A reintegração póstuma do “Dreyfus português”
O fundador da comunidade judaica portuguesa do Porto, apelidado de “o Dreyfus português”, é o centro de mais uma campanha encabeçada pelos seus atuais dirigentes.
Cem anos depois da sua fundação em 1923, a comunidade faz campanha para que o Estado português reintegre postumamente o seu fundador ao exército, depois de ter sido injustamente expulso por praticar o judaísmo.
Arthur Carlos Barros Basto era um oficial do Exército português declarado “imoral”, em junho de 1937, por ajudar os descendentes de judeus retornados a se circuncidar.
Esta é mais uma campanha da comunidade judaica portuense nos últimos anos, desde que ganhou destaque com uma alteração na lei local que deu a descendentes de judeus de todo o mundo a possibilidade de requerer a cidadania portuguesa.
Há algumas semanas, a comunidade apelou à Comissão Europeia para que iniciasse uma investigação internacional imparcial sobre “uma ação antissemita que ocorreu em Portugal usando ladrões, assassinos e condenados que pretendiam difamar a comunidade judaica mais forte do país, destruir a liderança judaica, deter o influxo de cidadãos israelitas e acabar com a lei que concedia a nacionalidade portuguesa a judeus de origem portuguesa”, afirmou Gabriel Senderowicz, presidente da comunidade judaica do Porto.
Liderando os esforços desta campanha atual está a neta do Capitão Basto, Isabel Barros Lopes, que continua os esforços da mãe e da avó para reintegrá-lo postumamente, mas até agora sem sucesso.
“É incrível, mas o estado agora está alegando que meu avô precisa estar vivo, com 136 anos, e só pode receber a reintegração póstuma se ele solicitar pessoalmente”, disse Barros Lopes, que também é vice-presidente da Associação Judaica Comunidade do Porto.
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De acordo com um comunicado de imprensa da Comunidade, durante décadas, foram apenas os parentes mais próximos de Basto que lutaram contra a injustiça. No entanto, em 2012, a pedido de Barros Lopes, o parlamento português declarou que o Capitão Basto tinha sido alvo de “perseguições políticas e religiosas” e aconselhou o governo a “reintegrá-lo ao Exército Português”.
No ano seguinte, o Exército declarou oficialmente que o Capitão Basto poderia ser readmitido postumamente como coronel, posto que teria alcançado em 2 de novembro de 1945, caso não tivesse sido expulso.
Apesar de o parlamento e o exército terem anunciado estas decisões, Isabel disse não ter recebido qualquer documento que comprove a reintegração oficial do seu avô ao Exército.
David Garrett, da Comunidade Judaica do Porto que tem a seu cargo os assuntos jurídicos, explicou que “neste momento, o problema não é o Exército Português, mas várias instituições do Estado, que tentam negar a qualquer descendente legitimidade para solicitar a reintegração póstuma, como se a pessoa por quem lutam fosse imortal, apesar de uma lei aprovada em 2018 que permite reintegrações póstumas”.
De acordo com a documentação histórica, capitão Basto converteu-se oficialmente ao judaísmo em 1920 e fundou a Comunidade Judaica do Porto juntamente com cerca de trinta judeus Ashkenazi. Entre os anos de 1927 e 1934, Basto tentou ajudar milhares de descendentes de judeus convertidos à força, conhecidos como Bnei Anussim (conversos), que viviam em Portugal a se converterem ao judaísmo.
Barros Lopes explicou que o seu avô fundou uma yeshiva, uma escola judaica, criou um jornal judaico e “pediu aos judeus sefarditas de todo o mundo que pagassem a construção de uma grande sinagoga no Porto”, ainda hoje considerada a maior sinagoga da Península Ibérica.
Ainda em 1937, o Capitão Basto foi alvo de cartas anônimas enviadas às autoridades portuguesas acusando-o falsamente de homossexualidade. A polícia declarou que tais acusações eram falsas, “mas o Estado se aproveitou da polêmica e ele foi expulso do exército por ajudar seus alunos a receber uma circuncisão judaica”, afirma a documentação oficial da comunidade.
Barros Lopes contou que depois que seu avô foi expulso do exército, “ele passou o fim de sua vida cheio de amargura e tristeza”.
Em 2019, a Comunidade Judaica do Porto financiou a filmagem e produção de um longa-metragem intitulado Sefarad, que conta a história do capitão e que pode ser assistido no Vimeo.
A Comunidade Judaica do Porto diz ser hoje composta por cerca de mil judeus provenientes de 30 países. A comunidade tem três sinagogas, um Museu do Holocausto, um Museu Judaico e restaurantes casher. Curiosamente, este ano, a comunidade vai inaugurar o seu próprio cemitério, tendo o último sido destruído em 1497 por altura do Édito de D. Manuel I, quando toda a comunidade judaica portuguesa foi convertida à força e o judaísmo foi proibido em Portugal.
Fonte: The Jerusalem Post
Foto: Wikimedia Commons