A cegueira que não deixa diferenciar vítimas de vilões
Por Deborah Srour
Em junho deste ano, o governo da Bélgica anunciou que iria retirar a segurança militar das instituições judaicas, apesar do país estar sofrendo a maior onda antissemita dos últimos anos, devido à guerra com Gaza em maio deste ano. O governo simplesmente disse aos judeus de procurarem a polícia. É de notar que, com exceção da França, os judeus não sofrem antissemitismo no resto da União Europeia, tanto quanto na Bélgica.
O carnaval anual em Aalst “é somente humor”, disse o prefeito da cidade à BBC em 2020, sobre os carnavalescos vestidos com uniformes da SSs e judeus caricaturados com narizes enormes e chapéus de pele imensos. Foi muito “humorística” mesmo a deportação de 25 mil judeus belgas para Auschwitz onde foram mortos.
Este tipo de expressão popular só acontece quando governos adotam atitudes antissemitas ou se calam frente a elas. Em sua mídia social, o Ministério das Relações Exteriores da Bélgica se gaba de “multiculturalismo” e de “multilateralismo” que dizem fazer parte do “DNA belga”.
Multiculturalismo sabemos o que é. Na prática é aceitar o domínio do Islamismo e seus valores medievais sobre a Europa cristã.
O multilateralismo belga é o que acontece quando seu governo fornece milhões de euros para ONGs que propagam narrativas anti-Israel, promovem ações legais, e campanhas discriminatórias de BDS que demonizam o estado judeu.
Um dos objetivos declarados, publicados sobre este gasto do dinheiro público é, na redação de um destes acordos, “mitigar a influência de vozes pró-Israel”. Qualquer democracia que se preze consideraria isso uma grave apropriação indébita de fundos públicos. Mas não a Bélgica!
Um exemplo notório envolveu o Diretor Geral para o Multilateralismo do Ministério das Relações Exteriores, Axel Kenes. No ano passado, ele convidou Brad Parker, um conselheiro sênior da Defesa Internacional das Crianças -Palestinas – a DICP, para se dirigir ao Conselho de Segurança da ONU, presidido na época pela Bélgica.
Esta ONG recebe financiamento público por meio de sua parceira belga, a ONG Broederlijk Delen. Muitos funcionários e membros do conselho do DICP têm laços comprovados com a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), responsável pelos assassinatos de judeus em Israel e no exterior. O Ministério da Defesa de Israel designou a própria DICP como uma organização terrorista em outubro.
Porque o Estado belga financia estas e outras ONGs, intimamente associadas ao terrorismo?
Essa questão foi colocada no parlamento federal belga à atual ministra do desenvolvimento e cooperação, Meryame Kitir. Ela prometeu uma investigação. Membros do Parlamento honestamente preocupados, disseram que a investigação deveria ser independente e transparente. Ao final não foi nenhum dos dois. Kitir simplesmente declarou que, tendo investigado, não havia caso para discutir.
A pergunta é: como a promoção de uma luta, que inclui matar civis inocentes por meio de atos terroristas, se torna o “dever” de um governo democrático que não tem nada com a estória? E porque o outro lado desta estória, o lançamento de milhares de mísseis indiscriminadamente sobre uma população civil, explosões de ônibus, esfaqueamentos, tiroteios, acabam vilificando as vítimas reais e vitimizando os perpetradores?
Desde 2016, muitas publicações vieram à tona sobre as ligações de pelo menos 13 ONGs financiadas pela Bélgica e o grupo terrorista Frente Popular para a Libertação da Palestina. De 2014 a 2021, os governos europeus e a União Europeia doaram mais de € 200 milhões para ONGs palestinas com altos funcionários ligados à Frente Popular, alguns dos quais estavam diretamente envolvidos no assassinato da adolescente israelense Rina Schnerb, de apenas 17 anos, em 2019.
