A Comissão Peel, 1936/37
Por Marcos L Susskind
Paz não é ausência de conflito, é a capacidade de lidar com o conflito por meios pacíficos. (Ronald Reagan).
As recomendações finais da Comissão Peel trazem importantes inovações. Embora não efetivadas, será a primeira vez em que se propõe a criação de “dois Estados para dois povos”. As resoluções rejeitadas pelos árabes e aceitas pelos judeus são mais uma das oportunidades de paz que não foram adiante.
Antecedentes
O Império Britânico detinha o mandato sobre grande parte do Oriente Médio desde 1920. A imigração judaica para a Palestina desagradava às lideranças árabes e assaltos às colônias Judaicas eram cada vez mais frequentes, incitados principalmente por Amin Al Husseini desde o fim dos anos 1920. O Grande Massacre de Hebron, em 1929, marca o início de escalada de violência que, infelizmente, ainda persiste. Neste episódio foram assassinados 133 judeus no país (67 em Hebron) e 339 feridos graves. Em 1935, o Sheikh Izz ad-Din al-Qassam, da Síria, passa a incentivar a violência, justificando-a por motivos religiosos. Para incentivar sua agitação antissionista e antibritânica ele obteve uma fatwa (decreto religioso) do Sheikh Badr al-Din al-Taji al-Hasani, o Mufti de Damasco, autorizando a resistência armada e violenta contra britânicos e judeus e cria o grupo armado Mão Negra que ataca judeus e britânicos, geralmente desarmados e sozinhos, bem como vandalizam imensas áreas agrícolas de judeus. As crescentes tensões levam a uma greve geral dos árabes na Palestina e à erupção da Grande Revolta Árabe de 1936. Para entender e solucionar a questão, o Parlamento inglês cria uma comissão para estudar e propor soluções, em fins de 1936. Liderada por Lord William Robert Peel, fica conhecida sob o nome de Comissão Peel.
A Grande Revolta Árabe de 1936/1939
Em maio de 1936, os árabes começaram uma longa greve que envolveu transportes, comércio e serviços, buscando a proibição da imigração judaica bem como a suspensão do pagamento de impostos. Os objetivos da greve, endossada pelas autoridades religiosas e pela elite Árabe local, eram:
1) a proibição imediata da imigração Judaica;
2) a proibição da transferência de terras árabes para os judeus, ainda que já pagas;
3) o estabelecimento de um Governo Nacional Árabe responsável perante um conselho representativo.
Para isso buscam apoio do governo nazista. Walter Döhle, o cônsul-geral da Alemanha nazista em Jerusalém, enviou um telegrama a Berlim relatando seu encontro com Amin al-Husseini onde afirmava que os muçulmanos palestinos estavam entusiasmados com o novo regime e esperavam a disseminação do fascismo por toda a região.
Entrevistas e conclusões da Comissão Peel
Inicialmente os árabes não aceitaram depor frente aos membros da comissão. No entanto Ragheb Bey al-Nashashibi, opositor do Mufti Haj Amin El Husseini, representou o ponto de vista árabe, mas de forma não oficial. Já Chaim Weitzman, representando a Organização Sionista, cooperou desde o início. Em 25/11/1936 Weizman disse à comissão Peel uma de suas famosas frases: “Na Europa vivem milhões de judeus para os quais o mundo se divide em duas partes – uma onde não os querem e outra onde não podem entrar”. Num certo momento o Mufti Haj Amin El Husseini decidiu dar seu testemunho e exigiu que os britânicos aprovassem as três condições acima.
Os pontos principais na conclusão dos trabalhos foram:
– Há um desejo dos árabes de independência nacional;
– Os árabes se opõem ao estabelecimento do Lar Nacional Judaico na Palestina.
– Buscam sua independência nacional tal como outorgada ao Iraque, Transjordânia, Egito, Síria e Líbano;
– Temem os imigrantes judeus fugindo da Europa Central e Oriental;
– Consideram-se em desvantagem ao apresentar seus argumentos perante o governo de Vossa Majestade
– Estão alarmados com a compra contínua de terras árabes, pelo caráter intensivo e “modernismo” do nacionalismo judaico.
A Comissão informa que não foi possível prever o advento da imigração maciça de judeus, devido à “drástica restrição da imigração para os Estados Unidos, o advento do Governo Nacional Socialista na Alemanha em 1933 e o aumento da pressão econômica sobre os judeus na Polônia”. E acrescenta: “O impacto contínuo de uma raça altamente inteligente e empreendedora, apoiada por grandes recursos financeiros, em uma comunidade local comparativamente pobre, um nível cultural diferente, pode produzir com o tempo graves reações”. E segue: “embora os árabes tenham se beneficiado do desenvolvimento do país devido à imigração judaica, isso não teve efeito conciliador. Pelo contrário, a melhora na situação econômica na Palestina significou a deterioração da situação política”.
Por outro lado refutou “a acusação árabe de que os judeus obtiveram uma proporção muito grande de terras agriculturáveis”, observando: “muitas das terras que agora possuem laranjais eram dunas de areia ou pântanos não cultivados quando foram compradas.” Menciona ainda que “tentativas repetidas de conciliar entre as raças só aumentaram o problema. A situação na Palestina chegou a um impasse”, e finaliza: “um conflito irreprimível surgiu entre duas comunidades nacionais dentro dos limites de um pequeno país. Não há um terreno comum entre elas. Suas aspirações nacionais são incompatíveis. Os árabes desejam reviver as tradições da era de ouro árabe. Os judeus desejam mostrar o que podem alcançar quando restaurados na terra em que a nação judaica nasceu. Nenhum dos dois ideais nacionais permite a combinação a serviço de um único Estado Nacional”.
As recomendações
O relatório final foi publicado em 7 de julho de 1937. A recomendação mais surpreendente aparece no fim do relatório: pela primeira vez propõe uma partilha e um mapa do território dando aos árabes 75% do território, aos Judeus 17% com uma zona divisória em mãos dos Britânicos (8%). A liderança sionista se dividiu radicalmente sobre como reagir, mas a reação árabe colocou um fim ao dilema. A liderança árabe ficou indignada com o relatório, condenou e rejeitou terminantemente a recomendação. Estavam firmemente empenhados em estabelecer um Estado Árabe independente em toda a Palestina e não estavam preparados para ceder áreas àqueles que eles chamavam de “colonizadores europeus”.
A recomendação também inclui trocas de terras e população entre os futuros Estados e um chamamento para que o Estado Árabe se unisse à Transjordânia. Aos judeus ficaria proibido comprar terras na área destinada ao futuro Estado Árabe. Concomitantemente, a Comissão acredita que a imigração judaica é fator de avanço das condições econômicas para os árabes.
O governo e o Parlamento da Inglaterra aprovaram o relatório, mas a recusa árabe e a proposta de realocação da população inviabilizaram sua implementação, engavetando o projeto. A partilha acabou sendo aprovada pela ONU em 1947 e novamente aceita pelos judeus e recusada pelos árabes. Isto gerou a chamada Guerra de Independência em 1948/49. Como resultado a Transjordânia conquistou e ocupou a área destinada ao país árabe e em 1950 a incorporou, mudando o nome de seu país para Jordânia. Houve imensa reação a esta anexação e apenas dois países a reconheceram: Inglaterra e Paquistão. Mas isto será assunto do próximo artigo.
Este é o Terceiro artigo da Série. O primeiro foi sobre O acordo Sykes-Picot e o segundo sobre A Conferência de San Remo. Os artigos são independentes e podem ser lidos em qualquer ordem.
Foto:
Lord Peel, 1936)