Bob Dylan
Por Nelson Menda
Sempre fui abstêmio no que tange aos vícios socialmente aceitáveis, como cigarro e álcool. Todavia, devo confessar que virei adepto incondicional de dois hábitos dos quais dificilmente conseguirei me libertar: o chocolate e a Internet.
Quanto ao chocolate, essa maravilha desenvolvida pelos nativos do continente americano a partir do cacau e aprimorada pelos europeus, entre os quais suíços e britânicos, tenho opinião formada e não pretendo modificá-la. Só preciso garantir meu estoque habitual, para que nunca falte.
Já a Internet, seu potencial de criação e aperfeiçoamento não conhece limites. Dentre suas novidades, além da possibilidade de poder assistir, sem precisar sair de casa, filmes clássicos e novos lançamentos, a competição entre as operadoras é um prêmio que, em boa hora, veio beneficiar seus felizes usuários, entre os quais me incluo.
Como assinante da Netflix, tive a oportunidade de assistir e recomendar o lançamento, em dois episódios, de “No Direction Home”, de Martin Scorcese, que aborda a vida e a obra de Shabtai Zisl ben Avraham. Para quem nunca ouviu falar, trata-se do nome hebraico de Robert Allen Zimmerman, nascido em 24 de maio de 1941 na pequena Duluth, estado de Minnesota, às margens do Lago Superior, quase fronteira com o Canadá. A família de Robert logo se transferiu para uma outra localidade daquele mesmo estado, Hibbing, onde ele estudou na High School local e seu nome figura no quadro de honra da instituição.
Desde cedo, Robert, mais conhecido pelo apelido Bob, decidiu substituir o Zimmerman por Dylan, tendo se destacado em vários campos da cultura, especialmente a música, literatura, poesia e artes plásticas. Ainda garoto, aprendeu a tocar piano, guitarra e harmônica, essa última mais conhecida como “gaita de boca” no meu saudoso Rio Grande do Sul. Tudo por conta própria, sem precisar de professores.
Além de compor canções que agradaram em cheio ao público, sua inconfundível voz rouca e em tom de lamento logo se mostrou perfeita para a execução de composições de grande aceitação dentro e fora dos Estados Unidos. Desde muito jovem começou a se apresentar em festivais, alternando algumas poucas vaias com entusiásticos aplausos. Procurou abordar, em seu vasto repertório musical, temas sensíveis ao público norte-americano, que acabaram se revelando universais, como o preconceito racial e a violência. Para poder dedilhar as cordas de sua guitarra em duo com a harmônica, criou um dispositivo que permitia soprar ao mesmo tempo em que ficava com as mãos livres para o violão. Esse recurso acabou se transformando em sua marca registrada, consagrando-o como um artista único e inconfundível. As letras de suas composições, os chamados lyrics, são de elevada sofisticação estética, que estimulam a reflexão e obrigam os ouvintes a pensar.
Assumidamente pacifista, participou, ao vivo, do famoso evento em que Martin Luther King proferiu o icônico discurso, em Washington DC, que se iniciou com o refrão “I Have a Dream”. Ao lado de sua parceira, Joan Baez, com seu inconfundível timbre de voz, emocionou o público, que se esparramava pelos jardins e o espelho d’água da capital norte-americana, como um autêntico oceano humano. Aquele histórico encontro representou um marco na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos.
Bob Dylan é considerado o artista que mais gravou discos na história da música norte-americana, com mais de cem milhões de cópias vendidas. Dentre as inúmeras homenagens recebidas em sua vitoriosa carreira artística, recebeu das mãos de Barack Obama a Medalha Presidencial, dedicada a exaltar os valores da Liberdade. Entre muitos outros, conquistou os prêmios da Academia e o cobiçado Nobel de Literatura de 2016, além do Pulitzer, Oscar, Grammy e Globo de Ouro. Sua produção musical alcança a impressionante cifra de centenas de composições, muitas das quais figuram de forma perene nas listas das mais reproduzidas.
Uma de suas primeiras canções, Mr. Tambourine Man, uma alegoria que traça um paralelo entre os percalços da vida e um tocador de pandeiro, continua sendo exibida e acessada pela TV e Internet 55 anos depois de lançada.
Dylan é um personagem com forte inspiração mística e, apesar de originário de uma família judia observante, decidiu, a certa altura da vida, se converter ao cristianismo. Não satisfeito, tempos depois resolveu retornar à fé mosaica, que professa até a atualidade. Incluiu, em algumas de suas composições, temas relacionados à Torá, o Antigo Testamento bíblico. O próprio Papa João Paulo II, em 1997, chegou a mencionar, em um de seus sermões, uma citação extraída da melodia “Blowing in the Wind”, um dos grandes sucessos do artista.
Fumante inveterado, Dylan, atualmente com 80 anos e pai de seis filhos, o mais velho dos quais ostenta o nome do patriarca Jacob, para alegria de seus fãs, teria abandonado o vício de vez. Bob Dylan é um ícone da música pop e vale a pena, nessa fase ainda sombria da pandemia, assisti-lo interpretar a pungente canção Hallelujah (Aleluia) do também judeu Leonard Cohen, Z”l, melodia que busca transmitir esperança a toda a humanidade, nessa longa e ansiosamente aguardada espera pela chegada de novos e mais promissores tempos.
Foto: Xavier Badosa (Flickr)
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