Pular para o conteúdo
BlogsSimone Wenkert RothsteinÚltimo

E essa dor vai passar?

Por Simone Rothstein

Neste blog você vai acompanhar os diálogos entre a Ana(lista) e outros personagens em conversas imaginárias, baseadas em fatos reais. Nesses encontros, Ana ajuda o seu interlocutor a refletir sobre algum incomodo, alguma situação complicada que a vida lhe trouxe. E bem, se você se identificar com as questões abordadas, não é mera coincidência, trata-se de questões que fazem parte da subjetividade humana e das Loucuras Cotidianas de qualquer olê chadash.

Debi desabafa com Ana sobre o peso emocional que tem sentido, misturando tristeza, raiva e medo diante dos acontecimentos recentes. Ana explica como o trauma pode se manifestar e destaca a importância de nomear a dor, compreender os eventos e se conectar com a comunidade para superar o sofrimento.

Ana: Oi Debi, tudo bem?

Debi: Tudo. Quer dizer, tudo indo, na verdade.

Ana: Por quê?

Debi: Nossa, terminei uma semana de provas na faculdade que foi pesadíssima! Normalmente, semana de provas é difícil, mas não era só tensão, apreensão, era um peso no peito, uma dor, sei lá, tristeza… Quer dizer, é uma mistura de sentimentos. Alegria pelos reféns que voltam, uma tristeza gigante por quem não voltou ainda, por quem morreu. É muito duro. E ainda tem a raiva.

Ana: Raiva?

Debi: É, raiva dos terroristas asquerosos, raiva dos antissemitas espalhados em tudo o que é canto do mundo, mas tem também a raiva por não termos sido protegidos.

Ana: Entendo o que você tá falando. Com toda a alegria que possa se sentir pela volta dos reféns, ainda resta muita dor e raiva pelas perdas, pelo medo, pela sensação de desproteção.

Debi: Exatamente! É muito duro! Agora, quando eu me coloco no lugar das famílias dos reféns, sei lá, não sei como eles sobrevivem? Como os reféns vão superar esse trauma?

Ana: Olha Debi, cada um que vivenciou o 7 de outubro ficou marcado. Claro que quem sofre diretamente com a violência tem traumas, viveu experiências que precisarão de muito tempo pra serem elaboradas, digeridas emocionalmente.

Debi: Se é que vão ser digeridas, né?

Ana: Sim. Cada pessoa é única e a forma como ela reage é muito particular. Diante da dor, ela pode sucumbir ou ela pode lutar. Ela pode querer falar sobre o que viveu ou pode preferir silenciar. Ela pode guardar intimamente, mas ser capaz de lembrar do que aconteceu. Mas tem os casos que a experiência foi tão, tão, mas tão dolorosa que ela é “apagada” da memória e se torna uma espécie de “nó” inconsciente, um trauma.

Debi: E isso não fica de graça eu imagino, quero dizer, esse “nó” que fica inconsciente, “esquecido” deve se manifestar de forma indireta.

Ana: Podemos dizer que sim, podem surgir sintomas como angústia, fobias, depressão…

Debi: E Ana, você acha que, mesmo as pessoas que não sofreram diretamente com essa violência podem ficar meio deprimidas ou angustiadas?

Ana: Acho que sim, Debi. Você mesma começou falando de um peso enorme na semana de provas que não era por causa das provas.

Debi: É verdade. Acho que me sinto meio down, numa mistura de medo e desesperança. E você acha que isso pode passar?

Ana: Pode sim, mas é importante estar bem sintonizada com os teus sentimentos. Um peso ou uma tristeza num momento desses é uma reação normal, é compatível com a realidade. Mas é bom ficar de olho no tanto que essa dor, essa tristeza vai afetando a tua vida. E claro, se for algo mais intenso é bom procurar ajuda de um psicanalista, de um psicólogo. Mas sim, pode ser um estado de ânimo que com o tempo se dissipa.

Debi: Como?

Ana: Eu poderia elencar pelo menos três experiências que podem ser reparadoras, que ajudam muito nesse processo:

Uma é a experiência de se dar conta de que sobrevivemos. Aquilo que parecia insuportável, suportamos. Tivemos força suficiente pra aguentarmos firmes.

Outra, muito importante é a nomeação do que se passou. Quer dizer, poder colocar em palavras o que foi vivido ou que está sendo vivido, ter um outro, uma outra pessoa que escuta, que “sente junto”. Essa experiência por si ajuda a superar a solidão e a desesperança. Ajuda a organizar, elaborar emocionalmente o que aconteceu.

E em nível coletivo, em relação ao trauma coletivo, vai ser muito importante entender o que se passou no dia 7 de outubro, esclarecer aspectos que ficaram ocultos.

Debi: Quer dizer, segredos e omissões são sempre tóxicos?

Ana: Sim, eles impedem que a experiência seja compreendida, seja organizada internamente, que se possa elaborar ou fazer o luto. Seja nas relações familiares, afetivas ou coletivas. Pra que se possa superar uma dor é necessário primeiro encará-la, e se não tem como reconhecê-la, se não se tem palavras pra falar sobre ela, não se pode superar. O segredo, a omissão, o silêncio funcionam como uma força de atração, impedindo que o sujeito ou uma comunidade possa se livrar da dor vivida e não compreendida.

Mas em falando de comunidade, eu diria que a terceira experiência que ajuda no processo de elaboração dessa dor é se sentir parte do grupo.

Debi: Sinto muito isso quando vou na Kikar hachatufim.

Ana: Sim! Se sentir parte do grupo, da comunidade, tira a gente da solidão, é como reconhecer que estamos no mesmo barco, que estamos juntos.

Debi: Ninguém solta a mão de ninguém!

Ana: Exatamente, essa é uma experiência que pode trazer o sentimento de apaziguamento, de resgate, de reestruturação de si e da comunidade. É como um grande abraço.

Debi: Daqueles longos, fortes com direito a suspiro compartilhado.

Ana: É isso mesmo.

Debi: Ai, Ana, que bom, nossa conversa e essa imagem já me deram um aconchego. Valeu!

Foto: Freepik

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *