Catranu e lóqui-mânis
Por Nelson Menda
Vou relatar neste texto duas situações relativamente comuns que costumam ocorrer em famílias com crianças. A primeira deles é a catranu, que se pronuncia acentuando o U final mas que, em obediência às regras que me enfiaram, goela abaixo, no primário e ginásio, oxítonas que terminam em U e I não deveriam ser acentuadas. Caso essa regra tenha mudado, favor avisar.
Na realidade, catranu é uma palavra do idioma turco trazida ao Brasil pelos imigrantes que aportaram em Pindorama, entre os quais meus avós paternos, nos primórdios do século vinte. Provavelmente os turquinos que optaram pelo Uruguai, Argentina e demais países da América Latina escrevem essa palavra da forma como se pronuncia, ou seja, catranú. Sinal de que os linguistas hispanos são menos complicados do que os brasileiros.
Vamos ao fenômeno em si. Crianças pequenas, quando começam a engatinhar e falar, são umas gracinhas e os adultos costumam se encantar com suas tiradas. Todavia, a partir de uma certa idade, lá pelo oitavo ou nono ano de vida, elas começam a perder a graça, sem se dar conta disso. É nessa fase em que se inicia a catranu, ou seja, elas ainda se acham engraçadas, mas já não o são, provocando reações e sorrisos amarelos entre os adultos, que costumavam complementar com a frase: “Não ligue, ele já entrou na catranu”.
Os meninos são mais acometidos pelo fenômeno do que as meninas, que têm as bonecas e as comidinhas para se distrair e não ficar, como se diz comumente, torrando a paciência dos mais velhos. A catranu, via de regra, vai do oitavo ou nono ano de vida até à adolescência, também chamada, com muita propriedade, de aborrescência. Antes de finalizar, é forçoso reconhecer, a bem da verdade que, lamentavelmente, nem todas as pessoas ficam livres da catranu, pois alguns poucos adultos continuam falando e fazendo besteiras pelo resto da vida. São os chatos, mas não pretendo me estender sobre essa condição, pois a literatura está repleta de livros e tratados a respeito do fenômeno.
Além disso, preciso utilizar o valioso espaço que me resta neste blog para abordar uma outra condição bastante comum na primeira infância, o lóqui-mânis, termo criado, em parte, pelo autor destas mal traçadas linhas. Lóqui, corruptela da expressão louco, era o apelido de um cachorrinho que conheci em Porto Alegre há bastante tempo. O bicho não chegava a ser maluco, mas se agitava de uma tal maneira quando chegava alguma visita que não conseguia parar de pular, provavelmente de alegria, daí ter recebido, com justa razão, esse apelido.
Já deu para perceber que lóqui-mânis é uma palavra composta e o mânis, sem falsa modéstia, é uma criação exclusivamente minha. Pois o lóqui-mânis, queridos leitores, é aquela condição que ocorre quando crianças pequenas passam da hora de dormir e vão ficando, pouco a pouco, cada vez mais agitadas. Se o lóqui-mânis não for identificado e tratado a tempo, o ambiente doméstico poderá se transformar em um verdadeiro inferno, pois o processo, uma vez iniciado, é muito difícil de retroagir. Daí a importância do diagnóstico precoce, ou seja, aos primeiros sinais do fenômeno, botá-las para dormir, antes que a condição se torne irreversível. Porque, depois de instalado, será um adonai-nos-acuda. Que, muitas vezes, termina em choro e lágrimas, tanto da criança quanto do adulto que não soube prevenir e cortar o mal pela raiz.
Possuo um justificado orgulho em ter sido o pioneiro na identificação e divulgação dessa verdadeira síndrome, que meu genro norte-americano já aprendeu a pronunciar, com seu carregado sotaque, quando procura evitar que ela contagie seus dois filhos – e meus netinhos – Zozô e Gino, respectivamente com seis e cinco anos.
Uma outra dica infalível para acalmar crianças é fazê-las escutar a Sonata para Dois Pianos, K 448, de Mozart, disponível no YouTube. É tiro e queda. Li em uma publicação científica que alguns pesquisadores interessados em desvendar a razão do fenômeno chegaram a realizar eletroencefalogramas em voluntários durante a reprodução dessa melodia. Constataram que, durante sua execução, os dois hemisférios cerebrais recebem suprimento sanguíneo extra, que os mantém, simultaneamente, em atividade. É provável que existam outras peças musicais que provoquem o mesmo efeito tranquilizador, assim como partituras que possuem um poder diametramelmente oposto e que devem ser evitadas no momento sagrado de botar as crianças para dormir.
Assegura um velho ditado que, se conselho fosse bom, não deveria ser dado de graça, mas vendido. Todavia, posso garantir, com absoluta certeza, na qualidade de pioneiro na identificação dessa síndrome que, no que tange ao lóqui-manis, é muito melhor – e mais fácil – prevenir do que remediar.
Foto: PxHere.com
Perfeito,Nelsinho!
Tem que previnir mesmo ou a casa vira hospício
Tem pais lentos e /ou preguiçosos passou 10 minutos da hora , ferrou!
Kkkkkkk….. você é uma das pessoas mais brilhantes que conheço e o teu diagnóstico em relação ao loqui-manis está perfeito! Assim como a forma de tratamento e momento adequado de aplicar o corretivo….fantástico!
Ambas abordagens estão excelentes.
Abs
Nunca tive problemas para colocar meus 3 filhos para dormir porque naquela época funcionava a lei do mais forte. “Vai dormir”, e não se falava mais nisso! Claro que eu deitava junto com eles, contava histórias e, na maioria das vezes, eu dormia primeiro! Mas com os meus netos, a lei do mais forte, não funciona mais. Como os pais da atualidade costumam fazer a vontade dos filhos, o vovô tem que ser muito mais criativo. As histórias daquela época não têm mais nenhuma atração, então eu respondo questionamentos. “- Vovô, no seu tempo tinha Papai Noel?” “- Claro que tinha!” “Era um velhimho de barbas brancas?” “- Era sim” “Então me explica como é que ele está vivo até hoje?” “É um ser mágico!, minha neta” “Que é ser mágico?” “Cala a boca e vai dormir!”
Minha neta de 5 anos estava caminhando na sala. Disse-lhe: “- Não se mexa que vou matar um Covid perto de você”. Em seguida, dei uma chinelada no tapete e ela respondeu: ” Deixa de bobagens, vovô, o Covid a gente só vê no microscópio!”