Gigante pela própria natureza
Por Nelson Menda
Já fui muitas coisas nessa vida, inclusive, prezados leitores, um gigante. Não estou delirando, apenas procurando relatar alguns episódios em que desempenhei, no palco, um personagem que, aos olhos, do público infantil, seria gigantesco. Já interpretei esse papel em localidades tão diversas como São Paulo, Santa Maria da Boca do Monte, Gravataí e minha cidade natal, a Leal e Valerosa Porto Alegre.
Na capital gaúcha interpretei meu personagem em uma instituição judaica, o Clube Campestre, instalado em uma belíssima sede às margens tranquilas do Rio Guaíba. Essa apresentação do Teatro Infantil de Marionetes no Campestre versava sobre um episódio clássico do judaísmo, o chamado Milagre de Chánuka.
Melhor rememorá-lo para melhor compreensão dos leitores. Não o evento bíblico em que a chama do óleo sagrado não poderia se apagar, mas naquela celebração às margens do Guaíba. Estava eu, em pleno palco, com o rosto maquiado e envergando um falso turbante quando as chamas do candelabro cenográfico encostaram, inadvertidamente, nos fios de nylon que serviam para sustentar os marionetes que, de imediato, entraram em processo de combustão. Os marionetes, sem os fios que os sustentavam, foram despencando, um a um sobre o pequeno palco, arrancando aplausos acalorados do público, extasiado com o inesperado efeito cenográfico do episódio. Eu, com parte do tronco no interior do pequeno palco, também estava assustado com o princípio de incêndio, que poderia se alastrar pelas cortinas e parte do cenário. Felizmente, com a derrocada, um a um, dos pequenos bonecos, o fogo foi contido, sem a ocorrência de vítimas humanas naquela que poderia ter sido uma tragédia real. O público, julgando que o efeito visual fizesse parte do roteiro do espetáculo, aplaudia acaloradamente e os membros da diretoria do Campestre solicitaram, encarecidamente, que o Teatro Infantil de Marionetes realizasse uma nova apresentação daquele espetáculo. Essa nova apresentação não chegou nem poderá voltar a ocorrer.
Passadas várias décadas daquela inesquecível performance, o fundador e dirigente do Teatro Infantil de Marionetes, meu querido amigo Antonio Carlos Sena, mais conhecido como Tutu, faleceu há poucos dias, aos 82 bem vividos anos. Além do teatro de bonecos, o mais antigo do Brasil, Sena organizou e apresentou diversos festivais dedicados às artes cênicas, inclusive o lançamento de um autor até então pouco conhecido, Quorpo Santo, no centenário de sua morte. Não por coincidência, em outra instituição judaica gaúcha, o Clube de Cultura.
É longa e vasta a relação da coletividade israelita gaúcha com o teatro. Na Sinagoga Sefaradi, por sinal a única em terras gaúchas, sempre houve um palco e a formação de elencos para a encenação de peças teatrais. Meu tio, Aron Menda, Z”L, além de se destacar, como ator, em diversas ocasiões, foi indicado representante da SBAT, a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais na capital gaúcha.
Por que, afinal, estou relatando esses fatos? Há poucos dias recebi a triste notícia do falecimento do meu grande e inesquecível amigo Antônio Carlos Cardoso de Sena, que tinha se transferido para uma antiga e paradisíaca vila de pescadores no litoral de Santa Catarina. Seu corpo foi transportado para o Theatro São Pedro, na Praça da Matriz, em Porto Alegre, onde recebeu as merecidas homenagens póstumas de admiradores e colegas. Descanse em paz, meu querido amigo. Fostes, sem sombra de dúvidas, um autêntico gigante na preservação e difusão das artes cênicas em nosso país.
Foto: Teatro Infantil de Marionetes (TIM)
Nelson,
Receba meu abraço sentido pela perda do amigo!
Angela
Oi Angela. Eu e o Antonio Carlos, que chamávamos de Tutu, compartilhamos muitos fatos e encontros festivos. Residíamos no mesmo bairro, em Porto Alegre, fizemos parte do Grupo Escoteiro Bento Gonçalves, de onde fomos convidados a nos retirar por não aceitarmos a rígida disciplina imposta. Realizamos muitas viagens e acampamentos, além das atuações no Teatro Infantil de Marionetes. Com minha ida para o Rio perdemos o contato imediato, mas um de seus filhos, o Cacá Sena continuou se correspondendo pela Internet. O Antonio Carlos se mudou para Garopaba, que ele adorava, onde um de seus irmãos teria inaugurado o primeiro cinema da localidade. Era um espírito irriquieto e criativo. Lembro de um Carnaval em que ele e a Reneide, sua esposa, envergavam máscaras que reproduziam seus próprios rostos, uma verdadeira paródia ao espírito do festejo. Solicitei a um amigo comum, o Joca, que me representasse na concorrida cerimônia de despedida, que teve lugar no foyer do Theatro São Pedro. Senti bastante a perda desse querido amigo.
Muito obrigado pela homenagem. São belas aventuras em comum contadas com maestria pelo amigo Nelson. Grande abraço meu e toda a família Sena.