A reforma do Judiciário não é o fim da democracia em Israel
Por Deborah Srour Politis
Todo o bom advogado escuta atentamente o seu cliente, e o caso com o qual ele precisa de ajuda. No final, o advogado sempre pergunta: e o que é que você quer fazer? Isso é porque depende muito se você estiver no ataque ou na defesa. No Direito há argumentos para todos os lados. E a decisão do juiz vai depender não só da argumentação, do embasamento legal, mas mais que tudo, vai depender da convicção pessoal do juiz sobre aquele assunto.
Nos anos 90, com o colapso da União Soviética, caiu-se na moda dos direitos humanos, do globalismo e da descaracterização cultural que levou ao ativismo político das cortes. Em Israel, esta moda foi levada adiante por Aharon Barak do Supremo Tribunal do país. Isso infelizmente, criou um desequilíbrio nos poderes, fazendo do Judiciário, que não é eleito pelo povo, ser supremo sobre o executivo e o legislativo.
O novo governo de Bibi Netanyahu está tentando mudar isso e o novo ministro da justiça, Yariv Levine, propôs, logo nos primeiros dias de governo, a reforma do sistema judiciário de Israel. Uma reforma necessária para realinhar o equilíbrio entre os três poderes.
Mas esta tentativa de reforma que parece razoável, foi a desculpa da esquerda e do Supremo para declarar que ela trará o fim da democracia no país. Eles estão errados. A democracia já começou a morrer com uma Suprema Corte extremamente politizada, que nomeia amigos e pessoas de ideologia semelhante não só para o Supremo, mas como conselheiros legais em todos os ministérios que controlam a formulação de políticas, às custas dos legisladores da Knesset e do governo.
E pior: eles se autodenominam pretensiosamente os “guardiões dos portões da democracia”! Exceto que esses poderosos perturbaram a democracia israelense usurpando poderes para si mesmos nunca pretendidos pelos fundadores do Estado ou parlamentares de Israel que se estendem muito além daqueles detidos pelo sistema legal em qualquer outra democracia.
Além do quê, eles distorcem a tomada de decisões para o lado mais progressista de qualquer questão, tornando impossível para a direita e centro-direita (que é onde a maioria dos israelenses está), governar de forma eficaz.
São eles que ameaçam a democracia israelense, não as propostas do ministro da Justiça Levine. Porque não é sensato mudar a forma como os juízes são selecionados (em vez de um amigo que traz o outro)? Porque não é sensato limitar a capacidade desses juristas de derrubar legislação aprovada pela Knesset que eles dizem ser “inadequada” aos seus olhos?
De acordo com o exemplo dado pelo ex-megapresidente da Suprema Corte Aharon Barak e perpetuado desde então por meio de seus sucessores escolhidos a dedo por ele, em Israel, hoje, todos os assuntos estão sujeitos ao Supremo. Sim, Barak decidiu unilateralmente, que qualquer pessoa tem posição perante o tribunal sobre qualquer assunto e tudo é justiciável, o que significa que tudo, desde impostos até políticas de defesa, está sujeito à reprovação do Supremo Tribunal do país.
Para realizar sua revolução judicial, Barak desenvolveu uma série de conceitos subjetivos. Peguem o termo “razoabilidade”, por exemplo, que corre como um vírus nas decisões das últimas duas décadas. Razoável é o que eles acham ser razoável.
“Democracia substantiva” é outro termo inventado por Barak que significa que é o Tribunal quem tem a responsabilidade de estabelecer normas substantivas e padrões de decência para a vida pública e de aplicar interpretações próprias de valores, equilíbrio e igualdade. Conceitos totalmente subjetivos!
E assim, nos últimos anos, o tribunal decidiu com punho liberal sobre a alocação de terras do KKL, operação da sede da Autoridade Palestina em Jerusalém, adiamentos de projetos da comunidade religiosa, comércio no Shabat e muito mais.
