Como é teu vínculo com os outros?
Por Marion Minerbo
Hoje Marion e AnaLisa conversam sobre quais são, e como se formam, as várias maneiras de se relacionar com os outros?
Marion – Olá, AnaLisa, sobre o que gostaria de conversar hoje?
AnaLisa – Olá, Marion. Tenho uma amiga que, quando está mal, procura ajuda – quer estar com alguém próximo e conversar. É o que eu faria. Mas tenho uma outra que se isola e sofre sozinha. Uma terceira gruda em quem estiver por perto. E uma quarta chega a ser grossa com quem tenta se aproximar para oferecer ajuda. Acho interessante ver como as pessoas estabelecem vínculos diferentes. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso?
Marion – Mais uma excelente questão, AnaLisa! Realmente, existem diferentes tipos de vínculos emocionais. Eles se organizam muito cedo – digamos, entre zero e três anos – dependendo de como o ambiente respondeu às necessidades físicas e emocionais do bebê.
AnaLisa – Nossa, coisas que acontecem tão cedo podem ter consequências para o resto da vida?
Marion – Pois é… Isso acontece porque muitas das coisas que experimentamos pela primeira vez deixam marcas profundas.
AnaLisa – Verdade. Ainda lembro do meu primeiro beijo…
Marion – Além de fatos, como o primeiro beijo, ambientes deixam marcas profundas. Se você vai a um país pela primeira vez e as pessoas são atenciosas, você fica com uma boa impressão daquele lugar. Da mesma forma, quando um bebê vem ao mundo, ele se sente bem-vindo e seguro se suas necessidades físicas e emocionais forem reconhecidas e atendidas.
AnaLisa – Entendo. Ele fica com uma boa impressão do mundo e das pessoas (risos).
Marion – E até dele mesmo! (risos) Isso é importante porque é mais fácil a gente se recuperar de situações difíceis da vida – como a aliá, por exemplo – se as primeiras camadas do Eu – as “fundações” do edifício – forem de boas primeiras impressões.
AnaLisa – O que você chama de boas impressões?
Marion – Boa pergunta. Para tentar imaginar o que sente um bebê ao vir ao mundo, vamos fazer uma comparação. Se você de repente se visse num deserto, com fome, sede – e o pior de tudo, sozinho. Como se sentiria?
AnaLisa – Desesperada!
Marion – E o que faria se visse pessoas lá longe que, talvez, pudessem te ajudar?
AnaLisa – Gritaria por socorro até ficar rouca! (risos)
Marion – Pois é. Quando nasce, o bebê passa a sentir necessidades físicas e emocionais que não existiam antes. Para ele, é como se tivesse ido parar num deserto – não sabe que está num quarto aconchegante e que sua mãe está lá perto. Fica desesperado.
AnaLisa – Sorte que ele vem ao mundo equipado com a possibilidade de chorar, que é sua maneira de sinalizar desconforto.
Marion – E além disso, ele vem equipado com um “chip” para formar vínculos, mas este precisa ser ativado. No começo da nossa conversa você descreveu vínculos diferentes. Uma amiga procura ajuda, outra sofre sozinha, a terceira se agarra a alguém, a quarta dá patadas em quem se aproxima. Isso mostra que, em cada caso, o chip foi ativado de um jeito diferente.
AnaLisa – Como assim, ativado de um jeito diferente? Eu achava que cada um já nascia de um jeito!
Marion – Só que não. Para a psicanálise, o tipo de vínculo que vamos levar para a vida depende de como o ambiente inicial respondeu às nossas necessidades físicas e emocionais.
AnaLisa – Gostaria muito de saber como isso acontece.
Marion – Vou fazer um resumo para você, mas psicanálise não é matemática, ok? Livros e livros foram escritos sobre isso. Aliás, tem um ótimo, que se chama “The book you wish your parentes had read”, de Philippa Perry.
AnaLisa – Ok. É só um resumo. Pode falar, sou toda ouvidos! (risos)
Marion – A primeira amiga que você mencionou não procuraria ajuda se não confiasse nas pessoas e em si mesma. É otimista. Tem boa autoestima, sente que merece o carinho dos amigos e que eles realmente podem ajudá-la. Podemos imaginar que quando era pequena e “estava no deserto”, não precisou ficar sozinha e desesperada por muito tempo: as pessoas lá longe ouviram seus gritos e foram ajudar.
AnaLisa – Já minha outra amiga – a que prefere sofrer sozinha – não teve essa sorte.
Marion – Provavelmente. Quando “estava no deserto”, o pessoal lá longe não entendeu que eram gritos de socorro. Ou entendeu, mas estava ocupado com outra coisa. Ficou muito tempo na agonia de não saber se ia ser resgatada ou não. E ainda por cima, concluiu que ela não valia grande coisa para eles, o que afetou sua autoestima.
AnaLisa – Ela percebeu que sofreria menos se aprendesse a se virar sozinha, sem depender dos outros.
Marion – Exato! A terceira, que se agarra a quem estiver disponível, teve mais ou menos o mesmo padrão. Mas em vez de concluir que era melhor não depender de ninguém, passou a usar toda sua energia para nunca mais voltar a “ficar sozinha no deserto”. Inclusive aceita pagar qualquer preço para isso não acontecer.
AnaLisa – E minha quarta amiga?
Marion – Esta, infelizmente, sofreu mais que as outras. O pessoal demorou, mais veio. Só que quando chegou, foi até pior. Exploraram ela, acusaram de atrapalhar e de ser mimada, de querer chamar a atenção. Zero empatia. Ela ficou com ódio do mundo.
AnaLisa – Por isso as patadas! Para se proteger das pessoas que, para ela, são sempre “do mal”.
Marion – Isso mesmo! Muito bom ter uma interlocutora como você!
Foto: Ananda Câmara (Wikimedia Commons)