Lembrar e jamais esquecer
Por David S. Moran
O dia 27 de janeiro foi designado pela ONU como o Dia Internacional da Recordação às Vítimas do Holocausto. Isto ocorreu em 2006, mas mesmo antes, alguns países como Israel, Alemanha, Inglaterra, EUA e outros, já tinham designado o dia da libertação do terrível campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, em 27 de janeiro de 1945, como o dia em memória às vítimas do regime nazista e seus cúmplices.
O problema geral da humanidade é que esta lição de ódio, racismo e assassinato em massa, ainda não foi aprendida. O problema particular do povo judeu é que nossos pais, ou avós que sobreviveram à tragédia do Holocausto e dos horrores, queriam nos poupar, não contando pelo que passaram.
Eu cresci com a minha irmã, Aviva, sabendo que nossos pais eram sobreviventes do Holocausto e bem pouco mais. Ouvíamos algo, sempre que vinham amigos, geralmente que passaram pelo mesmo destino e a primeira pergunta era: “que lager (pronuncia-se “laguer”, significa “campo….”) você passou?”
No armarinho da cama do lado do meu pai, tinha três fotos marrons, velhas. Sabíamos que eram da esposa, do meu pai Ida (Katz) e que ele tinha um filho, Gyuri(1937-1944) e uma filha, Marika (1941-1944) que foram levados e mortos pelos nazistas. Meu pai, Karoly/Carlos Jekutiel Markovits, que era forte e foi na idade militar, soldado húngaro (bem antes da guerra), foi levado para campos de trabalho forçado, no front russo. Antes dos alemães entrarem e conquistar a Hungria, em março de 1944, meu pai voltava de vez em quando a sua cidade ver a esposa e filhos. Depois, esteve nos campos de trabalho e não os viu mais.
Quando a 2ª Guerra Mundial terminou, meu pai voltou à cidade onde vivia e não encontrou a esposa e filhos. Seu bem sucedido negócio, já tinha sido saqueado. Todo dia viajava a Budapeste, procurar nos cartazes da Federação Judaica os nomes dos judeus que conseguiram sobreviver ao Holocausto e ter a esperança de que seus entes queridos sobreviveram. Não teve esta sorte. A esposa e seus filhos foram brutalmente assassinados, entre os 6 milhões de judeus que o foram. Um terço do milenar povo judeu foi extinto.
Minha mãe, Klara/Hana Vogel, sobrenome de solteira, também foi deportada com os pais e duas irmãs, de sua cidade, perto de Budapeste. Depois de passar pelo gueto, foram transportadas em trem até a Polônia, chegando ao famigerado campo de concentração e extermínio de Auschwitz. Quem as recebeu e fez a triagem, foi o oficial da SS, Dr. Josef Mengele, o “anjo da morte”. Todos se aglomeraram apavorados. As três irmãs jovens, ele mandou para o lado das pessoas que podiam lhe ser úteis. Os pais, que seriam meus avós, que não tive nem do lado do meu pai, foram enviados com o braço do carrasco para o outro lado, o da morte. “Foi a última vez que vi meus pais”, relembra até hoje com tristeza e lágrimas, a minha mãe, de quase 101 anos, do Residencial Israelita Albert Einstein, em São Paulo
As histórias são inúmeras e além da imaginação. Mesmo de sobreviventes. Os exércitos libertadores não conseguiam captar o horror que viam dos sobreviventes. Davam-lhes, de boa vontade, quantidades enormes de comida em conservas. Um primo do meu pai sobreviveu com seu irmão e estavam voltando a pé, para a Hungria. Magros, sem forças, encontraram soldados americanos pelo caminho. Estes lhes deram conservas militares, que eles devoraram. Não estavam acostumados e estavam famintos. Quando foram dormir, um dos irmãos adormeceu para sempre. Seu corpo que resistiu a tudo durante o Holocausto, não conseguiu resistir à comida que ingeriu e faleceu durante o sono.
Meu primo duplo, Gabor, do Rio, contou-me há alguns anos atrás, que a sua mãe, Maria Guth (de solteira), passou a ocupação nazista em Budapeste, passando escondida em vários lugares, às vezes ajudada por cristãos húngaros. Contava-lhes que seu esposo era herói militar húngaro e assim ganhava a simpatia dos nacionalistas húngaros. Sempre tinha que fugir para não levantar suspeitas. Numa certa ocasião, teve que se esconder no fundo da vala do elevador de um prédio em Budapeste.
A fé em consequência do Holocausto
Um dos efeitos desta época negra na história judaica foi que muitas pessoas se perguntaram: “como é possível que Deus exista e deixou os nazistas a cometerem essas atrocidades?” Deixaram de acreditar em Deus. Por outro lado, muitos outros sobreviventes, viraram ou se aprofundaram na sua fé, dizendo: “se sobrevivemos a esses horrores é pela ajuda de Deus”.
A banalidade do Holocausto
Não bastando os antissemitas e os negadores da existência da Shoá/Holocausto, atualmente há muita banalidade no termo do Holocausto, ou mesmo no de nazistas. Em qualquer lugar do mundo, onde há violência, geralmente se encontrará alguém que a comparará à violência ao Holocausto. Não houve jamais algo semelhante à Shoá. O regime nazista planejou exterminar um povo inteiro, só por ser de uma religião, mesmo que na maioria dos países da Europa houvesse cidadãos da religião judaica, que eram poetas, cientistas, escritores, heróis nacionais e em todas as camadas sociais.
A obrigação da Humanidade é lembrar e jamais permitir que algum regime, ou líder pense em liquidar outro povo, raça ou religião. A história do Holocausto deve ser aprendida e jamais repetida.