Medo de sirene, moto, buzina…
Por Simone Wenkert Rothstein
Neste blog você vai acompanhar os diálogos entre a Ana(lista) e outros personagens em conversas imaginárias, baseadas em fatos reais. Nesses encontros, Ana ajuda o seu interlocutor a refletir sobre algum incomodo, alguma situação complicada que a vida lhe trouxe. E bem, se você se identificar com as questões abordadas, não é mera coincidência, trata-se de questões que fazem parte da subjetividade humana e das Loucuras Cotidianas de qualquer olê chadash.
Neste diálogo você vai acompanhar uma reflexão a partir do estranhamento de Tali diante do choro de uma amiga que “parecia uma bebezinha”, “simplesmente” porque passou uma ambulância e uma moto.
Tali: Oi Ana, estava há dias querendo falar com você. Sabe, no fim de semana encontrei uma amiga que mora perto de Gaza.
Ana: Perto de Gaza, difícil, né? Mas como foi o encontro, no que é que você ficou pensando?
Tali: Ela e os pais vieram almoçar lá em casa. Daí, no meio do almoço, passou uma ambulância, outra hora passou uma moto e nas duas situações, minha amiga correu pro colo da mãe dela, chorando. Sei lá, achei beeeem estranho. Parecia uma bebezinha, sabe, ela já é grande, tipo, deve ter uns 12 anos.
Ana: E o que você acha que estava acontecendo com ela? Você reparou que os dois momentos que ela foi pro colo da mãe foi quando passaram a ambulância e a moto, né?
Tali: Foi sim. Parece que ela fica assustada com qualquer barulho. Parece que aqueles sons que fazem parte da vida da gente, pra ela, é como se fosse uma coisa muito assustadora e daí ela começa a chorar. E então foi pro colo da mãe dela, como se o colo da mãe dela fosse um bunker, sabe?
Ana: Acho que você foi muito sensível pro que tá acontecendo com tua amiga. E, sim, colo de mãe, em geral é dos melhores refúgios, traz um sentimento de conforto, de confiança e de segurança. Mas e quando a gente não tem o colo da mãe?
Tali: A gente precisa encontrar outras maneiras de se sentir seguro. E eu sei que lá no sul tem muita sirene e eles tem muito pouco tempo pra chegar no bunker ou no mamad. É muito mais difícil se sentir seguro.
Ana: É verdade. E você Tali, como se sente quando toca sirene.
Tali: Olha… Eu fico assustada, me dá medo. Mas lá em casa a gente tem mamad, tem lugar pra sentar, junta toda a família. A gente deixou uns jogos e travesseiros, acaba que virou um canto da casa em que eu me sinto bem, me sinto segura.
Ana: Que interessante o que você tá contando. Olha só. A sirene é a mesma na tua casa e na casa da tua amiga. Nos dois lugares elas tocam pra avisar que algo perigoso pode acontecer e que é preciso se proteger. No caso da tua amiga, provavelmente as sirenes acontecem com maior frequência e com menos tempo para as pessoas se protegerem. Quer dizer, provavelmente toda a situação é vivida com muito mais tensão, com mais sensação de risco, de desproteção.
Como você mesma disse, ela parecia uma bebezinha. Todo mundo: crianças e adultos podem reagir como bebezinhos quando vivem uma ameaça muito grande que provoca a sensação de desproteção. Nesses momentos de muuuito medo, as sensações físicas são mais fortes do que a nossa capacidade de pensar: o coração dispara e a respiração fica também tão acelerada, parece que vai sufocar, que o coração vai sair pela boca. Ninguém sabe o que vai acontecer e o nosso corpo liga uma espécie de sirene no coração, na respiração.
Tali: Mas e aí, se a gente não sabe o que vai acontecer quando a sirene toca, como não se desesperar e acionar as sirenes do nosso corpo?
Ana: Você já me deu a dica.
Tali: Eu???? Como assim?
Ana: A gente não sabe o que vai acontecer. Mas por outro lado, sabemos sim. Sabemos que temos que nos proteger. E se soubermos mais detalhes, por exemplo se soubermos o caminho pra chegar no abrigo. Se soubermos que dá tempo pra chegar, se soubermos quem vem com a gente, se soubermos que tem água pra beber se precisar, se soubermos que tem lugar pra se sentar, se soubermos que tem até jogo pra jogar. E tem mais, além de saber de tudo isso, quando a gente sente que não está sozinha, que tem pessoas na mesma situação, pessoas com quem dá pra falar sobre o medo, sobre a guerra. Pessoas que não são a mãe, mas só de saber que dá pra contar com elas… (Tali interrompe e completa a frase)
Tali: Uau, tudo pode ajudar a gente a se acalmar?!
Ana: Exatamente. Fica mais fácil ou menos desesperador porque tornamos a situação mais conhecida. Vamos ganhando mais controle e isso acalma. Então ajuda muito quando a gente faz uma espécie de ensaio, experimenta o caminho, o tempo, o lugar, quando a gente pode escolher algo, um objeto, um brinquedo que vai estar lá quando a gente chegar. Tornar aquela situação conhecida e bem acompanhada, acalma.
Tali: Entendi. Acho que vou falar com a minha amiga, quem sabe se no bunker tiver um jogo que ela gosta ou uma almofada da cama dela. Ou, sei lá, se ela brincar com os amigos de quem chega mais rápido no bunker, tipo um “pique-bunker”, quem sabe ajuda, né?
Ana: É uma ótima ideia. Além do que você vai sugerir, com certeza ela vai se sentir acolhida por você, pelo teu carinho, pela tua atenção.
Tali: Sabia que ia ser bom conversar com você! Beijo!
Ana: Um beijo pra você.
Foto: PickPik