Ascensão e decadência
Por Nelson Menda
Quando visitei, pela primeira vez, os Estados Unidos, na década de 70 do século passado, fiquei fascinado com o que vi. Nova Iorque, Miami, Los Angeles, San Francisco, Las Vegas, Boston e outras cidades ícones revelavam seus encantos para um deslumbrado marinheiro de primeira viagem. Tudo era novidade, bonito e bem cuidado.
A primeira decepção ocorreu durante a crise econômica que afetou Nova Iorque alguns anos depois. Naquela ocasião, além da insegurança reinante na cidade, o lixo passou a se acumular nas vias públicas. Felizmente, a Big Apple conseguiu dar a volta por cima e recuperar seu charme e prestígio.
Mesmo durante essa fase, restrita a Nova Iorque, o restante do país continuava mantendo seu elevado padrão de limpeza e segurança, pelo menos para os turistas. Talvez, em certas áreas, já existissem bolsões de miséria e violência, mas quem iria desejar percorrer lugares inseguros quando havia tanta coisa bonita a ser visitada?
Não sei se a causa da decadência de determinadas regiões do país pode ser debitada ao desemprego e à prolongada crise, que fechou indústrias e virou a economia de cabeça para baixo. Ou, talvez, ao consumo de drogas e à própria pandemia, fatores que serviram para acentuar o que já estava ocorrendo “por debaixo dos panos”.
Há alguns dias, navegando pelo YouTube, tive oportunidade de analisar as imagens de um complexo de viadutos de uma grande cidade norte-americana. O nome não vem ao caso, pois poderia servir de parâmetro para o que está ocorrendo em muitas localidades do país. Nas pistas superiores, um fluxo contínuo de automóveis dava a falsa impressão de normalidade, mas a surpresa aconteceu quando se vislumbrava o que estava ocorrendo na parte inferior das faixas de rolamento, longe da visão dos motoristas. Era uma imagem surpreendente, de homens e mulheres drogados, deitados nas calçadas ou se arrastando como zumbis entre surradas barracas de camping. Ainda bem que a Internet não consegue transmitir odores, pois o mau cheiro deveria estar insuportável naqueles locais.
O número de dependentes de drogas, quando se compara com a totalidade da população, não é tão elevado quanto parece, mas a permissividade das autoridades acaba espantando homens e mulheres de negócios e os próprios turistas, que deixam de visitar e investir em determinadas regiões do país. Em algumas dessas cidades, tanto as drogas injetáveis quanto as seringas e agulhas descartáveis começaram a ser fornecidas gratuitamente pelas próprias autoridades. Provavelmente, para evitar que a legião de dependentes do vício, em desespero, pratique roubos e outras modalidades de crime no afã de conseguir o numerário indispensável à aquisição da quota diária da droga. O fato é que o país já não é mais aquele que conheci há algumas décadas.
Os brasileiros ficam chocados com as imagens da cracolândia em São Paulo. Imaginem, agora, um país inteiro, não com uma, mas dezenas, centenas ou milhares de cracolândias a céu aberto e, para piorar, onde os invernos são bastante rigorosos. A popularização dos equipamentos eletrônicos para registrar e divulgar imagens ao alcance do cidadão comum está servindo para revelar uma realidade bastante crua do que está ocorrendo. A bem da verdade, o fenômeno não é exclusivo da terra de Tio Sam, pois cenas insólitas estão acontecendo e podem ser visualizadas em diferentes locais do globo. Menos, certamente, nos países e regiões onde a censura impera.
Aqui em Portland o centro da cidade era um local bastante agradável e de visita obrigatória. Tudo mudou, para pior, em curto espaço de tempo. As luzes das vitrines das grandes lojas se apagaram, pois o público ficou temeroso de percorrer determinados trechos da área central da cidade. Lembro de já ter elogiado o bom gosto das edificações e a organização e limpeza de Portland há relativamente pouco tempo.
Obviamente, o problema não é exclusivamente local, pois uma das grandes redes de farmácia do país anunciou a suspensão do atendimento em uma área de San Francisco, Califórnia, estado vizinho ao Oregon, conhecida pelos simpáticos e tradicionais bondinhos e cinematográficas ladeiras. A razão? O shoplifting que, em bom português, significa o furto de mercadorias ao alcance do público, crime que passou a ser cometido em larga escala.
Há poucos dias, um bando uniformizado inaugurou uma nova modalidade de transgressão, que se assemelha ao que os brasileiros denominam arrastão. Atacou, de forma orquestrada, a filial de Los Angeles da maior empresa de materiais de construção dos Estados Unidos. Como as imagens do veículo utilizado no assalto puderam ser captadas pelas câmeras de segurança, os ladrões foram identificados e presos. Somente em Los Angeles as autoridades estimam em 40.000 o número de pessoas vivendo, literalmente, nas ruas, onde comem, dormem, urinam, defecam, se drogam e cometem crimes. Com uma população de 4 milhões de habitantes, representam apenas uma porcentagem ínfima, mas comprometem a imagem e a qualidade de vida da maioria da população, além de espantar visitantes e turistas.
