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Imigração, imersão, integração…

Por Beny Rubinstein

Há poucas semanas cantamos “Ma nishtana ha’layla ha’zé mi’kol há’leylot?” (“O que é diferente entre esta noite e todas as outras noites?”). Iniciamos a contagem do “Omer” no término do Pessach enquanto nos aproximamos do feriado de Shavuot. Porém nesta semana tivemos dois feriados que são muito diferentes de todos os outros: Yom Ha’zikaron (“Memorial Day”) e Yom Ha’atzmaut (73º aniversário da Independência do Estado de Israel).

Normalmente, escrevo sobre inovação, startups, Inteligência Artificial e temas tecnológicos. Eventualmente, faço contribuições em algumas colunas e atuo como mentor para auxiliar imigrantes a se posicionarem no mercado de trabalho em Israel. Mas qual a conexão entre todas essas coisas? E mais ainda, o que têm os feriados deste mês a ver com tudo isso? Bem, apertem os cintos e vamos lá.

Aos 26 anos de idade, aprendi a viver como “imigrante” nos Estados Unidos. Ao longo de 15 anos, fui aprendendo o que significava “viver nos EUA”, mas levou muito tempo para entender o que é “ser americano”. A diferença não está somente na situação jurídica (visto de estudante, visto de trabalho, green card, cidadania); a diferença está em parar de pensar como “nós vs. eles”. Celebrei muitos dias da Independência dos EUA com fogos de artifício no 4 de julho e me emocionei com a perda da vida de soldados americanos. Mas será que nesses feriados eu fui de fato capaz de reviver aqueles momentos, assim como tento experienciar o Seder de Pessach? Claro que são coisas distintas; porém desde criança recebi os valores judaicos transmitidos de geração em geração, praticamente aprendi a experienciar o Seder como se também eu estivesse deixando o Egito rumo ao recebimento da Torá no Monte Sinai… Há muitos anos (quando ainda vivia nos EUA) eu decidi me tornar um judeu mais praticante: observar as leis da kashrut, guardar o shabat, e celebrar os feriados judaicos. Mas será que eu realmente vivenciei todos aqueles “Independence Day” e “Memorial Day” como se lá houvesse estado, naquelas batalhas? Percebi que é possível viver como um “expatriado” em um país – inclusive com status de cidadão. Basta apenas “importarmos” nosso mindset de onde vivemos anteriormente, e usarmos estes mesmos valores como referência. Sentia-me grato por viver nos Estados Unidos, amei o país e celebrei suas vitórias e conquistas; mas realisticamente hoje me pergunto se de fato cheguei a compreender profundamente alguns elementos da sociedade americana olhando “de dentro para fora” e não “de fora para dentro”.

Voltemos agora a 2021: há mais de dez anos visito Israel anualmente. Há cinco anos vivo em Israel. Há um ano e meio me tornei cidadão israelense. Porém somente neste ano realisticamente comecei a entender o que é ser israelense.

Explico: existe uma diferença muito grande entre ser um judeu na diáspora, ser judeu vivendo em Israel como um “expatriado”, e ser israelense. De certa forma é bastante mais simples ser judeu na Diáspora: não participamos de guerras. Não nos envolvemos com política em Israel. Enfim: vivemos em um mundo paralelo, encantados pelas histórias que ouvimos pelas Agências Judaicas, porém bastante distantes do que de fato é a realidade da sociedade moderna israelense (e suas razões).

Essa semana, “caiu a ficha”: um amigo de longa data, ex-Shabak (Agência de Segurança Israelense) enviou-me algumas mensagens via WhatsApp no dia do Yom Ha’zikaron contendo uma lista longa de amigos e parentes que perderam suas vidas para que nós pudéssemos estar aqui hoje. Um pequeno detalhe: entre eles, encontrava-se um oficial da Inteligência chamado Mohammad Qassem Sayed Ahmed, morto em uma operação especial em 1956, junto com três outros oficiais drusos que instalaram um dispositivo de escuta em um telefone de uma base militar na Síria.

