Netanyahu: “Pelo bem do país, eu saio”
Por David S. Moran
O Estado de Israel é assolado por uma má onda política. Há um ano que o país tem um governo de transição, que não é funcional. Principalmente nas áreas da segurança e de financiamento. Por não ter um governo eleito, o orçamento governamental não pode ser estabelecido e o débito dos ministérios já passa dos 50 bilhões de shekalim (cerca de 58 bilhões de reais). Esta falta de orçamento paralisa também as compras de material bélico e a manutenção do exército e como se sabe, este é vital em Israel, talvez mais do que em outros países.
Para tentar explicar este impasse no cenário político local, volto a 18 meses atrás. O Primeiro Ministro, Benjamin Netanyahu que é um ás político, resolveu antecipar as eleições que deveriam ocorrer em novembro de 2019. Na ocasião pensou que venceria as eleições de abril e com isso poderia retardar as acusações das quais estava sendo investigado. A dissolução do Knesset, em 30 de maio de 2018, foi obtida também depois de negociações que Netanyahu teve com a Lista Árabe Unida (LAU). Isto não o impediu de duramente criticar o Gantz e seu partido Kachol Lavan por negociar o apoio do LAU para formar um novo governo.
Desde então o Procurador Geral do Estado, Dr. Avichai Mandelblit apresentou três acusações contra o Netanyahu, que envolvem indiciamento por fraude, corrupção e quebra de confiança.
As eleições de abril e setembro deste ano foram feias e cheias de acusações de um lado a outro, adicionando o deputado Avigdor Lieberman, do Israel Beiteinu, que infernizou os políticos de todos os lados. Ele que foi chefe de Gabinete do Netanyahu e membro do Likud, isto é, da direita, resolveu que quer que os ultra ortodoxos (Haredim) arquem com as obrigações e direitos de todos os cidadãos de Israel e se alistem no exército. Isto não significa que todos seriam recrutados. Ele foi rotulado de esquerda por Netanyahu e seus partidários. Os haredim, que não são direita e nem cantam o hino nacional, Hatikva, foram encampados por Netanyahu ao bloco da direita de 55 deputados (para obter maioria no Knesset, são necessários 61 votos). Até mesmo o Partido Shas, cujo mentor foi o Grão Rabino Ovadia Yossef z.l., que era partidário da devolução de território aos palestinos.
O Likud nestas eleições foi perdendo força e de 39 deputados (junto com Kulanu e Feiglin que ingressaram no partido) caiu para 32 assentos e se tornou o segundo maior partido, perdendo para o recém-criado Kachol Lavan, que obteve 33 deputados.
Apesar disso, Netanyahu continua agir como se fosse o líder do maior partido e não abre mão de nada. O Kachol Lavan disse que está disposto a formar governo com o Likud, sem o Netanyahu, que está sob acusações na justiça.
Nas negociações entre estes dois maiores partidos (juntos tem maioria de 65 deputados), o máximo que foi conseguido é uma rotação na chefia do governo. Netanyahu exigiu ser o primeiro e servir cinco a seis meses (iria ao tribunal, se não obtivesse a imunidade, com este título). O Gantz seguiria pelos próximos dois anos e se, depois, fosse absolvido Netanyahu voltaria, ou outro líder do Likud servia o tempo restante.
Capas do Yediot Aharonot: Vergonha e do Israel Hayom: o Circo, em 12.12.19, Knesset dissolvida
Yair Lapid que tinha acordo com Benjamin Gantz de dividir o termo, se Kachol Lavan formasse o governo e é pano vermelho aos ultra ortodoxos, abriu mão para facilitar acordo com o Likud, em vão.
Numa última tentativa antes de encerrar o prazo de 21 dias adicionais para formar novo governo, Gantz atendeu pedido do Netanyahu e foi tentar evitar novas eleições, as terceiras num ano. Após breve encontrou, Gantz saiu e acusou o Netanyahu de ser inconfiável. Sem dúvida a falta de confiança teve papel essencial em evitar formar novo governo. Este impasse político é impossível.
Netanyahu conseguiu nos anos que lidera o Likud, transformar o partido no seu particular. Sendo carismático, inteligente, bom de papo, seus partidários vão atrás dele e não necessariamente atrás do Likud. Os deputados, principalmente os sem nenhuma personalidade própria, sabem que devem seus postos ao líder Netanyahu e temem não apoiá-lo.
Há muitos que esperam a oportunidade, mas um ousou enfrentá-lo, o deputado Gideon Saar, do Likud (na foto da capa com Netanyahu) e que já foi Secretário do Gabinete do Primeiro Ministro Netanyahu, em 1999 e é um dos mais votados no Likud. Serviu como Ministro do Interior e também Ministro da Educação e, já há alguns anos, a paz não reina entre eles. Saar exigiu eleições para a liderança do partido, após três derrotas na formação de governo. Deputados e partidários do Saar temem apoiá-lo abertamente, mas aos poucos começa pipoquear apoio para as eleições internas que serão realizadas no dia 26 de dezembro.
Os dois líderes percorrem todo o país em busca de apoio e votos. Um fato feio foi descoberto nestes dias é de que no livro de eleitores do partido, foram retirados milhares de nomes, principalmente dos que apoiam o deputado Gideon Saar. A desculpa foi de que se trata de “um erro”. O desafio do Saar incomoda o Netayahu. Os censos de opinião pública mostram que sob a liderança do Netanyahu, o Likud cai para 31 deputados e o Gantz sobe para 37. Com a liderança do Saar, o Likud cai para 27 deputados, mas o bloco da direita sobe de 55 para 60 cadeiras.
Não só a paralisação do país por este interminável impasse incomoda a população. Os custos diretos destas três eleições são avaliados em 10 bilhões de shekalim (11,5 bilhões de reais), que poderiam ser melhor empregados em hospitais, educação, ajuda a idosos, etc…
Todos entendem – mesmo os que não querem – que se Netanyahu deixasse o governo já teríamos um novo governo. Tanto é que a maioria da população acusa Netanyahu pela responsabilidade das novas eleições (52%). É seguido por Liberman com 21% e o Gantz com 8%. No entanto, o mago politico faz de tudo para não deixar o poder. Age e manda seus leais companheiros desacreditar a justiça, a polícia, a imprensa e todos que se opõem a ele. Diz-se perseguido e acredita no que diz: “não houve nada, porque não houve nada” e, até ser provado, ele é inocente. O melhor seria ir à justiça e provar sua inocência. Mas Netanyahu parece buscar escapar da justiça atrás da imunidade parlamentar. Numa última tentativa, Gantz propôs a Netanyahu declarar que não recorrerá à imunidade e aí formarão governo. Netanyahu não aceitou o desafio alegando que é provocação para a mídia.
Sendo governo de transição, não se muda ministros, mas Netanyahu demitiu a Ministra da Justiça, Ayelet Shaked e nomeou novo ministro, o deputado Amir Ohana, um dos seus maiores defensores. Este logo de entrada disse que não tem que aceitar todo veredito da justiça. Na terça-feira (17), último dia no posto do atual Procurador do Estado, Shai Nitzan, o ministro Ohana contrariando o Procurador Geral do Estado, Mandelblit, enfiou o dedo no olho deste ao nomear outra pessoa, a advogada Orly Ben Ari Ginzberg, que nem foi apresentada como alternativa. O Supremo Tribunal intercedeu e embargou sua posse.
Para se eleger, Netanyahu faz declarações que contrariam a vontade dos interessados como a declaração da anexação do Vale do Jordão para agradar radicais da direita. Se realmente quisesse anexar, poderia tê-lo feito nos mais de 10 anos no posto. Mesmo alegando buscar aliança militar com os EUA, contraria a cúpula militar, que não quer perder sua independência de ações.
Na semana passada estive no Museu Begin em Yerushalaim. Ver e ouvir o grande líder e compará-lo ao atual é comparar o dia à noite. Begin serviu o povo com humildade, lealdade aos colegas e as instituições estatais. O Estado era primário e ele, Begin, seu servente, procurou unir todos os segmentos do povo. Netanyahu se acha o Estado, ataca os que o contrariam, busca discórdia e desacreditar os rivais para se fortalecer.
Os veteranos deputados e ministros do Likud, como Beni Begin (filho do Menachem), Dan Meridor, Limor Livnat e muitos outros deixaram o partido. Beni Begin declarou na terça (17): “não é possível termos um Primeiro Ministro com graves acusações e que continue no seu posto”.
Em resumo: Neste impasse no cenário político pelos caprichos do Netanyahu, um país inteiro foi sequestrado para impedir sua apresentação à justiça. Nada do que disse ao ex-Primeiro Ministro Olmert, de que um governante sob suspeitas tem que se demitir, ele faz. Se Netanyahu pedisse o meu conselho (e não pede), eu lhe diria: “você fez muita coisa pelo país e tem seus méritos, não perca tudo se você for à justiça e perder. Você não consegue formar um novo governo e pelos censos não conseguirá. O país desperdiça muito dinheiro em vão e o país está paralisado. Não há outra alternativa senão de demitir-se do governo e do Knesset, se dedicar totalmente aos seus julgamentos e provar a todos tua inocência. Você que diz que não há nada porque não houve nada, se sair dessa voltará como grande líder. Não tema largar as cornetas do trono, até mesmo o corrupto líder do Shas, Arie Deri, que foi Ministro do Interior, julgado e encarcerado por 7,5 anos, retornou a politica, obteve a liderança do Shas e lhe empossaste no mesmo posto, Ministro do Interior (e está sendo novamente investigado)”. Aí acordei e vi que nada do que o aconselhei foi aceito e feito. Uma pena.