Quanto a Portland, é importante salientar que liderou as manifestações de rua, em maio de 2020, quando policiais truculentos de Minneapolis detiveram e acabaram provocando a morte de George Floyd, o que desencadeou protestos em todo o país. Minneapolis está situada a quase 3.000 km, por via rodoviária, de Portland e as manifestações, por aqui, apesar da distância entre as duas cidades, acabaram provocando tantas depredações e incêndios que a cidade chegou a figurar nas manchetes do mundo todo, inclusive o Brasil. Só que, de pacíficos protestos contra a violência policial na distante Minneapolis, grupos de desocupados e arruaceiros locais passaram a quebrar tudo o que encontravam pela frente. Depredaram, inclusive, pequenos estabelecimentos comerciais de microempresários, muitos dos quais imigrantes que só dispunham daquele negócio familiar como meio de subsistência. O próprio governo federal chegou a sugerir estar disposto a enviar tropas para o estado do Oregon, na tentativa de conter o quebra-quebra, o que foi recusado. Essa possível vinda de forças militares federais ao Oregon representaria um atestado de incompetência do governo estadual para enfrentar a situação. O prédio em que resido, para citar um exemplo, já foi vítima de ladrões por mais de uma vez.
Ao contrário do Brasil, em que proliferam câmeras e equipamentos de segurança em muitos estabelecimentos comerciais e residenciais, essa prática não era muito frequente por aqui, especialmente nos condomínios. Depois do portão da garagem do edifício ter sido arrombado por duas vezes em menos de um mês, a administração do prédio tomou a decisão de mandar instalar câmeras de vídeo para tentar inibir a ousadia dos meliantes.
Mas quem são eles? Provavelmente, usuários de drogas cuja presença aumentou significativamente depois que o governo local decidiu liberar seu consumo aqui no Oregon. Como em muitos estados o uso de drogas ainda é reprimido, Portland virou uma espécie de “Ilha da Fantasia” para os dependentes químicos. A cidade passou a receber hordas de viciados provenientes de outras localidades. Muitos deles montaram suas barracas e tendas improvisadas nos acostamentos de ruas e rodovias, enquanto os de melhor poder aquisitivo chegaram motorizados, em traillers velhos caindo aos pedaços.
É preciso fazer um parêntesis para esclarecer que os estados do Pacífico, como Washington, Oregon e Califórnia, tem como tradição eleger governos Democratas. E os Democratas, ao contrário dos Republicanos, são mais permissivos em relação aos costumes. O estado do Oregon sedia grandes empresas e já começaram a circular rumores de que os dirigentes de algumas dessas corporações deram um ultimato aos governos do estado e da cidade para que comecem a reprimir esses delitos. Porque, se deixar a coisa correr solta, a tendência dos criminosos é ir promovendo um upgrade em suas atividades antissociais. Antes tarde do que nunca, afirma um sábio ditado, pois a continuar do jeito que as coisas estão evoluindo, ao invés de recomendar que o último a sair apague as luzes, o mais provável é que os democratas corram o risco de acabar derrotados nas próximas eleições.
Não quero me assumir como oráculo, mas não se pode descartar a possibilidade de ocorrer uma reviravolta política, com os republicanos assumindo o poder e intimando os viciados a buscar outras paragens para seus improvisados e sujos acampamentos. Por enquanto, os dependentes das drogas ainda se comportam como o que denominamos, no Brasil, “ladrões de galinha”, pois se limitam a cometer pequenos furtos. Mas não é difícil prever uma escalada em suas ações delituosas, o que já está começando a acontecer, como noticiam os jornais eletrônicos diários.
Para quem veio do Brasil não é difícil prever o que o futuro reserva para a outrora paradisíaca e segura Costa do Pacífico norte-americana. Oxalá eu esteja equivocado e essas previsões sombrias não se concretizem.
Foto: Lee, Seung-bin (Flickr)
Quando as crianças eram pequenas, lá pela década de 80, iamos todo ano a Miami. epoca do dolar barato. certa vez paramos no sinal em baixo de um viaduto. logo apareceu uma meia-duzia de pedintes, parecia que estavamos no Rio. eram mexicanos ou latinos. no ano seguinte, mesmo viaduto, mesmo sinal. nao havia ninguem, apenas uma placa onde se lia (em ingles é claro): PROBIDO PEDIR ESMOLAS – MULTA US$ 100
Bons tempos, Israel, quando as pessoas pediam esmolas. Acompanhei o caso de uma pedinte, aqui nos Estados Unidos, em que foi descoberto o seguinte: 1)- Apesar dela portar um cartaz em inglês, a suposta mendiga não falava nem entendia esse idioma. 2)- Todos os dias, ao final do “expediente”, um carro vinha buscá-la e recolher a féria, ou seja, era uma mendiga profissional. Acredito que o problema, atualmente, esteja mais relacionado ao uso de drogas e à impunidade do que à crise econômica em si. O assalto que mencionei no texto, sobre um arrastão na cidade de Los Angeles, aconteceu em uma filial da Home Depot, empresa que comercializa materiais de construção e eletrodomésticos – e não gêneros alimentícios. Sempre me gabei de encontrar soluções para problemas aparentemente insolúveis, mas dessa vez confesso que não consigo vislumbrar uma luz no fim desse complicado túnel.