Por exemplo, o Supremo Tribunal decidiu que não era razoável fechar a rua Bar-Ilan em Jerusalém por várias horas no Shabat, embora um comitê público de proeminentes judeus religiosos e seculares – que era muito mais representativo da sociedade israelense do que o Tribunal – achou que fosse.
O tribunal considerou irracional permitir que judeus religiosos rezassem no Monte do Templo porque isso perturbaria os árabes e exigiria uma presença maciça da polícia. Por outro lado, o tribunal considerou razoável permitir que as Mulheres do Muro rezassem de maneira ofensiva para a maioria dos fiéis no Muro das Lamentações, apesar da perturbação envolvida e da necessidade da presença massiva da polícia para torná-la viável.
Não foi razoável para a alta corte dar ao distinto editor Shmuel Schnitzer o Prêmio Israel por causa de uma coluna ofensiva que ele escreveu ao longo de uma excelente carreira de 30 anos de jornalismo. Mas foi razoável dar à líder do Meretz, Shulamit Aloni, o Prêmio Israel, apesar de uma carreira de 30 anos especializada em atacar e ofender o público religioso.
O Supremo Tribunal também derrubou a legislação da Knesset relativa à imigração ilegal de africanos, embora a Knesset tenha aprovado leis revisadas sobre a matéria com o apoio de uma grande maioria dos parlamentares. O Tribunal simplesmente decidiu que sabia melhor do que os parlamentares o que era razoável.
E agora? Uma decisão do governo de estender a lei israelense a todos as comunidades judaicas na Judeia e Samaria seria uma decisão razoável? Que tal a decisão oposta de desmantelar todas elas? ou uma decisão do gabinete de bombardear o Irã? Quais dessas decisões seriam razoáveis e quais não? Os imperiosos juízes da Suprema Corte é quem decidirão? não o governo?
Mas não é só o Supremo. O procurador-geral e os conselheiros legais em todos os ministérios também adquiriram o hábito de anular julgamentos de valor aprovados em lei pelos representantes democraticamente eleitos e de substituí-los por suas próprias ideias que eles consideram muito mais “refinadas”.
Um caso em questão diz respeito aos terroristas. Em 2018, a Knesset aprovou uma lei que permite ao ministro do Interior revogar a cidadania ou a residência permanente de terroristas condenados e também seus benefícios sociais. Mas o procurador-geral decidiu que a lei não era de seu gosto e forçou o ministro do Interior a conceder aos assassinos árabes o status de residentes temporários.
Esse status dá aos terroristas todos os benefícios, como seguro-desemprego, pensão alimentícia, seguro por invalidez e pagamentos de segurança social quando saírem da prisão, pagos pelos contribuintes israelenses. Claro, isso é exatamente o oposto do que a Knesset pretendia.
A legislação de Levine propõe colocar limites a tal intervencionismo. Ela permitirá que a Suprema Corte anule a legislação da Knesset apenas quando se reunir com uma bancada completa e com uma grande maioria dos juízes.
Isso vai acabar com a brincadeira do tribunal de mudar a intenção do legislador que foi eleito pelo povo. Finalmente juízes, promotores e conselheiros legais não mais agirão também como júris e carrascos.
E o mais importante de tudo, a contrarrevolução de Levine devolverá aos representantes eleitos de Israel o controle sobre quem seleciona os juízes da Suprema Corte e forçará audiências de confirmação abertas na Knesset, assim como nos EUA.
Ontem à noite, 80 mil pessoas do campo não-Bibi foram às ruas de Tel Aviv para protestar a reforma de Levine. Mas em 1º de novembro houve uma manifestação ainda maior. De dois milhões e meio de pessoas que pediram esta reforma através do voto.
Este não é o fim da democracia em Israel, mas sim uma solução há muito esperada para a democracia israelense. Os parlamentares israelenses, incluindo a oposição, deveriam debater e negociar os limites desta reforma legal em vez de escalar as muralhas com ameaças sinistras e slogans exagerados e mentirosos.
Foto: Canal 13 (captura de tela). Ex-presidente da Suprema Corte Aharon Barak em entrevista à TV em 7 de janeiro de 2023.