A roda da fortuna
Por Nelson Menda
Se 2020 já está sendo considerado um dos anos mais problemáticos dos últimos tempos, o que se poderia afirmar a respeito de 1935, em plena Alemanha? Pois foi no biênio 1935/36, durante a gestação do ovo da serpente nazista, que uma das mais fascinantes composições musicais do século passado veio à luz. Pelas mãos do compositor germânico Carl Orff que, alheio à enorme tragédia que estava para eclodir no seu país e restante do globo, ficou extasiado com a descoberta de uma coleção de manuscritos dos séculos 11 e 12.
Tinham sido redigidos em latim, alemão e francês antigos e eram constituídos por duas dúzias de poemas que abordavam a natureza efêmera da vida, representada de forma simbólica por uma roda que girava, lenta e continuamente, alternando momentos de opulência com os de sofrimento e miséria.
A exemplo do que pode ocorrer na vida de todos nós, a chamada Roda da Fortuna é uma antiga alegoria que espelha a mais pura realidade. Os contrastes entre os altos e baixos da existência humana já figuravam nos capítulos 37 a 50 do Antigo Testamento, que abordam a interpretação dos sonhos do Faraó por José do Egito. Ele previu que os sete anos de vacas gordas, seguidos por igual período de vacas magras, nada mais seriam do que uma fase de fartura e boas safras, acompanhado por outro, de baixas colheitas e fome.
Quem soube tirar proveito da interpretação de José foi o próprio faraó e seu povo, por acreditar na profecia e poder se preparar, nos anos de opulência, estocando alimentos para a fase de penúria que viria a seguir. O que teria acontecido se aquele soberano egípcio, à semelhança de alguns negacionistas do presente, tivesse desdenhado do visionário José? Como as histórias costumam se repetir de tempos em tempos é vantajoso estudá-las e conhecê-las, mas para isso é preciso um mínimo de inteligência, escolaridade e discernimento, artigos escassos em determinadas esferas do poder.
Carl Orff, que musicou os versos desses poemas, criou uma fascinante peça orquestral e coral que alterna momentos de plena euforia com os da mais profunda angústia. O artista foi extremamente feliz na composição de uma Cantata, denominando-a Carmina Burana.
É interessante salientar que esses manuscritos antigos nos quais o compositor se inspirou chamavam a atenção para os riscos da embriaguez, da gula, dos jogos de azar e da luxúria, reservando um happy end para celebrar a alegria representada pela chegada da primavera. Só quem já viveu, ou ainda vive, em uma região de muito frio, como acontece comigo, no presente momento, aqui em Portland, pode valorizar a despedida do frio inverno e o despontar da alegre e florida primavera.
Além de Orff, diversos outros gênios da música, como Vivaldi, nas Quatro Estações, Beethoven, na Pastoral e Stravinsky, na Sagração da Primavera, dedicaram belíssimas composições ao desabrochar da natureza nessa festejada estação do ano.
A atual pandemia que, Baruch HaShem (Graças a Deus), parece estar com seus dias contados após o desenvolvimento de uma série de vacinas, nada mais é do que uma espécie de obscuro inverno que já provocou muita dor e sofrimento. Porém, quando analisada sob uma perspectiva histórica, poderá representar o movimento contínuo de uma espécie de Roda da Fortuna.
Ao invés de desacreditar ou negar a profecia, o Faraó soube interpretar seus ensinamentos e sair fortalecido, junto com seu povo, do episódio. E olhe que foram sete longos anos, ao contrário do período relativamente menor de abstinência de festas e aglomerações que estamos precisando respeitar no presente momento. Devemos acreditar na ciência, deixar que as falsas lideranças saiam rapidinho de cena, como já começou a acontecer aqui nos Estados Unidos, e seguir uma receita 100% brasileira. Como, aliás, preconizam os versos do talentoso médico, zoólogo e sambista Paulo Vanzolini no samba “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima” porque, depois que a tempestade passar, virá, sem sombra de dúvida, uma fase de alegria e bonança.
Aff assim esperamos todos “a bonança”…tudo isto que temos vivido nada mais parece que um regime de terror…bem-vindas vacinas! Isto representa a nossa libertação! E salvação!
Espero que tiremos proveito dos ensinamentos que tudo isto nos há deixado…
Brilhante retrospectiva histórica Nelson, muito oportuna.
Abs.
Oi, Vani. Acredito que muitas pessoas, especialmente as que se cuidaram, evitaram aglomerações, utilizaram máscara e procuraram manter, dentro de suas possibilidades, o isolamento social, vão sair fortalecidas da pandemia. Tudo indica que esse vírus veio para ficar, graças às suas mutações. Por sorte a ciência está conseguindo vencer o negacionismo e as próprias variantes do coronavírus, desenvolvendo novas vacinas. Talvez, até, tenhamos de acrescentar mais uma vacina ao rol das que já recebemos, rotineiramente, ano após ano. Abs. Nelson