31 de Março – Data maldita
Leitor, este artigo não tem nenhuma relação com a Revolução de 1964 e nem sequer com o Brasil. Infelizmente trata de uma das datas mais nefastas na história do Povo Judeu.
A Espanha medieval não existia – era uma sucessão de reinados tais como Castela, Leon, Navarra, Aragão e outros, independentes entre si. Em 1469, casam-se Fernando de Aragão e Isabel de Castela, o que vai dar início à formação da Espanha como país.
Isabel era profundamente católica e tinha o frade Tomás de Torquemada como seu confessor. A Espanha tinha o maior contingente de Judeus conversos em todo o mundo – chamados Cristãos Novos – visto com profunda desconfiança pela Igreja e pelos Cristãos Velhos. Torquemada nutria ódio profundo pelos Judeus e incita a coroa a persegui-los, sob o argumento de “sangre limpia”, a eliminação de não Cristãos do reino.
O reino passava por grave crise financeira e por um reviver da fé Cristã. Os Judeus já formavam uma poderosa burguesia urbana. Impedidos de possuir terras, se dedicam ao comércio e às finanças. Fernando de Aragão vê nesta junção de fatos um bom motivo para endossar as ideias de Torquemada e, em 1478, autoriza a perseguição tanto dos Judeus como dos conversos acusados de práticas Judaizantes. A perseguição começa exatamente através do confisco dos bens de Judeus e dos Cristãos Novos e o cancelamento da dívidas da Coroa com os financistas Judeus – o que alivia as finanças do Estado e dá a Fernando de Aragão maiores motivos para aumentar a liberdade de ação de Torquemada, que, sendo Dominicano, usa o direito de criar Tribunais do Santo Ofício e passa a publicar instruções que levem à delação. Entre suas instruções:
“Se observar que os seus vizinhos vestem roupas limpas e coloridas no sábado, eles são judeus.
Se eles limpam as suas casas às sextas-feiras e acendem velas mais cedo do que o normal naquela noite, eles são judeus.
Se eles comem pão ázimo e iniciam a sua refeição com aipo e alface durante a Semana Santa, eles são judeus.
Se eles recitam as suas preces diante de um muro, inclinando-se para frente e para trás, eles são judeus.”
O mais intrigante era a ordem para que observassem se seus vizinhos tomam banho e denunciar quem usasse toalhas limpas na véspera do sábado já que a Igreja condenava o banho por considerá-lo um luxo desnecessário e pecaminoso, amplamente praticado pelos Judeus. Os Padres, por exemplo, banhavam-se apenas duas vezes por ano e os mais entusiastas do asseio tomavam banho, quando muito, duas vezes ao ano. O próprio rei só o fazia por prescrição médica e com as devidas precauções. Porém Judeus tinham obrigatoriamente de higienizar-se – a religião obriga o Judeu a lavar as mãos ao despertar, antes de tocar seu corpo. Também três vezes ao dia, antes das orações e novamente antes de cada refeição. Finalmente, o mandamento do Mikve, o banho ritual obrigatório normalmente às sextas feiras e, para as mulheres, após a menstruação. Este asseio ajudava a delação.
Torquemada fez um famigerado julgamento, em 1490, durante o qual acusou Judeus de rituais satânicos e de crucificar crianças Judias. Suas pregações aumentavam o ódio aos Judeus e em 1492 ele convence Fernando e Isabel a expulsar os Judeus do território Espanhol. A lei é assinada em 31/03/1492 e recebe o nome de Édito de Granada ou Decreto de Alhambra. A lei é tornada pública em 29/04/1492 e é dado aos Judeus o prazo máximo de 90 dias para “converterem-se ao Catolicismo ou abandonarem a Espanha para nunca mais retornar ao Reino”, logicamente deixando seus bens. O Judeu que permanecesse seria morto.
Milhares se convertem e dezenas de milhares se exilam, uma grande parte em Portugal. Dom Manuel I os acolhe e em período relativamente curto os Judeus criam uma economia pujante e centro intelectual em Portugal. Fernando de Aragão vê nisso uma ameaça. É proposto ao Rei de Portugal que se case com a fliha de Fernando e Isabel, também chamada Isabel – que nutria profundo ódio a Judeus. Isabel, a filha, escreveu a D. Manuel que ela não atravessaria a fronteira enquanto houvesse um único Judeu no reino!
As condições estabelecidas no pacto nupcial foram: Portugal não se uniria à França e lutaria junto com a Espanha contra os Turcos; os Judeus e os Mouros seriam expulsos de Portugal.
A inquisição foi instalada e violenta também em Portugal.
A Inquisição levou 300.000 Judeus à prisão, à tortura e à morte na fogueira ou por enforcamento, nos chamados auto da fé – apenas na Espanha, seguindo em vigor na Espanha até 1834 – por longos 356 anos.
Já em Portugal ela foi extinta depois de 324 anos, em 1821 – casualmente num mesmo dia 31 de Março.
Marcos L Susskind – mlsusskind@gmail.com
Imagem: Pintura de 1683 de Francisco Rizi retratando um auto de fé na Plaza Mayor, Madrid, em 1680