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Daniel e a blusa do Macabi: ser herói ou mártir

Por Simone Wenkert Rothstein

Neste blog você vai acompanhar os diálogos entre a Ana(lista) e outros personagens em conversas imaginárias, baseadas em fatos reais. Nesses encontros, Ana ajuda o seu interlocutor a refletir sobre algum incomodo, alguma situação complicada que a vida lhe trouxe. E bem, se você se identificar com as questões abordadas, não é mera coincidência, trata-se de questões que fazem parte da subjetividade humana e das Loucuras Cotidianas de qualquer olê chadash.

Daniel comenta com Ana sobre o risco de usar a camisa do Maccabi fora de Israel. Fala da preocupação com o antissemitismo, do tanto que sua identidade judaica/israelense o coloca em risco. A conversa se desenrola de forma que os dois pensam juntos sobre a diferença entre ser herói e ser mártir.

Daniel: Oi Ana, tudo bem?

Ana: Tudo bom. Gostei da blusa! Essa é de qual Macabi?

Daniel: Macabi Tel Aviv. Aliás Ana, que situação aquela de Amsterdam, o que aconteceu por lá foi muito, muito, sei lá, não tenho nem palavras! E justo na data que é um marco da nossa história na Europa, no mesmo dia da Noite dos Cristais.

Ana: Daniel quando você diz que não tem palavras pra descrever o que sente, mas lembra da Noite dos Cristais, eu penso que parte do impacto desse evento em Amsterdam tem a ver com a repetição da história: na mesma noite, passadas décadas, judeus são atacados por serem judeus, por serem israelenses.

Daniel: Acho que acaba dando na mesma: judeus, israelenses. Caramba!!! Me dá uma raiva, somos sempre alvo de ódio! Me dá raiva e medo! Sabe, eu fico pensando: e se eu tivesse lá na Holanda, será que eu ia ficar com minha camisa do Macabi? Será que eu ia tirar a camisa, esconder, me esconder?

Ana: E você chegou a alguma conclusão sobre o que faria?

Daniel: Ahnn, bom, sei lá, acho que não exatamente. Por um lado, me imagino vestindo a camisa, em todos os sentidos, querendo mostrar pro mundo que sou judeu, que sou israelense e que tenho muito orgulho disso, que não vou desistir de existir, que não vou deixar ninguém passar por cima de mim! Mas ao mesmo tempo me dá um medaaaço! Sabe?

Ana: Mas o que você imagina?

Daniel: Ah, se vem aqueles brutamontes em cima de mim, espumando ódio, eles podiam acabar comigo! E aí, o que que eu faria?

Ana: Olha Daniel, você tá falando de uma situação de risco de vida, né?

Daniel: Sim!

Ana: E eu tenho a impressão de que você tá muito desconfortável com a ideia de se salvar, de se esconder pra sobreviver.

Daniel: Acho que essa ideia de me esconder dá um sentimento de covardia. Sabe, tipo “como não sou forte o suficiente pra manter minha identidade, defender o meu povo? Como pode?!”

Ana: Quer dizer que você se condena quando você pensa na alternativa de esconder a tua identidade pra se salvar?

Daniel: Acho que sim.

Ana: Sabe, acho que tem situações limites em que a gente não tem uma regra que defina o que é certo ou errado, mas a gente pode pensar no teu sentimento, ou nos teus diversos sentimentos que nesse momento parecem bem confusos.

Daniel: Muito confusos mesmo, tenho orgulho, tenho medo, tenho raiva. Tem a raiva dos outros, tem a raiva de mim…

Ana: E por que raiva de você?

Daniel: Porque quando penso em me esconder é como se tivesse “arregando”, me sinto fraco, covarde.

Ana: Eu tô com a impressão de que você tem uma cobrança gigante de ser, não só uma pessoa que sobrevive a um ataque, mas… (Daniel interrompe)

Daniel: De ser um herói?

Ana: É, talvez uma cobrança tua de que você deveria ser um herói salvador da pátria, salvador do povo Judeu, o herói como teus antepassados precisavam, ou como você imagina que teus pais gostariam que você fosse. Você sente isso?

Daniel: É Ana, sabe que eu sempre me imaginava como um daqueles caras que participaram do Levante do Gueto de Varsóvia?!

Ana: Sei! Então, nessa idealização de ser um herói, a cobrança é tão grande que não dá espaço pra que você humanamente tenha medo de morrer, como qualquer pessoa.

Daniel: Nossa Ana, você falando imaginei que nesse caso eu seria mais um mártir do que um herói.

Ana: Eu não tinha pensado nesses termos, mas é uma maneira interessante de colocar a situação: o mártir coloca a vida a disposição da morte em nome de um ideal. Ele não luta, ele se sacrifica. Muito interessante. Nesse caso, por vergonha de não ser o herói dos teus ideais, você acaba se colocando em risco, se sacrificando.

Daniel: E realmente, a ideia de esconder minha identidade pra me salvar, me fazia me sentir covarde com desprezo por mim mesmo. Para não ser essa pessoa horrível, na minha imaginação, eu tava assumindo riscos que me levariam à morte. Talvez proteger a própria vida não seja ser covarde, mas esperto, no melhor sentido. Cuidadoso.

Ana: Sim, isso mesmo.

Daniel: É… Acho que tenho muito o que pensar sobre essa nossa conversa. Incrível como uma idealização pode gerar mais culpa do que realização, pode colocar a gente em risco, pode fazer mal.

Ana: É, tem idealizações que podem mover a pessoa a diante e tem outras como nessa situação que você trouxe, que colocam a pessoa em risco. É inevitável criarmos idealizações ao longo da vida, a questão e o que devemos observar é a forma como elas nos afetam.

Daniel: Valeu, Ana. Até a próxima.

Ana: Até.

Foto: joshjdss (Flickr)

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