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Carta a meus netos e aos nascidos em 2004 (Extensiva a seus pais e avós)

Por Marcos L Susskind

Meu querido neto primogênito, Sham

Minha querida neta primogênita, Tamara:

D’us me deu a ventura de ser avô de um menino e uma menina no mesmo ano de 2004, com apenas 4 meses de diferença. Isto significa que ambos estão cumprindo 16 anos. E eu quero escrever a vocês e a todos os jovens de 2004 bem como a seus pais e avós. Esta é minha carta com meus sentimentos, dúvidas e sugestões a vocês.

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Eu também já tive 16 anos. Nesta época eu era membro do Bnei Akiva, um grupo juvenil que se propunha a mudar o mundo através da fé e do trabalho. Eu tinha absoluta certeza de meu caminho e do sucesso que viria através de nossa dedicação. Trabalhamos muito para este ideal, juntando gente menor que nós, transmitindo nossos ideais. Por isto tínhamos de nos dedicar, ler aprender, nos esforçar. Eram horas e dias em bibliotecas, em leitura e discussão, em sonhos de um mundo diferente. Eu e todos meus amigos víamos nosso grupo como muito mais importante que a escola, que a família e que qualquer outra coisa, imbuídos de um idealismo imenso. Muito de quem sou hoje foi construído sobre aquelas bases – o que faltou de escola precisou ser suprido mais tarde. Olhando para trás vejo que alguns de nossa turma não se preocuparam em recuperar a parte de estudos – e infelizmente pagam por isto até hoje, com empregos mal remunerados e instáveis. E é daqui que vem a primeira lição.

 

A primeira lição

Ir atrás dos sonhos é fundamental, é energizante, é desafiador e é recompensador. Lutar por um ideal forma conceitos e personalidade. É um fertilizante para atuação em toda a vida. Mas o estudo não deve ser abandonado. Se foi deixado de lado, há que se investir em recuperar estudo, conhecimento e cultura. Pode-se perfeitamente viver sem isto? Sim, mas não será uma vida plena. Faltará muita coisa, desde assunto para bate-papos até fundamentos para progredir economicamente.

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Aos 16 anos os amigos são uma fonte inesgotável de companhia, de segurança e de farras. São nossos confidentes e companheiros, parceiros de toda e qualquer aventura. Alguns deles, a minoria, seguirão conosco por toda a vida. Devem ser cultivados e mantidos. No entanto a maioria vai virar apenas “conhecidos” ou até uma tênue lembrança. No entanto, é nesta época que esquecemos que temos família, geralmente não damos muita importância a eles, algumas vezes até criamos antagonismos fortes, vendo os mais velhos como atrasados, incompreensíveis e focados nas coisas erradas. E aqui vem a segunda lição.

 

A segunda lição

Cultivar amizades é muito importante. Saber estar presente quando o outro precisa e saber com quem podemos contar quando nós precisamos. Manter os bons amigos sem perder contato será importante, mesmo distante. Mas a família nunca se afastará. Por mais que vocês se afastem na juventude, a família sempre terá as portas abertas para acolher, vibrar com vocês, se entusiasmar no seu sucesso e oferecer um ombro no momento de desespero. Nunca se permitam afastar da família até o ponto de não retorno. Lembrem-se do elástico – é possível esticar muito – ele quase sempre volta ao lugar inicial – tal como as relações familiares. Mas há um risco – é quando o elástico se rompe, o tal ponto de não retorno. Cuidem muito, muito mesmo, para não atingirem este ponto – ou vossa vida adulta será de uma solidão imensa – muita gente pode ser testemunha. De novo, cuidem-se de não permitir chegar a este ponto.

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Onde estarei quando eu tiver 70 anos? Esta é uma pergunta que eu nunca fiz, aos 16 anos. Aliás, eu nem sabia que a gente pode chegar vivo aos 70 anos – e eu já passei disto! Mas se eu me lembro bem, eu “sabia” onde estaria na vida adulta: nos meus planos de então eu seria um Engenheiro Aeronáutico, vivendo num Kibutz em Israel, casado e com quatro filhos. A realidade é que eu fui um corretor de seguros (a formação em administração ajudou muito em meu sucesso profissional), morei no Brasil até os 67 anos e hoje moro sim, em Israel, mas não em kibutz (aliás, a ideologia kibutziana se esvaiu, tal como toda a pregação da esquerda que fracassou em todo o mundo), e tive três filhos. E aqui vem a terceira lição.

