Édipo, meu pai e um grande amor perdido
Por Mary Kirschbaum
“Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir
Ah, se ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que ainda posso ir
Se nós, nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir
Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu
Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato ainda pisa no teu
Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios ainda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair
Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir”
“Eu Te Amo”, Chico Buarque
Meu pai, amante de Chico, adorava esta canção, pela qual eu também sou apaixonada.
Meu pai me deixou aos 20 anos de idade, partindo deste plano físico.
Ficamos, nós, quatro mulheres enlutadas. Eu, sua mãe, minha mãe e minha irmã. Quatro fêmeas marcadas pela relação edípica.
“É o destino de todos nós, talvez, dirigir nosso primeiro impulso sexual para nossa mãe (no caso do menino)/nosso pai (no caso da menina) e nosso primeiro desejo assassino contra nosso pai (no caso do menino)/nossa mãe ( no caso da menina)” (Freud).
Segundo Freud, então, nosso primeiro amor e modelo de amor, no caso da menina é o pai (e vice versa para o menino).
Toda a vez que chega um paciente na clínica, vivenciando momentos dificílimos de ruptura amorosa. Meu suporte e escuta muitas vezes se baseará, em entender quais são as reais perdas vivenciadas nesta separação e quais as “fantasiosas”.
Ou seja, o que de verdade se dará neste “luto” (seja ele de morte do parceiro, seja ele de separação em vida).
Uma coisa é a pessoa concreta, da qual ela está se separando, suas reais características…
E todo o resto é o que não podemos suportar, já desde a perda da nossa relação edípica.
Com o tempo, Freud compreendeu que suas pacientes, em algum momento da infância, nutriram desejos sexuais pelos pais. Desejo este que na maioria das vezes era reprimido pelas pacientes por ser socialmente imoral.
Somos totalmente influenciados pela identificação com os pais na escolha do parceiro amoroso na vida adulta.
As nossas experiências infantis de cuidado e amor repassados pelos nossos pais, ficam marcadas no psiquismo de cada um e influenciam na nossa busca para formar uma relação amorosa.
Sempre vamos nos sentir mais atraídos por características que nos foram confortáveis na infância e transmitiram amor.
Quando encontramos alguém que nos lembra todo o aconchego, todo carinho, acolhimento, dado pela figura materna e paterna (em casos saudáveis), proporcionando assim na nossa infância, segurança e autoestima positiva, e toda a forma de prazer e bem estar …. Não queremos largar… nos entrelaçamos, nos entregamos, nos confundimos, projetamos amor, introjetamos amor…
Só queremos estar lá…
Nos apaixonamos!
Somos seres relacionais, somos totalmente dependentes de amor na infância, para sobreviver.
Nos reconhecemos e nos constituímos na relação com o outro.
É através do vínculo com o outro que nos tornamos humanos, que desenvolvemos nossas características, que aprendemos…É através dos nossos vínculos que desenvolvemos uma visão de nós mesmos, dos outros e do mundo a nossa volta.
É nesta ligação com o outro que encontramos a felicidade e o amor, que fazem a nossa vida mais plena.
E o que dizer, quando encontramos finalmente o nosso Édipo “perdido” (o papai, que não está mais aqui) no homem que achamos para amar…
Mas tivemos que nos separar dele por alguma razão…
“Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora….
Me conta agora como hei de partir…”
Triste…
Grande amor perdido, e que nos traz a saudade de nosso primeiro e verdadeiro amor…
Meu pai.
Sempre saudosa,
Mary
Perfeito.
Mais um belo e profundo texto. Muito a refletir sobre este tema. Parabéns Mary.