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As angústias da aliá

Por Marion Minerbo

Marion – Olá, AnaLisa! Sobre o que você gostaria de conversar hoje?

AnaLisa – Olá, Marion! Queria conversar com você sobre aliá. Pelo que andei percebendo, todos sofrem bastante no primeiro ano, talvez um pouco menos no segundo. Uma amiga disse que no primeiro ano a gente tenta apenas sobreviver, manter o nariz fora da água e respirar. Alguns pensam que é porque não conhecem a língua. Outros, porque não conhecem a cultura. O que a psicanálise tem a dizer sobre isso?

Marion – Excelente questão. Claro que tudo isso que você mencionou produz sofrimento. Mas do ponto de vista psicanalítico, podemos começar pensando em termos de “desenraizamento”. Mesmo que a comparação não seja muito boa, imagine uma planta que nasceu e se desenvolveu num lugar, e que é transplantada para outro. Mesmo com todos os cuidados, é comum ela ficar amarela e perder folhas. Às vezes ela simplesmente não “pega”.

AnaLisa – Mas por que você diz que a comparação não é boa? Tem gente que não se adapta aqui e volta para seu país.

Marion – É que tem uma diferença. A planta só é afetada por elementos ligados à natureza. Sol, água, minerais na terra. Uma oliveira é uma oliveira em qualquer lugar. Mas o ser humano é afetado pelas circunstâncias em que ele vive. Ele não é o mesmo em qualquer condição.

AnaLisa – É verdade. Conheço alguém que perdeu seu trabalho e ficou inseguro, ciumento, agressivo, deprimido. E antes não era assim…

Marion – Bem lembrado. O trabalho era importante para ele se definir como pessoa. Sem ele, a identidade entra em crise. E aí podem aparecer os sintomas que você mencionou.

AnaLisa – Pode falar um pouco mais sobre essa crise de identidade?

Marion – O desenraizamento da aliá produz uma profunda crise de identidade porque, de um dia para outro, perdem-se todas as referências pelas quais a pessoa se definia. Obviamente ela continua sendo “fulano de tal”. Mas a verdade é que já não é exatamente quem era, e ainda não teve tempo de construir o seu novo “eu”. Por isso fica pendurado no vazio por um bom tempo. É isso que produz a angústia.

AnaLisa – Entendo, Marion. Angústia do desenraizamento, da crise de identidade. Reconheço bem esta sensação. É um aperto no meio do peito, uma sensação de estar sem chão, como se você estivesse solto no universo, sem gravidade. Dá vontade de sair correndo de dentro de si mesmo.

Marion – Sim, é uma sensação – emocional e física – penosa. Há dias melhores, quando a pessoa vê luz no fim do túnel, e dias piores, quando não vê. E se a pessoa já tem um histórico de problemas psíquicos graves, se sua identidade já era meio capenga, aí ela pode se desestruturar mesmo.

AnaLisa – Já vi isso acontecer. Mas num nível mais “light”. Eu me lembro de precisar de ajuda para tudo, de não saber me virar em coisas banais, de comprar condicionador pensando que é shampoo e não conseguir lavar o cabelo…

Marion – (Risos) Depois a gente ri. Mas a gente “regride”, quer dizer, se torna frágil, inseguro e muito dependente dos outros. Tem que prestar uma atenção enorme em tudo, porque tudo que a gente faz, é pela primeira vez. Tem que “absorver” os códigos do país, coisa que ninguém pode ensinar. Sem falar na dor da perda da língua materna, que é a referência mais importante de todas.

AnaLisa – Ou seja, tudo é fonte de tensão porque estamos lutando pela sobrevivência emocional num terreno completamente desconhecido. Lembro que no fim do dia eu ficava exausta. Ia dormir cedo como um bebê – um bebê que se cansou demais porque, para ele, tudo era novo naquele dia.

Marion – É isso aí. Tem coisa demais para “processar” a cada dia. E tentar não afundar. Não é à toa que aliá é difícil, né?

AnaLisa – É, agora faz mais sentido. Obrigada por me ajudar a entender tudo isso. Dá um alívio.

Foto: needpix

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