No passado, a política diplomática da Bélgica era caracterizada por uma certa prudência para manter um ar de neutralidade em questões complexas. O chamado conflito israelense-palestino é um assunto muito complexo. Hoje esta neutralidade foi consciente e abertamente substituída na Bélgica por uma narrativa simplista de bem contra o mal. Só que nesta versão ela romantiza qualquer coisa palestina, enquanto demoniza tudo que é israelense.
Isso leva a uma condenação absurda e desproporcional de Israel, enquanto encobre ONGs palestinas que têm o único propósito o assassinato de israelenses. Vemos esse absurdo também nas Nações Unidas, cujas 211 condenações de Israel desde 2015 extrapolam qualquer medida.
Só no ano passado, Israel foi condenada 17 vezes contra seis condenações para o resto do mundo. O Reino Unido e os estados da União Europeia, como a França, a Bélgica, a Alemanha e a Espanha, votaram sim em mais de dois terços das resoluções contra Israel em 2020. Mas essas mesmas nações não conseguiram apresentar uma única resolução no mesmo ano sobre a situação dos direitos humanos na China, Venezuela, Arábia Saudita, Bielo-Rússia, Cuba, Turquia, Paquistão, Vietnã, Argélia ou em qualquer dos outros 175 países.
Os políticos belgas operam em um mundo impulsionado por pura ideologia, onde a transparência e a responsabilidade são mínimas, e as consequências por seus atos, completamente inexistentes. Mas eles não conseguem mais esconder sua parcialidade quando financiam ONGs ligadas a organizações terroristas comprometidas com a destruição de Israel. Esse tipo de postura nunca deveria fazer parte do “DNA” de qualquer democracia decente contra outra democracia.
A narrativa falsa perpetrada pela perniciosa campanha do BDS foi aceita com ansiedade demais por estados e organismos internacionais que abrigam um antissemitismo arraigado. Nenhuma outra causa uniu facções tão diferentes mais do que o ódio aos judeus, cuja última versão é o ódio ao Estado judeu, vestido na roupagem de “direitos humanos”. Se realmente se importassem com direitos humanos, a ONU e a UE encorajariam o diálogo entre israelenses e palestinos, não a demonização de Israel.
E isso nos leva à França. Depois da vergonhosa absolvição do muçulmano Kobili Traoré pelo impiedoso assassinato antissemita da médica Sarah Halimi, de 65 anos, com a desculpa que ele estava drogado por cannabis, a corte francesa desta vez condenou Yacine Mihoub, de 32 anos, à prisão perpétua por ter assassinado a sobrevivente do Holocausto de 85 anos, Mireille Knoll. Os dois casos são muito semelhantes, pois as duas foram assassinadas em suas casas, por muçulmanos vizinhos a elas e pelo único fato de serem judias.
Sarah não conseguiu justiça. Traoré foi descrito como uma vítima do sistema, um desempregado, que constantemente fumava maconha. Como se isso fosse uma desculpa para jogar uma mulher de idade do sexto andar de seu apartamento aos gritos de Ala uakbar.
Um ano depois do assassinato de Sara Halimi, o corpo parcialmente queimado de Mireille Knoll foi encontrado em seu apartamento em Paris em março de 2018. Ela foi roubada e esfaqueada 11 vezes e seus agressores incendiaram sua casa. Seu assassino era filho de vizinhos de Knoll e conhecia bem a vítima.
Knoll era uma criança de 9 anos quando escapou da batida em 1942 no Val d’Hiv quando mais de 13 mil judeus franceses foram deportados para campos de concentração onde a maioria pereceu.
O promotor público disse que, uma vez que Yacine Mihoub conhecia Knoll e que eles viviam em condições bastante semelhantes, apenas o ódio religioso poderia ter motivado o assassinato.
É muito triste quando respiramos um ar de alívio com uma decisão justa tanto no âmbito legal como moral. Isto deveria ser a regra, não a exceção em sociedades desenvolvidas.
Estes países europeus que se dizem senhores da moralidade mundial, que se sentem no direito de passar sermões em Israel, são tão cegos que ainda, no século XXI, não aprenderam a separar as verdadeiras vítimas dos vilões.
Foto: Cortesia FJO (via JTA), 2019.