Do Peretz a Yad Eliahu e minha mishpachá
Por Mary Kirschbaum
Quando era pequena, morando em São Paulo, me sentia marginalizada no meu bairro. Meu pai, como um bom filho de imigrantes de guerra, botava medo nas crianças, digo eu e meus irmãos, que por sermos judeus deveríamos temer antissemitismo, ou melhor mesmo, que não nos misturássemos.
Eu ficava triste e invejando minhas amigas vizinhas que andavam sempre juntas, brincavam na rua (naqueles tempos idos anos 80 ainda se podia brincar na rua). Comemoravam Natal e Páscoa e se entendiam e eu me sentia de fora.
Andava obviamente dentro do meu gueto: sempre levada de carro para o Peretz (colégio que estudei do maternal ao terceiro colegial, pago com muito custo, era caríssimo para três crianças), mas pelo menos “seguro” e teríamos o ambiente e a religião certa e necessária.
Também fazia esportes e frequentava a Hebraica, para encontrar os amiguinhos judeus, permitidos.
Fim de semana, movimento juvenil, Chazit ou Dror Habonim ou Kesher, tanto faz, eu não era muito boa de fazer amizades.
Fui crescendo e entendendo que queria mesmo era não temer, andar pela rua e fazer parte. Todos pareciam se sentir assim, sem medo.
Há sete anos, fiz aliá e, finalmente, encontrei minha “Mishpachá”.
Moro em Tel Aviv, num bairro chamado Yad Eliahu, bairro meio “vintage”, um dos poucos que sobraram bem autênticos com gente “Tel Aviviana” das antigas.
Aqui moram religiosos Sefaradi e Askenazi, com suas sinagogas uma do lado da outra, sem brigas.
Temos parques cheios de crianças brincando e escolas da prefeitura, onde os pais não tem que pagar uma nota por uma educação judaica.
Tenho o “postinho” de saúde, meu Macabi que frequento. E um supermercado rodeado por padaria, banco, farmácia, lojinhas, onde vejo as pessoas sentadas comendo falafel, jogando gamão (bem típico daqui), tomando café, não importa a hora com burekas ou beigale (israelense toma café a qualquer hora) e jogando conversa fora.
Meu bairro têm predinhos simples, antigos e os renovados com elevador e garagem. Têm jovens casais, idosos, e muitas crianças.
Temos casas com galinhas, que passeiam pela rua de vez em quando e nunca viram canja. Temos gatinhos alimentados por ONGs porquê são de rua e os cães são adotados por jovens casais que andam com seus carrinhos de bebês e seus cachorrinhos do lado.
Temos hortinhas, bibliotecas de rua e armários comunitários, onde se pega o que se quer.
Passeio pelas ruas e digo Boker Tov sem me preocupar, faço amizades com todos.
Sento na escada do meu prédio quando tem sirene e assim conheço meus vizinhos do prédio. Também é uma forma de fazer amizades.
No Shabat toca uma música alta anunciando que começa o descanso semanal.
No Yom Kipur escolho uma sinagoga do meu querido bairro para rezar e jejuar.
Aqui me sinto querida, aqui me sinto acolhida, aqui sou do bairro. Aqui sou judia, aqui não tenho medo, papai.
Esta é minha “mishpachá”.
Belo artigo 👏