Não tem pão? Comam brioche!
Por Nelson Menda
Essa frase, aparentemente pronunciada por Maria Antonieta, esposa de Luiz XVI, em 1789, teria sido o estopim que acendeu a chama da ira popular contra a família real francesa. Revolta que culminou com a queda da monarquia e a condenação à morte da autora, juntamente com toda sua família.
Será que a simples menção ao consumo do brioche teria sido capaz de provocar tantas tragédias? Revisores da história, de tempos em tempos, tem procurado dissociar a queda da monarquia gaulesa a essa infeliz expressão de sua rainha que, na realidade, não era francesa, mas austríaca.
O festejado 14 de julho de 1789, que comemora a Queda da Bastilha, não representou o fim da realeza, pois 25 anos depois, em 1814, Napoleão Bonaparte foi coroado imperador, restaurando o poder e o esplendor do antigo sistema monárquico.
Mas o que teria levado Maria Antonieta, mulher inteligente e sofisticada, àquele suposto desvario? Tudo faz crer que a soberana, distanciada social e economicamente do povo, que passava privações e, mais importante, ignorando o surgimento de uma nova classe, a burguesia, teria exagerado na dose.
Verdadeiras ou não, suas palavras, que soaram como uma provocação, devem ter sido utilizadas pelos revoltosos para alavancar o projeto de tomada do poder e a instauração da república.
Não pretendo analisar o que aconteceu com a família real e a própria liderança revolucionária francesa, pois acabaram todos guilhotinados. Vou me ater ao mencionado brioche, que só vim conhecer e degustar a relativamente pouco tempo. Entre outras razões, para avaliar se teria compensado perder o trono e o pescoço em função de uma simples iguaria. Gostaria de detalhar como ocorreu meu encontro com aquele emblemático e histórico acepipe.
Por diferentes motivos tive de modificar alguns hábitos incorporados ao meu dia a dia. Dentre eles, o de fazer compras, pessoalmente, nos supermercados norte-americanos, um colírio para os olhos e uma tragédia para o bolso, por causa das infinitas tentações expostas em suas prateleiras. Em razão da pandemia e da limitação da minha capacidade de locomoção tive de substituir os tours de compras presenciais pelos aplicativos, onde os produtos são escolhidos pela Internet e entregues na residência do cliente. Como guloso assumido, sempre gostei, quando podia ir pessoalmente à uma padaria ou supermercado, de comprar pão recém saído do forno e ter o prazer de degustá-lo, já em casa, acompanhado por patês, queijos, geleias ou, simplesmente, uma deliciosa manteiga fresquinha.
Quando se faz uma compra online tem-se a vantagem de poder optar por uma variedade ainda maior de pães, mas sem a possibilidade de apalpá-los, avaliar sua textura e sentir aquele cheiro gostoso do pão quentinho. Ao acessar o site do supermercado local deparei, pela primeira vez, com a imagem de um brioche, que julgava pertencer, apenas, ao passado. Comprar ou não comprar?
Decidi experimentar e descobri ser um pão de textura mais espessa, de cor amarelada, levemente adocicado e gosto muito parecido com o da chalá, o tradicional pão judaico servido na ceia do Shabat. Apenas a forma é distinta, pois enquanto a chalá é trançada o brioche pode ser arredondado ou apresentado em fatias, como um pão de forma. Tanto a chalá quanto o brioche permanecem com a textura e o sabor inalterados durante mais tempo do que o pão tradicional, o que fez aumentar minha curiosidade. Seria o brioche, originalmente, um alimento judaico, à semelhança do matzá, o pão ázimo do Pessach? Ou, quem sabe, do “pão de parida” da tradição sefaradi, conhecido como pão frito no Rio Grande do Sul e rabanada no Rio? Ou dos bagels, originários do beigale, pãozinho que se incorporou aos hábitos alimentares dos norte-americanos? Ou, ainda, do rye, o pão de centeio das delis judaicas de Nova York?
Para minha surpresa, o brioche que encomendei pelo aplicativo do supermercado provinha do exterior. Apesar da embalagem ostentar uma fulgurante Torre Eiffel, descobri que ele tinha sido produzido em uma panificadora inglesa da cidade de Manchester. Raciocinei com meus botões. Como Portland, no Oregon e Manchester, na Inglaterra, ficam em países e continentes distintos e distantes, para que o brioche mantivesse o sabor e a consistência inalterados ele só poderia ter sido transportado por via aérea. Onde estou querendo chegar? Que, provavelmente, tem mais apreciadores da iguaria que derrubou a monarquia francesa e tirou a vida de Maria Antonieta do que a nossa vã filosofia possa imaginar.
Por falar nisso, caros leitores, vocês já provaram brioche? Quando surgir a oportunidade, aconselho que o façam, para conhecer a saga de um pãozinho adocicado que mudou a história, não digo de todo o mundo, mas certamente de grande parte dele.
Foto: ElodiV (Pixabay)
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Adoro pao, de qualquer jeito. Nunca comi brioche , talvez os lugares onde eu compro nao existe.
Hoje comprei um pao doce, novidade para mim, estava bom.
Aprovo mudanca, embora seja ligada num pao integralmpor questoes de comer apropriado.
Susana Menda
Oi, Susi. Recebi tantas dicas de locais que produzem e comercializam brioches no Rio que até me espantei. O melhor pão de Miami Beach, no meu entender, está naquela panaderia argentina da Collins, que também produz deliciosas empanadas. Aqui em Portland existem boulangeries autênticas, onde se come muito bem. Só não dá para querer, ao mesmo tempo, degustar petiscos deliciosos e ficar de olho na balança. Nos vemos mañana. Saludos. Nelson