Meu ponto não é político ou religioso; simplesmente nesse dia meu amigo israelense (que por sinal vive no exterior há 22 anos) me ensinou uma lição de perspectiva: “Beny, eu sei que você é sionista, que é um judeu dedicado, porém está na hora de deixar de viver como um judeu da Diáspora residente em Israel! Pelo menos durante esses dois dias do ano, deixe de lado um pouquinho tópicos relacionados ao judaísmo como aprendeste na Diáspora e foque em entender e sentir o que é que os Israelenses passaram para que hoje tenhamos o Estado de Israel”. Uau. Por alguns momentos, senti-me incomodado. Como assim? Muitas e muitas mensagens trocadas depois, finalmente entendi que ainda que Israel e judaísmo estejam fortemente relacionados, é preciso às vezes deixar nossa “bolha” e todo o legado do que aprendemos no Brasil e no mundo afora para de fato mergulharmos e entendermos as questões existenciais atuais do Estado de Israel, incluindo a experiência militar de nossos amigos e colegas com os quais convivemos. Hoje procuro aprender muito com um colega de trabalho que trabalhou 30 anos no Mossad, que também perdeu muitos colegas e amigos em missões perigosíssimas ao Líbano. Claro que o que ele me conta não chega a 1% do que ele vivenciou já que não pode compartilhar muito, mas já me dá uma ideia do que fizeram as pessoas ao nosso redor para que possamos hoje celebrar os feriados judaicos e festas em Eretz Israel. A vivência militar é um dos elementos que compõem a sociedade moderna Israelense; muitas amizades foram feitas aí, muito foi aprendido, muito foi conquistado – e muito foi perdido. Para nós, que chegamos aqui “velhos demais para servir o Exército”, vale talvez tentar entender o que passaram estes soldados – aliás, de vários gêneros, cores, idades e religiões. Estas pessoas incluem muitos judeus religiosos, muitos seculares, além de cristãos, drusos e por aí vai… foram eles que lutaram e tombaram por este país que ora cumpre 73 anos de idade. E de uma certa forma nós, que crescemos na Diáspora, parecemos conhecer mais sobre personalidades bíblicas que viveram há milhares de anos do que sobre aqueles que defendem o Estado de Israel e que lutaram em guerras como a Guerra da Independência (1948), Guerra de Seis Dias (1967) e Guerra do Yom Kipur (1973), sem contar todos aqueles que nos protegem de ataques terroristas e várias outras ameaças à nossa segurança em Israel.

Portanto, meu conselho é que sigamos curtindo as coisas boas que Israel nos oferta; comamos muitos pães de queijo e brigadeiros em Eretz Israel (eu adoro!), celebrem cada feriado judaico com fervor; mas lembrem-se que não basta nos aprimorarmos no idioma e nos posicionarmos no mercado de trabalho para termos uma vida plena e integrada na sociedade Israelense. Após a imigração e alguns anos de imersão, vale à pena experimentar o que é uma verdadeira integração. Este é um passo que requer uma mudança de mindset – de “olim hadashim” ou “judeus latino-americanos” (como eu costumava me descrever) para cidadãos Israelenses. Não é fácil, porém é a chave para uma real e profunda integração à sociedade Israelense.

“It is better to be on the outside looking in, than on the inside looking out.” – Rabbi Yosef Yitzchak of Lubavitch

14 comentários sobre “Imigração, imersão, integração…

  • Beny Rubinstein você escreve bem e concordo com muita coisa mas não consegui com minha pouca inteligência entender essa “Após a imigração e alguns anos de imersão, vale à pena experimentar o que é uma verdadeira integração. Este é um passo que requer uma mudança de mindset – de “olim hadashim” ou “judeus latino-americanos” (como eu costumava me descrever) para cidadãos Israelenses. Não é fácil, porém é a chave para uma real e profunda integração à sociedade Israelense”. O que significa na prática eu não entendi.
    Mais uma coisa. Amigos que eram do Shabak e Mossad. Pois é, um fugiu de Israel e vive 22 anos fora. O segundo “conta” 1% do que fez no Mossad. Sem entrar no mérito da questão…quem conta 1% e é pego contando 1% paga preço de ter contado 100% e quem foge de Israel não deveria estar dando piruada. Boa sorte

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    • Caro Tzvi, primeiramente agradeço pelo seu tempo de leitura, reflexão e feedback. Peço desculpas se não ficou muito claro o que essa “integração” significa “na prática”; de fato, foram muitos pensamentos que passaram pela minha mente que precisei sintetizar ao máximo questões bastante pessoais e complexas – portanto não creio que seja uma questão de muita ou pouca inteligência, apenas uma questão de experiências distintas. Em resumo, creio que qualquer mudança – incluindo a imigração – possui uma estrutura semelhante à “Hierarquia de necessidades de Maslow”: primeiro, aprendemos a sobreviver e endereçar questões básicas e estruturais; eventualmente, podemos lidar com questões de realização pessoal e daí creio que entramos em uma fase de “integração” – quando conseguimos enxergar algumas coisas por um outro ângulo – não necessariamente baseado somente em nossas experiências e conhecimentos anteriores.

      Quanto aos meus colegas, entendo sua perspectiva mas creio que faltou um pouco de contexto: o que me relatou 1% talvez tenha relatado 0.1% (não tenho como avaliar), e foram fatos de 30 anos atrás que já são públicos. O mérito aqui não é na revelação de “segredos” ou violação de quaisquer códigos de ética ou jurídicos, apenas no intercâmbio de emoções vivenciadas ao longe de 3 décadas de dedicação ao país. O meu outro amigo vive no exterior também, mas não considero que tenha “fugido” do país, simplesmente foi obter outras experiências pessoais e profissionais. Inclusive, esteve aqui recentemente comigo e considera regressar. Eu fiquei muito grato pela oferta dele em oferecer ser uma espécie de “mentor” no meu processo de intrgração pós-imigração.
      Um forte abraço e desejo somente sucesso, saúde e grande realizações!

