Criar uma família. Quem disse que seria fácil?
Por Simone Wenkert Rothstein
Nesta conversa, Simone reflete sobre os conflitos que a chegada de um filho e a mudança de papeis na família podem provocar em um casal.
Simone – Oi Tal! E aí, o que você me conta?
Tal – Simone, quero muito conversar sobre uma situação que está me preocupando bastante. No fim de semana conversei longamente com uma amiga, que está mal. Ela sempre sonhou em ser mãe. E realmente acho que ela tem muito jeito. Só que agora a vida dela está de pernas pro ar: o casamento parece estar ruindo e o filho que já completou dois anos está uma peste!
Simone – Uma peste?
Tal – Sabe aquelas crianças barulhentas, sem limites?
Simone – Mas Tal, crianças não têm limite, nós não chegamos ao mundo sabendo até onde podemos ir. Aprendemos na relação com os nossos pais. Talvez os teus amigos estejam sofrendo ao lidar com as mudanças da vida, com as próprias limitações.
Tal – Pois é, pode ser. Ela tem reclamado que o marido fica só vendo TV, jogando Play Station. O que claro, dá muita raiva nela. Por outro lado, ele reclama que ela é que não tem limite, que ela continua amamentando o menino, que já tem dentes, já sabe até jogar bola!
Simone – É uma situação realmente complexa! À medida que você vai contando, posso escutar muitas vozes participando da mesma cena, vozes estão precisando ser escutadas.
Tal – Como assim?
Simone – Há o menino de dois anos conhecendo a vida, sua família e tateando o seu lugar nela. Há uma mãe dedicada querendo dar tudo o que ela possa (todo o leite que tenha) para o filho sonhado, e sem se dar conta, viva uma ambivalência: por um lado quer ser suficiente pro e com o filho, por outro quer que o marido participe. Quer a atenção e o carinho dele, quer que ele dê limites e que a ajude. Já o marido…
Tal – O marido fica vendo TV. Ah, pelo amor de D’s!
Simone – O marido fica de fora. Se sente de fora. É colocado de fora. Então, precisamos escutar mais vozes. Ele pode estar se sentindo excluído daquela duplinha. Aliás, não é incomum que maridos se sintam “de fora” durante a gestação e nos primeiros tempos da vida do bebê. Seja pela atenção que a mãe precisa dedicar ao bebê, mas também muito especialmente, porque o bebê dá muito prazer à mãe, que se sente preenchida por ele. Por isso, algumas vezes o filho é percebido pelo pai como uma espécie de rival. Não é à toa que ele reclama que ela continua amamentado o filho que já sabe jogar bola.
Tal – Talvez ele até ficasse numa boa enquanto o filho era bebezinho, mas agora já é praticamente “parceiro de futebol do pai”. Um homenzinho…
Simone – Pois é, “um homenzinho no peito da minha mulher”! E daí ele vai pra TV, pro Play Station. Ele pode estar confuso sobre que lugar sobrou pra ele na relação com a mulher, na família. A chegada de um filho, por mais desejado que seja, dá trabalho emocional, muda a configuração e a dinâmica familiar.
Tal – Realmente, até então eles eram um casal jovem cheios de sonhos e desafios e, de repente viraram pai e mãe. Junto com o bebê chegam novas cobranças, inseguranças…
Simone – Isso mesmo. Misturados aos sentimentos que são mais fáceis de se reconhecer, tem aqueles mais sutis, inconscientes. Há no mesmo pai tanto o desejo de (amorosamente) ensinar ao filho jogar bola, quanto o desconforto (a raiva) pelo sentimento de ser excluído pela dupla mãe e filho. Podemos pensar que esse pai-marido “vira” menino, e busca escapar desses conflitos inconscientes, mergulhando na tela da TV ou nos joguinhos.
Tal – Confesso que na minha parcialidade como amiga da mãe, nem imaginava o tanto que o marido dela pudesse estar sofrendo. E o pior é que sei que eles se adoram.
Simone – É, acho que eles estão precisando conversar. Não só com as vozes que eles estão cansados de escutar, mas também com aquelas vozes muito discretas, que quando não são escutadas, começam a fazer pirraça, sem limites, até que se dê ouvidos. Em geral alguém berra, faz barulho e denuncia uma dor que não é só dela, mas do casal, de toda a família.
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