Cálcio de ostras
Por Nelson Menda
O que vem a ser e para que serve o cálcio de ostras? A rigor, o produto obtido pela moagem das conchas não deveria ser denominado cálcio de ostras, pois é extraído da casca do molusco e não do seu conteúdo. Todavia, como pioneiro na produção e comercialização desse fármaco para uso humano no Brasil, achei mais simpático batizá-lo de cálcio de ostras do que “de conchas”. Por que estou relatando isso? Porque, intuitivamente, achei que o termo ostra fosse mais adequado para atingir o consumidor final e também pelo fato de já existirem produtos farmacêuticos importados cujas embalagens estampavam a inscrição oyster shell calcium. E Shell, em Pindorama, era a marca tradicional estampada em muitos postos de combustíveis, ao passo que oyster era facilmente entendido como ostra.
E não é que o projeto de lançar o primeiro cálcio de ostras made in Brazil deu certo? Foi uma iniciativa que, apesar de extremamente trabalhosa e dos mil e um percalços do trajeto, acabou vitoriosa. Depois de estabilizado profissionalmente, com um bom emprego e consultório em uma área nobre do Rio, tinha o desejo de me lançar no desafiador campo da atividade empresarial. Após ter realizado, durante as férias, diversas viagens ao exterior, tinha chegado à conclusão de que essas visitas propiciavam, além da satisfação de conhecer lugares novos, a possibilidade de vislumbrar oportunidades para produtos e serviços ainda inexistentes no Brasil. Foi assim que consegui descobrir meus gurus, ao manusear o livro Marketing de Guerra, de dois autores norte-americanos, que encontrei em uma pequena livraria de Lisboa.
Já andava antenado para o assunto após ter decidido realizar o curso básico sobre o tema na ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, no Rio. Fiquei fascinado com o que aprendi, tanto no livro que adquiri em uma ida a Portugal, país que admiro por todas as razões do mundo, quanto nos sábios ensinamentos recebidos nas aulas do curso de marketing.
Por essa mesma época, reparei que alguns dos meus pacientes, quando viajavam para os Estados Unidos, faziam questão de trazer na bagagem produtos farmacêuticos à base de “Oyster Shell Calcium”. Não sabia direito do que se tratava, apenas o que tinha aprendido na faculdade, de que o cálcio era o mineral que conferia resistência aos ossos e deveria ser consumido somente na infância.
Só que a coisa não era bem assim. Ao me aprofundar no tema, acabei descobrindo que o esqueleto humano funciona como um verdadeiro banco de cálcio, em que o mineral entra e sai dos ossos o tempo todo. Por uma feliz coincidência, foi por essa época que cientistas desenvolveram um novo exame, a Densitometria Óssea, que permitia avaliar com precisão a presença desse mineral no organismo, o que era realizado, até então, de forma empírica, pelos exames radiológicos.
Consegui, em uma próxima ida aos States, trazer um bom estoque de Oyster Shell Calcium, que recomendei a alguns pacientes após a realização do exame densitométrico. Foi difícil controlar a ansiedade até a realização de uma nova densitometria óssea seis meses depois desses pacientes terem iniciado a suplementação oral com esses produtos trazidos do exterior. Essa segunda densitometria revelou algo praticamente desconhecido no Brasil. Tornou-se possível, por intermédio da comparação entre os exames, não somente mensurar a presença do cálcio esquelético, como até mesmo constatar a reversão das perdas desse mineral pelo organismo.
Apresentei um trabalho em um congresso médico, que serviu para despertar o interesse de alguns colegas pelo assunto, enquanto boa parcela torceu o nariz para aquela informação, que me pareceu da maior importância. Eu já estava convencido a respeito da importância da suplementação do cálcio, não somente para crianças mas também para adultos, especialmente mulheres após a menopausa.
Vou fazer um parêntesis para esclarecer que, nas frequentes viagens que fazia a Cabo Frio, era comum deparar com barcaças que extraíam e comercializavam conchas obtidas por sucção do fundo da Lagoa de Araruama. Travei contato com funcionários de algumas dessas empresas extrativistas e consegui enviar algumas amostras de conchas trituradas para exame laboratorial. O resultado esclareceu o que já suspeitava: era cálcio, sob a forma de carbonato, o CaCO3. Ou seja, a mesmíssima matéria-prima para a produção do “Oyster Shell Calcium” dos laboratórios farmacêuticos norte-americanos. No Brasil, até então, o produto da moagem das conchas era utilizado para complementar a ração das aves destinadas à produção de ovos e também como adubo para enriquecer o solo. Existia uma lei antiga que obrigava os criadores de aves poedeiras a incluir o pó da moagem das conchas à ração alimentar desses animais. Com que finalidade? Permitir que as cascas dos ovos fossem mais resistentes e não quebrassem com facilidade. Ao juntar as peças desse quebra-cabeças e com o valioso auxílio da Densitometria Óssea tornou-se possível evidenciar que era necessário suplementar a ingestão de cálcio durante várias fases da vida – e não somente na primeira infância.