 

A terceira lição

Idealizar o futuro é espetacular, nos dá motivação e nos dá um “norte”. Orienta muitas de nossas decisões. Mas há o chamado inesperado, que pode ocorrer em qualquer momento. A morte de alguém querido, uma crise econômica, uma doença, uma mudança na política e um sem número de outros imprevistos são possíveis. São os chamados imprevistos previsíveis. Eles podem mudar totalmente nossos planos. É preciso ser adaptativo, saber aceitar que há situações fora de nosso controle e precisamos ter capacidade para perceber e discernimento para analisar o que está ocorrendo, serenidade para aceitar o que não podemos modificar, coragem para mudar o que for possível e sabedoria para perceber a diferença entre o que tem de ser aceito e o que pode ser modificável.

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Muitas vezes, em nossa juventude, somos levados a imaginar que somos capazes de tudo. Este sentimento de onipotência é comum e aceitável mas precisa de um freio. Este freio é a espiritualidade. Quando perguntamos o que é espiritualidade, muitos responderão que é crer em D ús, outros dirão que é ir à sinagoga ou igreja ou mesquita, outros ainda dirão ser o temor frente ao pecado. Eu aprendi com o meu amigo e guru, o Dr. Abraham Twerski, que também é importante rabino, que espiritualidade é bem diferente disto. Ele cita 16 componentes de espiritualidade em seu livro “O Eu Espiritual”, entre os quais o respeito, a honra, o controle das emoções, o discernimento entre o “eu quero” e “eu devo”, o certo e o errado e principalmente, a determinação em fazer o certo por princípio de vida e não por medo das consequências. E aqui vai a quarta lição.

 

A quarta lição

Colocar a espiritualidade em vossas vidas. Ser capaz de sentir a necessidade do próximo e ajudar, sem buscar fama, glória, holofote ou recompensa. Fazer o certo – não porque pode “ser pego” fazendo o errado, mas por estar determinado a ser íntegro com seus parceiros, seu empregador, seu professor, seu cônjuge ou o mundo a seu redor. Ter fé na humanidade, no ser humano e – se possível – em um Ser Superior, que no meu caso específico é Hashem Itbarach, o D’us que me dá suporte e guia. Ser íntegro com seu ambiente e consigo mesmo, ainda que isto lhes custe algo intangível como fama ou tangível como dinheiro. Saber, meus queridos netos, que a meta do homem não deve ser a fortuna material, mas sim o bem estar espiritual, a satisfação incomensurável de fazer o bem. Ser voluntário, entregar-se aos demais – isto remunera muito mais que qualquer salário, bônus ou dividendos.

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Quando eu tinha 16 anos, muito do que escrevi era absolutamente desconhecido para mim. Muito disto vinha de forma subliminar e não escrita – e portanto, mais lentamente assimilável. Eu tentei lhes escrever do fundo de meu coração e com toda minha alma.

Peço a D’us que vocês leiam. Peço mais – peço a D’us que em algum momento vocês releiam. E oro fervorosamente para que vocês incorporem estas lições em vossas vidas. Se isto ocorrer, no dia em que eu partir, estarei realizado.

Eu os amo. Amo muito a todos meus 10 netos de sangue e meus dois outros “netos emprestados”. Vejo o quanto vossos pais investem em seu bem estar. Tenho um orgulho que não escondo de cada um de vocês e termino dando-lhes a benção tríplice da Torá:

“Que D’us te abençoe e te guarde! Faça o Eterno brilhar Sua luz sobre ti e que te dê Sua graça! Que D’us erga Sua face para ti e te que te dê a paz!”

4 comentários sobre “Carta a meus netos e aos nascidos em 2004 (Extensiva a seus pais e avós)

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