A nau dos insensatos
Por Nelson Menda
Até parece que o mundo em geral e o Brasil em particular estão à deriva, em um barco perdido no meio do oceano, sem conhecer a própria localização, o destino e, como decorrência, a rota a ser seguida para chegar a um porto seguro.
Para piorar, convivendo com a presença de um misterioso vírus para o qual não havia, ou se conhecia, tratamento específico ou a existência de uma vacina que pudesse nos imunizar contra seus efeitos. Misterioso porque, em algumas das pessoas infectadas, ele passa corrido, sem manifestação de nenhum sintoma, ao passo que, em outras, ele as obriga à internação urgente em Unidades de Terapia Intensiva e, em casos extremos, evolui para o óbito.
Não vou mencionar o número de pessoas acometidas pela doença, mas me ater ao fenômeno que tenho observado, que mais se assemelha a uma histeria coletiva, onde a ciência acabou sendo substituída por comportamentos antissociais, crendices e superstições de toda ordem. Isso porque, apesar das recomendações de isolamento social, as pessoas passaram a se aglomerar nas praias, a frequentar festas clandestinas e o próprio primeiro mandatário dá o mau exemplo do que não se deve fazer. Abraça pessoas a torto e a direito e atua como garoto propaganda de um medicamento para a malária que, comprovadamente, além de não ter eficácia contra o coronavírus, ainda é tóxico.
Sergio Porto, jornalista falecido em 1968, foi o criador do Febeapá – Festival de Besteiras que Assola o País, em meados do século passado, quando o país vivia uma situação bastante parecida com a atual. Os ânimos políticos estavam acirrados e os governos de exceção da época procuravam calar os meios de comunicação apelando para a censura. Chegaram a proibir a divulgação da existência de uma epidemia de Meningite Meningocócica que grassava no país.
A situação se assemelhava ao que está ocorrendo atualmente com a Covid-19. Como o Ministério da Saúde não se preparou adequadamente, naquela ocasião, para enfrentar o problema, decidiu proibir que os meios de comunicação divulgassem o que estava acontecendo. Só tomei conhecimento dessa epidemia quando, em viagem aos Estados Unidos, acabei sabendo do grave quadro de saúde que o Brasil atravessava. Para piorar, sem estar tomando as medidas sanitárias indispensáveis em situações do gênero, como quarentena e isolamento social. Como não existiam estoques de vacinas anti-meningocócicas para suprir a rede pública, algumas poucas clínicas privadas estavam conseguindo importar esses insumos e imunizando a clientela que tinha condições de pagar por elas. O que fez o governo? Com grande estardalhaço, invadiu as clínicas particulares onde existiam estoques dessa vacina e apreendeu-os.
Lembrei desse fato ao tomar conhecimento que um dirigente da Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas – ABCVAC, cuja existência desconhecia totalmente, está viajando para a Índia no momento exato em que redijo este texto, para negociar a compra de 5 milhões de doses da Covaxin. Trata-se de uma vacina anti-Covid para ser aplicada em pacientes que estejam dispostos a pagar por ela.
Não estranharia se os atuais ocupantes de cargos no Ministério da Saúde, que falharam ao não encomendar vacinas anti-Covid em tempo útil, nem os insumos necessários à sua aplicação, como seringas e agulhas, façam o mesmo que seus colegas de 1974, ordenando a proibição de seu uso. Não me surpreenderia, portanto, se dentro de muito pouco tempo camelôs nas principais capitais do país estejam apregoando vacinas indianas, chinesas ou russas, na base do “compre duas e leve três”, como faziam com as lâminas de barbear inglesas.
É triste, mas o Brasil que, aparentemente, tinha tudo para dar certo, está andando para trás em ritmo acelerado e pagando um mico atrás do outro.
Foto: Sebastian Brant. A Nau dos Insensatos, retratada numa xilogravura alemã de 1549. (Wikimedia Commons)
Nota: A nau dos insensatos ou o navio dos loucos é uma antiga alegoria muito usada na cultura ocidental, na literatura e nas artes visuais. Imbuída de um senso de autocrítica, ela descreve o mundo e seus habitantes humanos como uma nau, cujos passageiros perturbados não sabem e nem se importam em saber para onde estão indo. Em composições literárias e artísticas dos séculos XV e XVI, o motivo da nau dos insensatos era uma paródia da arca da salvação. Fonte: Wikipedia
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