A partir dessa constatação foi possível vislumbrar um leque fantástico de oportunidades, que poderiam se descortinar para quem tivesse condições de explorá-lo. Por felicidade, eu conseguia deter em minhas mãos as diferentes facetas desse novo e promissor nicho de negócios. Mas como transformar uma simples ideia em uma atividade útil e rentável? Imaginei que poderia contar com o apoio das instituições científicas e financeiras do estado brasileiro, mas dei com os burros n’água. Naquela ocasião, além de não ser possível utilizar os serviços das instituições científicas verde-amarelas para uma simples análise química do produto, o próprio registro da marca na repartição governamental dedicada a essa tarefa, mostrou ser uma missão quase impossível.
Tivemos, eu e minha sócia na empreitada, de realizar as pesquisas para o desenvolvimento do produto por nossa própria conta e risco. Depois de conseguirmos produzir, a duras penas, os primeiros potes do produto, que foi batizado com um nome bastante simpático e contou com a criatividade de um inspirado designer para as embalagens, eu e minha parceira, que acreditou no sucesso da empreitada desde a primeira hora, ficamos com uma batata quente nas mãos. De que maneira conseguir alcançar potenciais consumidores em um país de dimensões continentais como o Brasil? Decidi que teria de atuar como garoto-propaganda, tanto para enfrentar o desafio de conseguir colocar o produto nas prateleiras das farmácias quanto atingir meus colegas médicos e os próprios consumidores finais. Com essa finalidade e por sugestão de um empresário amigo de São Paulo criamos a Campanha de Combate à Osteoporose, destinada a divulgar junto a potenciais consumidores a existência do novo produto e a necessidade de suplementação do mineral para o fortalecimento ósseo.
As pessoas estavam vivendo mais e o número de fraturas relacionadas ao envelhecimento aumentando a olhos vistos. Era preciso tomar alguma providência para reverter esse panorama sombrio. Por iniciativa de um grupo de médicos e de entidades representativas, foram desenvolvidas campanhas educativas para reverter o quadro crescente de fraturas relacionadas à Osteoporose. Graças aos avanços do conhecimento científico e dos novos medicamentos para o controle do diabetes, hipertensão arterial e outras enfermidades relacionadas à hereditariedade e ao envelhecimento, as pessoas passaram a viver algumas décadas a mais do que as gerações que as antecederam. Estavam mais sujeitas, portanto, ao risco de sofrer quedas e fraturas. Entre os cuidados gerais para evitar a ocorrência de fraturas destacava-se a necessidade da suplementação do cálcio, para promover o fortalecimento ósseo. Atualmente esse fato já é reconhecido, mas foi preciso um intenso trabalho de conscientização, tanto da própria classe médica quanto da população em geral.
Posso me orgulhar de ter participado, desde a primeira hora, juntamente com um seleto grupo de colegas, de inúmeras campanhas de esclarecimento junto à população. Percorri grande parte do Brasil concedendo entrevistas e realizando palestras direcionadas a grupos femininos e de terceira idade. Com apoio financeiro do nosso cálcio de ostras, cujas vendas foram, pouco a pouco, se intensificando, a Campanha de Combate à Osteoporose deslanchou e tornou-se um case de sucesso.
A concorrência logo se fez sentir. Foram lançados vários produtos para concorrer com o “nosso” cálcio e tornou-se evidente que, dali para a frente, tudo apontava para uma provável briga de cachorro grande. Deu para perceber que tinha chegado o momento de passar a bola para uma empresa de maior porte. Entramos em negociação com um tradicional laboratório farmacêutico potencialmente interessado na aquisição do nosso know-how e da própria marca do produto. Foi uma história que, à semelhança das antigas películas de Hollywood, terminou com um Happy End para mim, minha sócia e os demais funcionários da nossa empresa.
Atualmente, a suplementação do cálcio é recomendada tanto para crianças quanto adultos e faço questão de exibir, orgulhoso, dois potinhos remanescentes do mais de um milhão produzidos e comercializados quando estávamos à testa da empresa. Esses dois potinhos são meus fiéis companheiros de viagem, pois já perdi a conta de quantas vezes me mudei de cidade desde que decidi emigrar do Brasil. Apesar da trabalheira que cada uma dessas mudanças tem representado, faço questão absoluta de levá-los na bagagem, pelo próprio simbolismo de sua presença pois, para mim, são autênticos troféus. Prova evidente de que valeu a pena encarar o desafio de transformar simples conchinhas em um poderoso recurso para enfrentar uma enfermidade, até então, aparentemente incurável. Deu muito trabalho, mas Baruch Ha’Shem (Graças a Deus) a iniciativa foi amplamente vitoriosa.
Foto: Patou Ricard (Pixabay)
Grandiosa a tua descoberta que está a serviço da saúde de milhares de pessoas.
Dotado de grande inteligência e sensibilidade estás sempre buscando formas de ajudar a todos nas mais diferentes áreas…
Você é, e sempre irá ser uma pessoa especial!
Abs.
Fora as suas diversas aparicoes em programas de Tv famosos falando sobre como tornar o ambiente mais seguro para os idosos, com tapetes antiderrapantes,luzes no caminho para o banheiro, etc…Algo nunca discutido antes na Tv aberta brasileira.
Espero que todas essas historias se transformem em um livro.
Abracos
Dedé