De vez em quando, damos um passo pra trás
Por Simone Wenkert Rothstein
Nesta conversa Simone traz uma compreensão psicanalítica sobre a relação entre a vida emocional e a perda do controle dos esfíncteres, entre outros fenômenos somáticos.
Simone – Olá Tal! E aí, o que você me conta?
Tal – Simone, hoje eu queria conversar sobre uma situação bem chata que vem acontecendo com a filha de uns amigos que fizeram aliá há pouquíssimo tempo.
Simone – O que é que tá acontecendo?
Tal – De um tempo pra cá, ela começou a fazer cocô nas calças. Ela tem 3 pra 4 anos e, fazer xixi e cocô no vaso já era um hábito. Os pais já estavam acostumados e, agora, estão bem aflitos.
Simone – Posso imaginar. A filha já conseguia ir ao banheiro sozinha e, de repente, deu marcha ré! Sabe, o controle do esfíncter é uma conquista superimportante, é a primeira vez que ela controla algo do seu corpo, que tem uma experiência importante de independência.
Tal – Agora me dei conta de que faz todo o sentido chamar o vaso sanitário de “trono”. Nesse momento a criança é o próprio rei ou rainha!
Simone – Exatamente. E quando a criança perde essa capacidade ou outra que já tinha conquistado, podemos entender que o corpo dela está anunciando que ela teve que “dar um passo atrás”, diante de uma espécie de inundação emocional.
Tal – Inundação emocional?
Simone – Um burn out emocional. A criança pode estar vivendo experiências emocionais para as quais ainda não está preparada, não tem recursos psíquicos para elaborá-las. Quando isso acontece, o corpo grita, sinaliza: perde o controle do esfíncter, volta a fazer xixi na cama, não come mais sólidos, fica doente…
Tal – Você acha que esse “passo atrás” da filha deles pode ter a ver com uma dificuldade emocional?
Simone – Pode sim. Você falou que os pais estão aflitos com essa quebra da rotina e contou também que eles fizeram aliá há pouco tempo. Vamos combinar que uma mudança dessas é uma ruptura e tanto, né?!
Tal – É, mas foi uma escolha deles e eles parecem bem felizes.
Simone – Que bom. Mas ser uma escolha deles, pode até diminuir a dor da separação, porque há uma negociação interna: eu perco X, Y e Z, mas ganho A, B e C. A decisão da mudança foi uma escolha, mas ainda assim há despedidas e perdas que podem causar angústia.
Tal – E aí, além de tudo, a filha também perde o controle do esfíncter! Imagina, ela estava bem até umas semanas atrás. Eles comentavam orgulhosos que ela ia ao banheiro e só chamava pra pedir ajuda pra se limpar e pra se despedir do cocô. Agora, não está conseguindo se controlar.
Simone – É possível que mesmo que os pais tenham explicado sobre a mudança, eles mesmos devem estar diferentes, mais sensíveis, mais cansados ou mais excitados. A criança é muito porosa e, nessas alturas do campeonato, está sinalizando (com seu corpo) que ainda está difícil de entender emocionalmente tudo isso. Pode ser que ela vá precisar de um tempinho pra digerir melhor e então retomar as conquistas temporariamente perdidas. Nesse tempo de adaptação muitas coisas podem fugir do controle, podem gerar “burn out” em qualquer um, crianças e adultos. Aliás, não é a toa que se diz: “o fulano está se borrando todo”. Mesmo que os adultos não costumem fazer cocô nas calças, tem momentos que eles também precisam “dar passos para trás”.
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