Longevidade
Por Nelson Menda
Tia Luna, irmã do meu pai, está prestes a completar 100 anos. Guardo dela, com muito carinho, excelentes recordações da infância, adolescência e da fase adulta da vida. Que eu saiba, será a primeira pessoa da família, Baruch HaShem – Se Deus Quiser – a comemorar um século de vida.
Quantos amigos e parentes já se foram, enquanto muitos outros continuam por aí, lépidos e fagueiros? Essa é, sem sombra de dúvida, uma das incertezas que todos nós somos obrigados a enfrentar. Até quando iremos viver? Como já dobrei o Cabo da Boa Esperança em matéria de idade, aprendi que o mais recomendável é imaginar que continuaremos vivos e produtivos pelo maior tempo possível, de preferência por toda a eternidade. O que me deixa cabreiro é o fato de ter perdido tantos amigos e amigas que já se foram, alguns ainda jovens, mas conservo na memória o privilégio de ter compartilhado muito bons momentos em sua companhia. Converso com eles em sonho e também em estado de vigília.
Por falar em sonhos, posso me considerar um privilegiado, pois além de ter vivido e presenciado situações únicas, sou portador de uma imaginação bastante fértil. Não se passa uma noite sequer sem que algum episódio de que tenha participado ou tomado conhecimento volte a ocupar meus pensamentos noturnos.
Durante a faculdade, lá se vão um bom par de anos, tive o privilégio de contar com um professor de Psiquiatria que forneceu subsídios para que pudéssemos aprender a interpretar os sonhos. Apesar de espiritualista, ele utilizou o método científico desenvolvido, pioneiramente, por Freud. Além disso, sugeriu que seus alunos deixassem, na mesa de cabeceira, papel e caneta para que os sonhos fossem anotados antes que o despertar os apagasse da memória.
Os sonhos, além de fugazes, utilizam uma linguagem cifrada que, felizmente, já pode ser interpretada, desde que possamos dispor das ferramentas adequadas para isso. À medida que envelhecemos, a lembrança dos fatos recentes se esvai. É comum esquecermos do que ingerimos no café da manhã ou almoço da véspera. Em compensação, os acontecimentos do passado se tornam cada vez mais vívidos. Daí muitas pessoas idosas se tornarem repetitivas, contando e recontando as mesmas histórias, sem lembrar que já as tinham relatado. É preciso ter paciência, pois todos nós iremos envelhecer e correr o risco de passar por uma situação dessas. A recomendação dos geriatras é que não se deve chamar a atenção quando uma pessoa idosa ficar repetindo, pela enésima vez, algum episódio do passado.
A figura bíblica mais relacionada à longevidade é Matusalém, cultuado tanto na tradição judaica quanto na cristã e muçulmana. Asseguram as escrituras que ele teria vivido exatos 969 anos, além de ter sido avô de Noé. Isso mesmo, o Noé da Arca, que teria garantido a preservação da vida humana e animal após as inundações provocadas pelo Dilúvio, se é que esse fato, efetivamente, aconteceu da maneira como é relatado. A própria vida me ensinou que, atrás de cada lenda, existe algum fato real que a história tratou de enfeitar com alegorias mágicas.
Atualmente, graças ao progresso dos meios científicos, é possível conhecer a previsão do tempo, mas na era bíblica era tudo mais complicado. Que o diga José do Egito, ao interpretar os sonhos do Faraó. Ao relacionar as sete vacas gordas e magras aos ciclos de fartura e escassez das safras agrícolas, pode garantir, além da própria, a sobrevivência do soberano e seus súditos.
Hoje em dia, com os modernos métodos do manuseio da terra, do plantio racional das diferentes espécies vegetais, associado ao progresso da meteorologia, ficou tudo bem mais fácil. Desde que a ciência se sobreponha ao achismo, à ignorância e à própria teimosia humana que, infelizmente, vicejam em paralelo. A inteligência está em saber identificá-las e diferenciá-las.
Nesse particular, a vantagem de se viver mais está em poder reconhecer, com a devida antecedência, os sinais de que alguma coisa não está ocorrendo como deveria. Esse é um dos poucos benefícios da longevidade. Daí dizer-se, à boca pequena, que o diabo é sábio porque é velho.
O mundo, no presente momento, está enfrentando mais uma de suas cíclicas crises políticas, com a agravante da ameaça de utilização de armas nucleares. Pelo jeito, os czares da Rússia Imperial se materializaram na figura histriônica de um líder que aprendeu seus golpes baixos na famigerada KGB. Que, não satisfeito em derrotar seus opositores, trata de exterminá-los com veneno, no melhor estilo da Família Bórgia.
É impossível prever o que teremos pela frente e, pelo menos sob esse aspecto, a longevidade possibilita vislumbrar com mais nitidez o que o futuro, ao que tudo indica, nos reserva. Parece que o projeto macabro de estrangular a economia do ocidente com o controle do fluxo de gás natural acabou saindo pela culatra. E o estrangulador, que contava faturar em rublos e marcos, acabou, ele mesmo, vitimado por sua suposta esperteza. Pelo jeito, mais uma vez o feitiço se voltou contra o feiticeiro.
Foto: Sabine van Erp (Pixabay)
Muito bom, Nelson! Texto amplo que nos leva a refletir sobre muitos aspectos da vida. Gracias maestro!
Uma das pessoas que mais influenciou minha vida, especialmente depois da adolescência, foi teu pai, carinhosamente chamado de Tutu. Herdaste dele o talento para a arte e a capacidade de fazer e conservar amigos. Obrigado por ler e difundir meu Blog.
Muito bom texto – como sempre! Filha coruja!?