceano Índico.
Desde a sua identificação no golfo, o patógeno já foi identificado também em outras áreas do Mar Vermelho ao longo da Península Arábica e nas ilhas Reunião na costa offshore de Madagascar. Conforme notícia divulgada pela Agência Reuters em 7 de junho, a pandemia estaria se dirigindo à zona do Triângulo de Corais no sudeste da Ásia e à Grande Barreira de Corais da Austrália. Há indícios de mortalidade por esse micro-organismo também no Mediterrâneo, na região da Grécia e Turquia, onde o parasita estaria chegando por meio de espécies invasoras que chegam através do Canal de Suez.
Os ouriços-do-mar da espécie Diadema setosum são fáceis de identificar por sua cor negra e longos espinhos. São também considerados uma espécie-chave no equilíbrio ecológico dos ecossistemas marinhos, devido ao seu papel na cadeia alimentar.
O alerta foi dado pelo pesquisador Oren Bronstein, zoólogo da Universidade de Tel Aviv e do Museu Steinhardt de História Natural. Trata-se de um parasita ciliado mortal, que leva à extinção de populações de ouriços dessa espécie de forma rápida e violenta: em apenas dois dias, colônias inteiras podem desaparecer!
Como essa pandemia nos afeta?
Assim como o ar, a água do mar também é veículo no qual flutuam diversos patógenos (microorganismos causadores de doenças). Milhares de organismos patógenos habitam a água do mar ou mesmo o corpo de animais e vegetais. A mortalidade dessas espécies pode nos afetar diretamente ou indiretamente. Diretamente, quando se tratam, por exemplo, de espécies comestíveis, cujos patógenos podem ou não causar doenças também no ser humano. De forma indireta, causando um desequilíbrio no ecossistema, pois a mortalidade massiva pode levar à perda de um elo da cadeia alimentar marinha, eventualmente afetando também a disponibilidade de alimento para espécies comestíveis que ingerimos e que, por sua vez, poderão passar a ser menos disponíveis para a pesca.
Os ouriços-do-mar são animais cujo consumo como alimento não é muito comum, exceto nos países orientais, algumas comunidades de imigrantes em certos países e em alguns restaurantes orientais pelo mundo. A parte utilizada são as gônadas (órgãos sexuais) onde concentram grande quantidade de nutrientes considerados suplementos alimentares para o ser humano. Isso confere à Diadema um alto valor comercial.
Entretanto, os ouriços desempenham funções ecossistêmicas fundamentais. Por exemplo, algumas espécies de ouriços que habitam as zonas costeiras sujeitas à oscilação das marés vivem incrustados nas rochas e auxiliam na contenção da erosão causada pelo embate das ondas. Essa zona rochosa é fundamental para conter a elevação do nível do mar que poderia invadir as áreas urbanas, principalmente durante as ressacas.
Já no caso da Diadema setosum, que está sendo aniquilada por essa pandemia, esses ouriços desempenham um papel importantíssimo para a sobrevivência dos recifes de coral: no Golfo de Aqaba, eles agem como “cortadores de grama” sobre as macroalgas dos recifes de coral, cujo crescimento excessivo poderia reduzir a penetração da luz solar, afetando assim o crescimento normal do recife. Recifes de coral são o habitat de uma infinidade de espécies e um dos ambientes mais diversos do planeta em todas as regiões onde ocorrem.
O crescimento e sobrevivência dos recifes de coral dependem da luz solar – entre outros fatores como temperatura, qualidade da água, etc. – porque os corais formadores de recifes contêm em seu interior microalgas simbióticas que ali se abrigam e, em troca, fornecem ao coral a matéria orgânica que serve de alimento para o coral e que é produzida utilizando a luz do sol na fotossíntese. Muitos recifes de coral já estão ameaçados de extinção devido às mudanças climáticas globais, e estão se tornando brancos, ou seja, estão perdendo as microalgas simbióticas que o ajudam a sobreviver e acabam morrendo. A redução de recifes de coral significa, portanto, perda de habitats para muitas espécies, o que pode levar à redução das suas populações afetando, inclusive, a pesca comercial, o turismo e várias outras atividades que influenciam a economia mundial.
Segundo o zoólogo, no Golfo de Aqaba, nenhum outro ser assumiu o papel de controle de macroalgas que é desempenhado pelos ouriços e a equipe de Bronstein já está observando um crescimento extensivo de algas. “Quando as mortalidades começaram no Mar Vermelho, elas foram tão fortes, tão abruptas e tão violentas que os primeiros pensamentos foram que estaria ocorrendo algum tipo de poluição ou algo assim muito severo, mas com efeito apenas local”.
“Então, o fenômeno foi observado em um cais mais ao sul do Sinai, onde atraca a balsa que vem de Aqaba. Duas semanas depois, espalhou-se por mais 70 km. Eles descreveram milhares de esqueletos da espécie outrora dominante rolando no fundo do mar. Não há maneira conhecida de parar a doença”, disse Bronstein. “Mas ainda há uma chance de criar uma população isolada de ouriços como um estoque de reprodutores, a partir dos ouriços-do-mar restantes em outros lugares para então reintroduzi-los posteriormente.”
A equipe de pesquisadores israelenses está atuando em cooperação com cientistas em toda a região para mapear a pandemia e coletar mais detalhes. Isso inclui a coleta contínua de amostras de DNA ambiental de diferentes corpos d’água que mostram como a vida marinha interage com o ambiente. “É necessário ter pessoas no local para fornecer dados, porque em 48 horas não há evidências das mortalidades ocorrendo”, disse Bronstein. “Essa coordenação e colaboração são essenciais para lidar com essa situação em rápida evolução”.
Para saber mais:
Matéria de Ari Rabinovitch/Reuters, 07/6/2024, acesso pelo link: Sea urchin pandemic spreads beyond Red Sea, endangering coral reefs | Reuters
Tel Aviv University, acessado em 10/6/2024: https://en-lifesci.tau.ac.il/news/2023/bronstein/lab
R Karnila et al 2022 – Nutritional characteristics of sea urchin (Diadema setosum) in Bungus, West Sumatera Province IOP Conf. Ser.: Earth Environ. Sci. 1118 012037.