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Cadê meu espaço que estava aqui?

Por Simone W Rothstein

Nesta conversa as personagens vão falar sobre as tensões entre pais e filhos adolescentes em tempos de Corona.

Simone – Olá Tal! E aí, o que você me conta?

Tal – Nossa! Tenho me sentido numa gangorra. Tem horas que eu estou até curtindo estar mais em casa, ficar mais comigo mesma, em outros momentos, fico bem aflita. Não saber sobre o dia de amanhã é muito difícil: Quando vai acabar tudo isso? Como vai ficar a vida?! Lidar constantemente com a ameaça do vírus entrando na nossa casa, é difícil, viu?!

Simone – Parece que ele pode entrar sem bater na porta. E nós nos sentimos muito vulneráveis.

Tal – É isso mesmo! E você falando de “entrar sem bater na porta”, me lembrou da conversa com uma aluna, em um zoom que fiz com uma turma da escola. Sugeri que cada um contasse como estava em casa. Bem, ouvi de tudo um pouco. E teve uma aluna que reclamou dos pais. Ela estava incomodadíssima porque os pais toda hora entravam no quarto dela.

Simone – E você entendeu por que ela ficou incomodada?

Tal – Simone, a impressão que eu tive foi a de que ela estava se sentindo invadida, sem espaço.

Simone – É interessante essa ideia do sem espaço que você sentiu. Nós podemos pensar o sem espaço pelo fato de que ela não pode sair de casa, pela limitação de espaço físico. Mas junto com ele, há também uma limitação importante que é o espaço social-afetivo que para o adolescente é fundamental para a sustentação da própria identidade.

Tal – Realmente, eu reparo que o adolescente precisa muito da “sua galera”, da sua tribo, mas por quê?

Simone – Os amigos, “a galera”, são como novos modelos, através deles o jovem pode se diferenciar dos pais. Se na infância os pais eram perfeitos (Superman & Mulher Maravilha!), na adolescência, eles passam a ser os chatos, caretas, que não entendem nada. E isso acontece não porque o filho não goste ou não precise dos pais. Ele continua amando e precisando muito. Ele precisa saber que os pais estão “lá”, estão firmes, que não vão desmoronar diante dos ataques deles.

Tal – Pois é, tem horas que adolescente ataca mesmo!

Simone – É verdade. E talvez a gente possa entender a força deste “ataque” como consequência dos conflitos que ele está vivendo. É difícil olhar para os pais ainda com os olhos de criança, querendo o amor e a segurança que eles dão, e, já com os olhos de adolescente, desidealizando os pais, muitas vezes, aparentemente, desvalorizando-os.

Tal – Sem falar dos hormônios que estão “nas alturas”!

Simone – Sim! A situação não é nada simples, como no caso que você trouxe. De um lado a adolescente vivendo seus conflitos e suas buscas. No outro canto da casa estão os pais que podem estar com dificuldades, ou não, de ver a filha crescer, que podem estar simplesmente preocupados querendo saber dela, que vive “enfurnada” no quarto, sem seus amigos. O que para os pais pode ser um cuidado, para filha pode ser uma invasão.

Tal – Deve ser por isso que surgem as tensões.

Simone – O que acontece quando um interpreta as ações do outro a partir de suas próprias fantasias, que podem não ter nada a ver com a intenção real do outro? Os pais podem virar inimigos, quando estão apenas preocupados.

Tal – Uau, que campo minado! Quanto espaço para mal-entendidos! Seria ótimo, se as pessoas que evidentemente estão mais sensíveis e inevitavelmente mais próximas, todos em casa, aproveitassem pra conversar mais também.

Simone – É, poder aproveitar a falta de espaço fora (de casa) e ganhar espaço dentro. Conversar, escutar o outro pode ser uma forma de ganhar espaço, de se aproximar, sem invadir. Eu diria que diminuindo a tensão nas relações, entre “os ambientes”, a casa vá parecer até mais espaçosa, mais confortável.

Tal – Simone, que bom ter este espaço de conversa aqui. Continuamos outro dia, não vão faltar assuntos pra gente.

Simone – Com certeza! Até a próxima!

Foto: Orna Wachman (Pixabay)

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