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  • Beny, Achei essa passagem genial: “E de uma certa forma nós, que crescemos na Diáspora, parecemos conhecer mais sobre personalidades bíblicas que viveram há milhares de anos do que sobre aqueles que defendem o Estado de Israel e que lutaram em guerras como a Guerra da Independência (1948), Guerra de Seis Dias (1967) e Guerra do Yom Kipur (1973), sem contar todos aqueles que nos protegem de ataques terroristas e várias outras ameaças à nossa segurança em Israel”.
    Gostei MUITO do artigo. Reflexão de quem pensa e sente profundamente o mundo a sua volta. O artigo é intimista e de quem tem alma. Diferente da maioria dos textos robóticos e com algum tipo de viés que vemos por aí. Parabéns! 👏🏻👏🏻👏🏻

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    • Muito obrigado, Maxim, você é extremamente gentil e certamente entende as questões de imigração por experiência própria. Escrevi com o coração (e um pouco do cérebro), pois de fato é uma questão mais emocional (e portanto pessoal) do que pragmática (ao contrário dos artigos que geralmente publico mais relacionados a negócios). Seu feedback significa muito para mim!
      Forte abraço,
      BR

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  • Beny, excelente artigo meu caro. Compartilho este sentimento de “gap” por nao termos passado pelo mesmo “struggle” quando jovens. Boa reflexão.

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    • Excelente artigo. É um sentimento muito real para quem faz Aliah mais velho, mas talvez as experiências já vividas também nos faça dar mais importância ao que viver em Israel nos proporciona.

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  • Excelente texto. Várias pesquisas mostram que imigrantes conseguem se integrar na sociedade quando conseguem ‘romper a bolha’, expandir seu capital social para fora de sua etnia de origem, e mantém uma curiosidade em relação à novidade.

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    • Pois é, não é, meu amigo Charles? Nós vivenciamos isso nos EUA e em breve tomaremos uma cerveja em Israel para aprofundarmos este e outros temas descontraidamente e trocando de “óculos”…forte abraço!
      PS: já dizia Albert Einstein: “We can’t solve problems by using the same kind of thinking we used when we created them”.

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  • Parabéns Beny pela profunda reflexão e seus dicas. Compartilhei no meu facebook e enviei para meu filho e flia. que fez Aliyah em agosto de 2019. Estão super integrados e felizes. Meu neto prestes a servir🙏🙏.
    Que sirva muito para eles e Hashem abra portas de luz para os 4 🙏🙏👏👏👏👏🇮🇱💞🇮🇱💞🇮🇱💞

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    • Amen ve’amen! Muito obrigado pelo seu feedback, Stella. Me estimulou a dedicar mais tempo para continuar a escrever já que tem impacto positivo! Shabbat shalom u’mevorach!

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  • Beny, demais!
    Primeiro, adorei seu artigo. Realmente diferente de outras coisas que eu já li do que escreveu antes. Você é essa pessoa com espírito de carioca mas com coração israelense.
    Eu mesma já tinha sentido como é viver em outro país quando passei um tempo nos EUA, mas chegar em Israel é diferente. Acho que todo brasileiro que sai do Brasil leva consigo um pouco da nossa cultura, mas só quem vive em Israel entende o que realmente é fazer parte de algo. Assim como na comunidade judaica do Brasil as pessoas “se ajudam”, aqui em Israel é como se todo mundo fosse da mesma comunidade, de certa forma ainda “pequena”.
    Tem que correr atrás das coisas sim, mas acredito que isso só nos ajuda a enxergar como as recompensas da vida vem depois do esforço que colocamos pra chegar lá. Eu mesma tive que lutar pra conseguir entrar no exército, e consegui servir por 2 anos na unidade que escolhi. Eu pude passar um pouco do Brasil pra eles e conhecer muito de outras culturas. Em uma apresentação para o meu batalhão, falei sobre a “melting pot”, conceito que pode ser explicado melhor como um caldeirão no qual inserimos vários ingredientes, cada um diferente, mas que misturados formam uma única sopa. O exército é o melhor exemplo desse caldeirão que pode ter, afinal tem pessoas de diversos backgrounds, diferentes religiões, situações financeiras, nacionalidades, culturas etc, mas todos vestem o mesmo uniforme verde e dormem no mesmo local, comendo a mesma comida e fazendo as mesmas tarefas diariamente. Todos com um objetivo único de defender a pátria em que vivemos. E o exército nada mais é do que o reflexo da cultura do país, afinal aqui é obrigatório a todos, portanto todo mundo irá fazer, faz ou já fez o seu serviço para o país.
    No dia da independência, alguns fazem churrasco, alguns rezam o “Hallel”, alguns viajam com a família e outros estão no exército, mas com certeza todos de alguma maneira lembram deste dia tão marcante em que celebramos o Estado de Israel. Não importa se é cidadão nascido em Israel ou que chegou aqui no próprio dia do “Yom Haatzmaut”, como eu, neste dia todos vestimos azul e branco.

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